Torcidas marcam presença em atos contra Bolsonaro

Presença marcante das torcidas de futebol nos atos contra Bolsonaro (29J) deixa claro que o amor pela bola pode andar de mãos dadas com a responsabilidade social
Torcedores do Internacional, Vasco e Corinthians unidos na manifestação contra Bolsonaro
Torcedores do Internacional, Vasco e Corinthians unidos na manifestação contra Bolsonaro

Por Artur Abramo*, de Brasília

Milhares foram às ruas em todo o país neste sábado (19) para protestar contra o governo de Jair Bolsonaro. O ato deu sequência à primeira manifestação realizada no dia 29 do último mês e contou com bandeiras de defesa à vacina, à ciência e à democracia. Entre os presentes, percebeu-se um grande contingente de pessoas com camisas de times de futebol. Aqui em Brasília, onde as equipes locais têm menos expressão, a diversidade de camisetas foi ainda maior. Centro das principais decisões políticas, a capital federal deixou claro que também reúne o amor pela bola à responsabilidade social de muitos cidadãos.

Afinal, o que os protestos espalhados pelo Brasil têm a ver com o esporte mais popular no país? “Comprei essa camisa, justamente, para usar nas manifestações. Por mostrar que há uma consciência no futebol. A gente não separa o que é o futebol, o que é a vida e o que é a política”, respondeu um corintiano, exibindo sua camisa em homenagem à Democracia Corintiana na Esplanada dos Ministérios.

Demonstrando que o planalto central abriga equipes de Norte a Sul, um torcedor do Náutico que ostentava seu uniforme alvirrubro explicou o motivo da vestimenta: “Estou aqui representando o Náutico, de Recife, na passeata contra Bolsonaro em Brasília. Acho que tudo na vida é política. Sobretudo, futebol. Futebol é povo, é democracia, é espaço, é minoria, é diversidade. Isso que o Brasil também é. Não o que estamos vivendo hoje em dia”.

Torcidas e identidades

A história mostra que o esporte pode ser uma via de expressão política fundamental para a sociedade. Tal qual a fundação de outras agremiações, a criação dos clubes conta sobre convergência de ideais e desenvolvimento de senso de pertencimento. Declarou Ian Bartholo: “Há de se analisar os clubes em sua totalidade, compreender seus princípios que agregam à luta popular. São um dos responsáveis pela diminuição da segregação”. Outro torcedor acrescentou: “Tenho mais identificação com o clube do que com qualquer outro movimento social.” É necessário, portanto, reconhecer o peso que essas instituições exercem sobre o corpo social e seus incontáveis exemplos históricos.

No Brasil, a Democracia Corintiana, movimento da década de 1980 que lutou pelo fim da Ditadura Militar, estabeleceu-se como um dos maiores marcos de participação do esporte no combate ao autoritarismo. Mais recentemente, os protestos no Chile contra o governo de Piñera, liderados pelas “barras bravas” (tipo de torcida organizada popular na América Latina) também compõem este cenário. Além disso, a massiva adesão de jogadores, treinadores e outros do meio desportivo à campanha Black Lives Matter -em ligas com tamanho poderio financeiro, como a NBA- reafirma que o posicionamento político em todos os esportes é, não apenas possível, como extremamente necessário.

“Eu uso essa camisa da Democracia Corintiana, porque é um movimento histórico muito forte do time. A tradição se forma nisto, em uma história que se perpetua. Foi um momento em que eles escolheram compartilhar o poder de escolha sobre o time. Isso é um exemplo que, infelizmente, não teve continuidade. Mas o importante é pegar essa representação, essa forma de pensar. Trazer forças da coletividade e mostrar que isso pode entrar no esporte também”, afirmou o corintiano Ewerton.

Algumas torcidas organizadas e núcleos antifascistas compareceram em peso nas diversas capitais. Falar desses coletivos passa por entender o motivo de sua formação e de suas contradições nos setores da sociedade. Órgãos de segurança, grande imprensa e, até mesmo, os próprios clubes a quem dedicam seu amor e voz convivem, muitas vezes, em desarmonia com estes movimentos.

Fundada por torcedores com intuito de participar da política do rubro-negro, a Poder Jovem do Flamengo, foi a primeira organizada a lançar um integrante para concorrer à presidência do clube na década de 1980. Nesse sentido, a gênese dessas organizações expõe o anseio pela atuação efetiva das camadas populares nas decisões de instituições que acompanhavam a elitização do esporte.

Integrantes da Brigada Marighella, torcida antifascista do Vitória, da Bahia, também se fizeram presentes no ato desta manhã: “Estou aqui, porque se o presidente é pior que o vírus, temos que estar nas ruas para protestar. Tudo tem relação com política. Não é apenas depositar um voto de quatro em quatro anos. Está presente em todos os momentos de nossa vida e este é um excelente exemplo. Nunca antes no futebol um presidente utilizou tanto o futebol como instrumento político. É um esporte que mexe muito com o povo, nasceu com o povo. O objetivo destes novos movimentos é retomar essa ligação”.

O futebol brasileiro criou instrumentos próprios de resistência e foi precursor do aparecimento das antifas. Importante
recordar também a abertura para coletivos com agendas progressistas. O enfrentamento ao racismo, ao machismo, à homofobia e a defesa das demais pautas identitárias têm crescido nos estádios mundo afora. No Brasil, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol desempenha importante função de denúncia e desenvolvimento de consciência
racial. Dentro das torcidas, por sua vez, os grupos feministas e LGBTQ+ vem conquistando cada vez mais espaço no
esporte nacional.

“É uma paixão do povo brasileiro. Acho que é um território pouco utilizado pela esquerda, principalmente, no que tange à disputa deste espaço. Quando falamos que o futebol não é apolítico, estamos dizendo que ele escolhe lados, vide a Copa América. A Torcida Antifascista do Grêmio cumpre um papel importante de disputar esse público, para politizar esse meio e colocar algumas pautas importantes em jogo”, relatou um gremista.

O contexto do futebol durante a pandemia de Covid-19 esquentou o debate acerca da imposição do esporte profissional acima de questões de saúde pública. A realização da Copa América no Brasil provocou o agravamento deste cenário, em virtude da inversão de prioridades por parte do governo federal. Mesmo com o atraso na vacinação e a taxa de mortes numa curva ascendente assustadora, a autorização do torneio foi imediata, ignorando a iminente piora na crise sanitária. No dia em que o país contabiliza 500 mil mortos, as ruas respondem também a quem permite ou defende que a bola siga rolando pelo território nacional.

Um palmeirense relatou sua insatisfação com a competição e com a negligência de certos profissionais em relação à frágil situação do país. “O futebol tem correlação com política. Quem desacredita disso não sabe a história do país, não sabe o que aconteceu no movimento pelas Diretas Já. Hoje, estamos vendo isso na Copa América. Alguns jogadores vão a baladas clandestinas, enquanto funcionários do clube morrem de Covid-19. Meu clube começou mal em relação
ao governo, levando o presidente para receber a taça no nosso estádio. O estádio não é do presidente e o futebol muito menos.”

*Artur Abramo é estudante e redator do site Nosso Palestra.

Colaboraram com ele nessa reportagem Hugo Maia, Manuela Varanda, João Mendonça e Cecília Sidrim.

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