Terrorismo de Estado

Terrorismo de Estado é a #6 crônica da coluna literária, Café com Muriçoca.

Por Dinha

“Por mais que eu me esforce eu não consigo ver
Diferença entre os governos do passado e o que taí.
Ontem, cadáveres, formol.
Hoje, meu sonho, um sorvete carregado
em pleno sol”

GOG – Brasília Periferia

Então. É aos ataques desses coxinhas, vermes ou ratos – como vocês preferirem chamar – que eu tô nomeando de “Terrorismo de Estado”. Porque as ações violentas da PM, da Civil ou do exército brasileiro – aquele mesmo, o que disparou oitenta tiros contra uma família negra que ia a um chá de bebê – são, sim, ataques terroristas que matam gente preta e pobre indiscriminadamente.”

Salve, povo! Um bom domingo p’á nóis.

Ceis sabe que eu tinha prometido uns textos mais divertidos, ou, ao menos, mais líricos do que cínicos. Mas, por enquanto, é o que tá teno esses dias.

Hoje eu queria lembrar de uma história. Aquela, que aconteceu comigo em outubro de 2020, quando os vermes invadiram meu barraco porque eu frustrei seu ataque terrorista. Pois bem, essa história é como um sapo e, parte dele, continua bem aqui, vivo e entalado na garganta e o capítulo sobre a minha ida à corregedoria é o que menos me desce.

Então, vocês vão me desculpar por falar nisso justo no domingo, mas, esse boi, eu vou ter que cuspir.

Lembra do ano passado, quando uma dúzia de coxinha da civil invadiu a minha casa, porque me viram gravando sua postura autoritária e criminosa contra um rapaz aqui no Savério?

Pois bem. Segundo disseram eles mesmos, um colega havia sido morto em um assalto, do outro lado da cidade, e eles estavam aqui, deste lado, porque teriam pistas de que um dos assassinos havia fugido pras bandas de cá. Era por causa da morte do amigo que eles tinham armado aquele circo contra minha vizinhança.

Sei que quando eu falo em terrorismo de Estado tem gente que se pergunta que diacho de “ataque terrorista” é esse que essa Dinha tanto fala? Eu explico.

Todo mundo pensa que no Brasil a gente não costuma ter muito disso, de grupos armados matando pessoas indiscriminadamente. Mas faz de conta que vocês são gringos e acabaram de chegar. Imagina que na terra de vocês tem homem e mulher-bomba, caminhão-bomba, avião-bomba e até fenômenos naturais com efeito mate… quer dizer… bomba.

Pois então, aqui no Brasil, nóis tem também nossa cota de desilusão. A diferença, minhas queridas, é que o Terror na versão tupiniquim continua de uniforme, como se as tropas nazistas tivessem sobrevivido ao tempo, nessa estreita saída do buraco de minhoca que manteve a favela sob as miras de revólveres, sob a dor da tortura, do sequestro e das correntes escravagistas do cárcere.

O Terror, aqui na quebrada, ele usa farda, tem porte ostensivo de arma e usa óculos de uma marca barata conhecida como “Ideologia”. E eles servem pra melhor não nos enxergar.

Então. É aos ataques desses coxinhas, vermes ou ratos – como vocês preferirem chamar – que eu tô nomeando de “Terrorismo de Estado”. Porque as ações violentas da PM, da Civil ou do exército brasileiro – aquele mesmo, o que disparou oitenta tiros contra uma família negra que ia a um chá de bebê – são, sim, ataques terroristas que matam gente preta e pobre indiscriminadamente.

As ações desses parasitas no cotidiano das quebradas se caracterizam como ataques terroristas, só que perpetrados por agentes do Estado.

Mas deixa eu voltar ao assunto.

Eu queria falar mesmo é do dia em que fui à corregedoria denunciar um desses ataques que atingiu a minha vizinhança, violou a minha casa, minha dignidade, meu corpo e minha família.

No dia em que eu fui lá, acompanhada do Enrico – advogado parceiro da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, movimento do qual também faço parte como articuladora – quando a gente foi lá, uma das coxinhas, a escrivã, quis tomar as dores dos seus coleguinhas de profissão.

Daí, quando eu contei que os maníacos fardados arrombaram minha porta, entraram na minha casa e tomaram meu celular no meio da noite, me chamando de vadia, mulher de bandido e outras delicadezas do gênero. E quando eu relatei estar quase nua, porque quando o ataque começou eu já estava deitada na minha cama, a coleguinha me disse que eu, se quisesse, teria tido tempo pra vestir uma roupa.

Mano, mana, a disgramenta tava me acusando de ser culpada pelo crime dos pés-de-pato que, além de tentar se vingar da quebrada, forjando crimes e fazendo “justiça” com as próprias mãos, também violaram meu lar e colocaram minhas filhas em risco.

Eu deveria ter respondido a ela, eu deveria ter respondido, como os idiotas fazem, segundo a filosofia do Chaves (Chespirito), com uma nova pergunta: o que ELA faria se um bando de macho armado e cheirando a pinga invadisse sua residência, se ela ia se preocupar em cobrir sua nudez ou em proteger suas crias.

Eu ia perguntar a ela, eu juro. Mas o clonazepam falou mais alto na minha cuca e não me deixou.

Desculpa aí por não ser muito divertida, mas é que só agora é que tou vomitando esse sapo.


Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo,editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros "De passagem mas não a passeio" (2006) e Maria do Povo (2019), entre outros.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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