Uma crônica sobre o STF: caneta de toga

A alucinante rotina de escrever sentenças, ser levada à boca e em alguns momentos deixada no porta-canetas intensificou-se nos últimos meses com a grafia de uma palavra: Lula. É Lula na Lava Jato de Curitiba. É Lula na Vara de Brasília. É Instituto Lula. Nulidade relativa, absoluta, incompetência territorial e suspeição do juiz (no caso,do processo do ex-presidente Lula). É Lula de tudo que é jeito. Pensei até em entrar com medida cautelar para protestar contra a reiterada exploração de vocábulo. Diante da morosidade da justiça brasileira, desanimei.

Rogério de Souza. Professor, sociólogo e escritor. Ser uma caneta do Supremo não é fácil. Devoradores dos noticiários semanais concluirão que a nossa vida é regada por medalhões de lagosta com molho de manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideiras de siri, moqueca capixaba, arroz de pato, finas bebidas e auxílios. Desinformados e maledicentes acusam-nos de privilegiadas. Não! Temos muitíssimo trabalho. No meu caso, são tarefas duríssimas. Isso mesmo. Duríssimas! Os juízes, quase todos sexagenários, amam usar caneta nas sentenças. Quase não fico no porta-canetas. Nos poucos intervalos, admiro os estagiários escrevendo diretamente no computador. Mas logo o meu delírio onírico é interrompido. Volto a rascunhar ofícios, acórdãos e pareceres.

Minha situação só não está pior do que aquela caneta azul, com tubo transparente. Até outro dia se gabava de assinar os documentos mais importantes do país e estrelar em rede nacional, em pleno horário nobre. Promoção da arraia miúda. Agora, quando chega ao caneteiro, todas nós, elegantes com os nossos traços dourados, nos afastamos. Fechamos os olhos. E seja o que Deus quiser. Pobre amiga, transformou-se em um depósito de vírus. Oxalá não se torne a urna funerária da democracia.

A alucinante rotina de escrever sentenças, ser levada à boca e em alguns momentos deixada no porta-canetas intensificou-se nos últimos meses com a grafia de uma palavra: Lula. É Lula na Lava Jato de Curitiba. É Lula na Vara de Brasília. É Instituto Lula. Nulidade relativa, absoluta, incompetência territorial e suspeição do juiz (no caso,do processo do ex-presidente Lula). É Lula de tudo que é jeito. Pensei até em entrar com medida cautelar para protestar contra a reiterada exploração de vocábulo. Diante da morosidade da justiça brasileira, desanimei.

Parte substancial dessa árdua tarefa caberia encurtamento se as frases herméticas para o desvelamento desviante da sentença simples e óbvia fossem abreviadas (Ops! Acho que estou contaminada). Acompanhemos a escrita do habeas corpus 193.726. “Em petição protocolizada em 10.11.2020, os impetrantes opuseram embargos de declaração em face do aludido despacho, assentando a ocorrência de obscuridade nos fundamentos acerca da adesão do caso sob análise às hipóteses de afetação de processos por iniciativa do relator ao Plenário do Supremo Tribunal Federal…” Oxente! Tudo isso para dizer que os advogados de defesa apontam que o paciente será prejudicado caso o processo seja analisado pelo Plenário do STF.

Vejam leitores a economia de tinta e tempo que ganharíamos nessa frase que desdiz a afirmação anterior, ou seja, que o processo em questão é passível de apreciação pelo Plenário do STF: “Nada obstante o não cabimento da insurgência, impende consignar que, de fato, a causa de pedir subjacente à pretensão deduzida nesta impetração aborda questão cujos contornos já foram submetidos não só ao crivo do Plenário do Supremo Tribunal Federal, […] mas da própria Segunda Turma, conforme consignado pelos embargantes […], em diversos procedimentos atinentes à denominada Operação Lava Jato nos quais se deliberou, a partir do aludido precedente, sobre a competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba.”

Para a nossa fortuna chega a hora da bóia. Ou melhor: da refeição dos eminentes ministros. Retomado o extenuante trabalho (para a gente é óbvio), levam-nos até a boca e conseguimos identificar o menu do dia. Bobó de camarão acompanhado por Chardonnay, delicioso. Tournedos de filé com molho de mostarda, pimenta, castanha de caju com gengibre e harmonizado com Tannat envelhecido em barril de carvalho francês, maravilhoso. Vitela assada com bebida destilada 18 anos, deslumbrante. O que seria de nós, pobres escravas do furor inventivo dos magistrados máximos da nação se não fossem essas iguarias!

Nas tardes de terça, quarta e quinta-feira, é comum os artífices do Egrégio Supremo, possivelmente tomados pela leseira da ceia, nos presentear com trechos incompreensíveis para os diferentes espectadores.  “Cuidando-se de ação constitucional vocacionada à tutela do direito de locomoção, o procedimento do habeas corpus é dotado de instrumentos aptos à pronta neutralização ou remediação dos efeitos que emanam do ato coator sobre a liberdade do indivíduo, restabelecendo-se, à medida em que se revelam violadas mediante prova pré-constituída, as garantias processuais penais que regem a responsabilização criminal no Estado de Direito democrático.”

Talvez vítima da madorna pós almoço, reafirmando a almejada quimera da neutralidade objetiva da Suprema Corte, escapou, no mesmo habeas corpus, aquilo que não é encontrado nas linhas de tinta: “No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário.” Por mais que alguns tentem, não conseguem cuspir o passado.

Não sou o juiz natural do caso em questão, nem pretendo romper o grau de jurisdição ou entrar com embargos declaratórios. Muito menos com interposição de agravo regimental. Mas depois de passar e repassar o processo, escrever e reescrever diferentes trechos, numa aparente tentativa das revisões produzirem ônus da prova, data vênia aos eminentes magistrados, os autos apontam inexorável decisão reafirmada pelo meu conhecimento intrínseco e experiência em grafar a mesma palavra. Súmula: Lula livre!

STF FEZ JUSTIÇA

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