Por José Gomes Temporão e Marcello Baird*
O Brasil atravessa um dos quadros mais desalentadores de sua história. Não bastasse a erosão de nossa democracia, ainda enfrentamos momento particularmente grave na economia e na saúde. De um lado, a inflação alta, especialmente de alimentos, que afeta principalmente os mais pobres e contribui para nossa pior chaga social: a fome de 33 milhões de brasileiras e brasileiros. Do outro lado, uma pandemia que ceifou a vida de quase 700 mil pessoas e incrementou a demanda crônica pelo SUS crescentemente subfinanciado.
Não é necessário perder tempo apontando a responsabilidade do governo federal, com sua inépcia e omissão, no agravamento dos problemas mencionados acima. Isso já foi fartamente documentado e a população tem ciência disso. Não é por outro motivo que o Datafolha de março já colocava a saúde e os problemas econômicos como as duas maiores preocupações dos brasileiros.
Mas estamos em ano eleitoral e o momento também deve ser de esperança e engajamento cívico para pensarmos num futuro diferente para nosso país. A história mostra que políticas públicas bem formuladas e implementadas, ancoradas em conhecimento científico e ampla participação social, têm o condão de mudar a vida das pessoas.
Imbuídos desse espírito e atentos ao fato de que as doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, respiratórias, câncer e diabetes, já respondem por mais de 70% das mortes no país, a ACT Promoção da Saúde e parceiros construíram uma agenda de propostas de prevenção à saúde para subsidiar os candidatos ao Governo Federal.
As discussões na área de saúde durante as eleições costumam focar no necessário aprimoramento do SUS, verdadeiro patrimônio nacional. Nosso objetivo com esta agenda é complementar esse debate com propostas inovadoras focadas nos cinco fatores de risco estabelecidos pela OMS para o desenvolvimento das doenças crônicas: tabagismo, alimentação não adequada, uso nocivo do álcool, inatividade física e poluição do ar.
Se atuarmos com inteligência e amparados na extensa experiência internacional, poderemos evitar mortes e doenças, desafogar o SUS e ainda arrecadar recursos para a saúde. O caso do tabaco no Brasil, que virou referência internacional, é emblemático. Medidas regulatórias como o aumento de preços e impostos, os ambientes livres de fumo, a restrição da propaganda e o uso de advertências nos maços fizeram a prevalência de fumantes no país cair de 34,8% em 1989 para 12,6% em 2019. Apesar desse avanço, o tabagismo ainda provoca um prejuízo de aproximadamente R$ 93 bilhões à saúde e economia nacionais: R$ 50,3 bilhões em custos diretos ao sistema de saúde com atendimento médico e R$ 42,5 bilhões em perda de produtividade no trabalho por doenças e morte prematura da população trabalhadora ativa.
Este exemplo mostra como prevenir doenças é a melhor política não apenas para a saúde, mas também para a economia do país. De acordo com a OMS, para cada dólar investido no enfrentamento às doenças crônicas não transmissíveis, pode haver um retorno de até sete dólares em termos de aumento de emprego, produtividade e longevidade.
Além disso, atuar na prevenção também ataca o cerne de nossa desigualdade social, de raça e de gênero. Afinal, são justamente os grupos mais vulneráveis, como crianças, adolescentes e idosos, e a população negra e pobre, os mais atingidos por esses fatores de risco e essas doenças.
A agenda traz dados sobre os custos associados aos fatores de risco e dezenas de propostas específicas para o controle do tabaco, do álcool e da poluição do ar, bem como a promoção da alimentação adequada e saudável e da atividade física. Por sua transversalidade e oportunidade política, uma vez que a reforma tributária está na agenda do dia, destacamos a importância de uma política tributária que desincentive produtos como o tabaco, os alimentos ultraprocessados, os agrotóxicos, o álcool e os combustíveis fósseis, pavimentando o caminho para ambientes mais saudáveis e sustentáveis.
Ao lado do fortalecimento do SUS, propor ações de prevenção e promoção da saúde é o melhor investimento que podemos fazer para o futuro das próximas gerações. As propostas estão na mesa. Com a palavra, os candidatos ao Executivo e ao Legislativo no país todo.
(*) José Gomes Temporão é pesquisador da Fiocruz e ex-ministro da Saúde; Marcello Baird é cientista político e coordenador de advocacy na ACT Promoção da Saúde