Ferramentas não regulamentadas e as redes ao redor de Donald Trump estão tornando real a distopia da internet
A internet, em sua criação, foi um oásis, um espaço capaz de conectar pessoas com outras pessoas por meio de suas afinidades, independente das distâncias. Nós da geração Y crescemos acompanhando essa revolução de conectividade, a criação de um novo mundo mais informado, onde os boatos rapidamente seriam suplantados pela realidade, que se colocaria por meio da exibição de fatos em um mundo que fora chamado de aldeia global.
Esperamos, pacientemente, chegando a acreditar que em algum momento o desenvolvimento tecnológico seria tal, que as desigualdades sociais, em questão de décadas, seriam menos perceptíveis, com todos tendo acesso a internet das suas casas e a possibilidade de acessar seus aplicativos prediletos, de onde estivessem, a partir do celular. Foi assim durante um tempo.
Mas o mundo continuou dando voltas, e não sei bem qual foi a borboleta que bateu asas fez as coisas deixarem de se desenhar como utopia para se tornar distopia. É difícil entender se começou a partir da ganância das big techs (Facebook, Google, Apple, Microsoft) em querer tomar para si o poder de controlar toda a informação ou, se foi quando, os opressores, sentido-se acuados por não poderem cometer mais seus pequenos ou grandes delitos resolvem unir-se, como uma espécie de classe opressora global “oprimida”, para fazer frente ao avanço que o mundo vivia um avanço na garantia de direitos daqueles que nunca de fato foram incluídos.
O fato é que em algum momento as redes sociais acreditaram que poderiam regular o debate público, que poderiam de fato expulsar pessoas com grandes redes de seus condomínios, e que isto seria suficiente para dissuadir e, talvez, até desfazer a popularidade de determinadas pessoas.
Durante algum tempo, muita gente acreditou que o número de likes era mais importante que o conteúdo relevante, e se despersonalizou para estar bem nos algoritmos, o que tornou, sim, estas pessoas pontos de redes frágeis, nada muito além de uma página, passíveis de serem banidas das redes e apagadas da vida real de outras pessoas.
E, com este sentimento de empoderamento, as redes cresceram ao ponto de em algum momento, Marck Zuckerberg, do topo de seu escritório, declarar que o Facebook iria reorganizar as nações, que o que eles tinham criado era algo supranacional. E de fato foi mas nas voltas que a Terra dá, isto gerou reações.
Por uma internet livre
As primeiras reações foram de movimentações pelo anonimato, pelo direito de poder ter seu sigilo de dados garantido, pelo direito de não ser vigiado. Nesta onda estavam todos misturados, os defensores de direitos de humanos, historicamente perseguidos por governos, contraventores e, até mesmo seu vizinho que queria comprar aquele cogumelo pela deep web. Sob esta primeira diáspora criaram-se uma série de aplicações, desde os chans (fóruns para publicar anonimamente) até aplicativos de mensageria, como o Telegram, que sob o compromisso de manter o sigilo absoluto das informações, em especial dos governos e autoridades locais, abrigou o surgimento de grupos de toda espécie, redes pela defesa dos direitos humanos à grupos neonazistas, negacionistas e deu casa e endereço fixo à toda uma dimensão que antes ficava organizada nos chans, pulando de link em link.
Neste momento, as coisas já não tinham mais pleno controle, ao mesmo tempo em que as pessoas começavam a querer deixar de serem vigiadas, iniciou-se um esforço enorme, por parte da internet de grandes plataformas, pressionadas por governos e sociedade civil, para garantir regras mínimas de civilidade, regulando, corrigindo erros históricos e tentando criar ferramentas de controle, ainda que de forma tardia, para evitar difusão de notícias falsas (fakenews) e a propagação do ódio.
Pós Verdade
Mas, eis que então, já era de conhecimento de um número significativo de pessoas: uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Tendo este fato como conhecimento, derrubaram Dilma, elegeram Trump, Bolsonaro, e deu-se substância a onda negacionista, que se expandiu, ao garantir o anonimato para as pessoas propagarem das ideias mais absurdas, de suas cabeças, sem serem ridicularizadas por isto. A consolidação deste momento foi em 2016, ano em que o dicionário Oxford elegeu “pós-verdade” a palavra do ano.
Nessa fase a conectividade já tinha transformado de tal maneira a forma como consumimos informação, que os meios de comunicação tradicionais já não eram plenamente capazes de trazer luz aos fatos, tendo muitos deles sua credibilidade e capacidade de apurar os fatos colocada em xeque. A luta passou para outro espaço, a regulamentação da informação por meio das plataformas, acreditou-se que uma regulamentação eficaz das principais redes seria suficiente para fazer a desinformação e a onda negacionista recuar, sob este anseio, demorou-se para perceber até onde os protagonistas destas redes de desinformação iriam. Além de eleger o presidente da nação mais rica do mundo.
Trump e o efeito Cerberus
No entanto, nem sempre as decisões e negociações são simples, tem horas que é necessário firmar posição, se negar a recuar, escolher um lado. E assim fizeram as grandes redes, ao decidirem firmar posição contra a difusão de boatos e mentiras, o que a fez entrar em guerra contra Donald Trump e toda a sua rede. Foram meses de tentativas frustradas de criar o diálogo com o presidente em campanha pela reeleição e a tentativa de difundir a sua própria versão da história, onde o mesmo foi vítima de uma fraude eleitoral nunca comprovada, o que culminou no ápice dessa crise, quando, Donald Trump convocou seus 80 milhões de seguidores no Twitter a invadir o Congresso Americano, sob protesto pela derrota não reconhecida nas eleições. O que fez com que sua conta fosse banida do Twitter por incitação a violência, e gerou mais tarde sua exclusão do Facebook e YouTube.
O efeito? Foi como cortar a cabeça de Cerberus, não foi como expulsar um perfil da rede por expor algum mamilo, ou como bloquear uma conta por falar do Hamas, desta vez as big techs expulsaram um magnata, ex-presidente dos EUA e dono de um perfil no Twitter que chegou a ter 88 milhões de seguidores. Alguém com recursos financeiros e popularidade suficientes para financiar a criação de redes sociais anônimas e com a liberdade de se dizer o que quer. Nesta primeira onda nasceram o Parler e Gettr, com a proposta de permitir a máxima liberdade de expressão. Foi só o começo do efeito Cerberus.
Truth Social
A última novidade, desta grande distopia internética, surgiu na segunda-feira (21/02/2022),no mesmo dia em que se noticia que Bolsonaro voltou a crescer nas pesquisas no Brasil, foi o pré-lançamento da Truth Social, rede social de Donald Trump, criada pela Trump Media & Technology Group e que é anunciada como a primeira de muitas plataformas a serem lançadas pelo grupo.
O próximo lançamento pré-anunciado, é a criação de uma plataforma de streaming, que possa fazer frente à Netflix.
Imaginem como seria uma plataforma, que dentre outras coisas, tenha documentários sobre terraplanismo e chips chineses em vacinas. Parece muito com um momento onde a verdade é apenas mais uma possibilidade de visualizar o mundo.
No Brasil, como fornecedor de conteúdo para a Netflix de Trump, teríamos a Brasil Paralelo, uma base para alimentar a recontagem da nossa história, nosso próprio “duplipensar” que já produz estórias paralelas, mas que poderá ter um alcance bem maior, podendo difundir desde uma nova história para o que foi a brutal ditadura militar brasileira à possíveis “documentários” denunciando fraudes eleitorais e análises de cenários futuros onde a economia “naufraga” em decorrência da eleição de candidatos progressistas. Tudo criado como estórias que serão repetidas a gosto do freguês até que tornem a realidade algo difícil de ser localizado.
Ao que tudo parece, é a nova realidade que se desenha: um mundo onde tudo pode ser tornar verdade quando lançada sobre o algoritmo de qualquer plataforma.
Uma resposta
Nazismo Miliciano avança e as forças armadas da ATIVA serão culpadas por este ATO COVARDE e OPORTUNISTA .