Terror Colorido: a intolerância contra LGBTs ontem e hoje

Na lógica da época, por terem medo de serem expostas, as pessoas LGBTs estariam mais suscetíveis a chantagem e a colocarem em risco a segurança do país / Imagem: Documentário "The Lavender Scare"

Texto de Ivanilda Figueiredo, professora de direito e pensamento político da UERJ, advogada, coordenadora do GT contra a intolerância da CDH/OAB-RJ, exclusivo para os Jornalistas Livres 

O terror lilás foi uma política de perseguição a homens gays e mulheres lésbicas, que proibia sua contratação pelo governo dos Estados Unidos e gerou a demissão de mais de 5 mil pessoas suspeitas de serem homossexuais, estabelecida em 1953 e revogada oficialmente apenas em 1995. Naquele período a demissão não gerava apenas a perda do emprego, a vida de muitas dessas pessoas se tornava insuportável após a exposição pública de sua homossexualidade com o afastamento de familiares e amigos. Centenas cometeram suicídio. À época, a Associação de Psiquiatria dos EUA e a Organização Mundial de Saúde (OMS) tratavam a homossexualidade como um transtorno mental. Vejam que naquele período sequer se falava em pessoas trans, pois a marginalização era tão intensa que elas sequer conseguiam tornarem-se servidoras públicas.

Conhecer essas histórias torna-se um modo de valorizar as conquistas das pessoas LGBTs nos últimos anos tanto lá quanto aqui e vai além, pois ela representa exatamente o que precisamos ter em mente hoje, Dia Mundial de Combate a LGBTfobia: (1) a data representa o dia em que a OMS deixou de considerar a homossexualidade uma doença; (2) argumentos e razões muito similares as lá usadas embasam a perseguição as pessoas LGBT no Brasil pelo atual presidente.

Fonte: O Jornal, 26 de março de 1952. Disponível na hemeroteca da Biblioteca Nacional

A ordem emitida pelo presidente Dwight D. Eisenhower previa a demissão das pessoas que praticassem perversidade sexual, mas não só, por meio dela eram investigadas todas as pessoas suspeitas de serem contrárias aos interesses nacionais (como seriam os comunistas). Na lógica da época, por terem medo de serem expostas, as pessoas LGBTs estariam mais suscetíveis a chantagem e a colocarem em risco a segurança do país. Até hoje, não foi identificado pelo FBI nenhum caso em que essa suposição se mostrou verdadeira e obviamente não eram demitidas apenas pessoas com acesso a segredos de estado, mas qualquer sob suspeita de ser homossexual.

“Não digo que todo homossexual é um subversivo e não digo que todo subversivo é um homossexual (…) mas um homem de baixa moral é uma ameaça no governo, qualquer que seja ele é, e todos estão unidos”, dizia o senador Kenneth Wherry, à época.

 

“O Brasil não pode ser o país do turismo gay, temos famílias”;” Prefiro que meu filho morra num acidente do q apareça com um bigodudo por aí”; “As minorias têm de se adequar as maiorias. As minorias se adequam ou simplesmente desaparecem” são frase ditas nos últimos anos pelo atual presidente. Ele também chegou a ir no jornal televisivo noturno de maior audiência na época de campanha com um livro sobre sexualidade em mãos, dizendo que ele havia sido distribuído pelo Ministério da Educação e ensinaria as crianças a serem homossexuais. Não só o livro nunca havia sido distribuído como também é um livro voltado a adolescentes e voltado quase exclusivamente para instruir sobre sexualidade com base numa visão heterossexual. Recentemente, a OMS também foi acusada por ele de incentivar a homossexualidade de crianças. Toda a ideia de que existe um interesse em converter crianças está por traz do pânico moral contra LGBTs que hoje se organiza contra a falsa ideia de uma tal “ideologia de gênero” e embasa projetos de lei para proibir debates sobre gênero e sexualidade nas escolas e a perseguição professores. O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional leis estaduais e municipais neste sentido, mas a ameaça não se detém.

Esse pânico moral voltado às pessoas LGBTS, infelizmente, funciona e, por isso, é tão perigoso. Estimula a violência física, fomenta a LGBTfobia no seio das famílias, legitima inúmeras expressões de discriminação e elege muitas pessoas com base na retórica de que a um inimigo a combater e o inimigo somos nós. Fomos alçados á inimigos pelos regimes fascistas do início do século XX, assim como somos hoje na Hungria e no Brasil, pois há uma base política reacionária que enxerga o potencial emancipatório de nossas lutas. Se nos atacam é porque somos relevantes. Mas nossa luta não pode ser enclausurada, para ser capaz de movimentar as estruturas ela precisa estar unida as pautas feministas, antirracistas, a favor de uma educação pública, laica e de qualidade, pelo direito à saúde e contra todas as demais formas de opressão e intolerância.

Ivanilda Figueiredo, professora de direito e pensamento político da UERJ, advogada, coordenadora do GT contra a intolerância da CDH/OAB-RJ e ativista do Movimento Unificado pela Diversidade (Mudi).

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