“A gente só quer terra”

A ocupação de terras do latifúndio de Eike Batista em Minas Gerais

 

Quando me chamaram para visitar o acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no interior de Minas Gerais, eu ainda não tinha noção do quão organizado, preciso e humano era o movimento. Dois amigos da ocupação foram nos buscar na capital e, já dentro do carro, eles guiaram a equipe dos Jornalistas Livres com educação, conscientização e bom-humor ao acampamento entre os municípios de Itatiaiuçu, Brumadinho, Itaúna, Mateus Leme, Igarapé e São Joaquim de Bicas.

Pelo caminho, Willian, um dos responsáveis pela comunicação do movimento, foi nos dando o contexto dessa ocupação e o que ela tinha de especial. Segundo ele, a ocupação faz parte de uma Jornada de Lutas do MST que ocorre em vários estados do Brasil com o lema “Corruptos Devolvam Nossas Terras”. O movimento ocupou também propriedades do coronel João Baptista Lima Filho, do ministro da Agricultura Blairo Maggi e do ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira. A propriedade a qual nos direcionávamos era de Eike Batista, condenado à prisão domiciliar por corrupção. “É uma forma de denúncia”, disse.

De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, pela lei n° 8629/93 (artigo 9º, II e seu §3º), as terras que não cumprirem com sua função social e/ou não usarem adequadamente dos recursos naturais, prezando o equilíbrio da natureza, são passíveis de desapropriação. É esse o caso das terras de Eike, que abusaram dos recursos naturais através do excesso de mineração e exploração.

Ainda no carro, Willian esclareceu: “Achamos essa área, mapeamos e vimos que acontecia degradação ambiental.” Também nos disse que o rio que banha o terreno – e poderia ajudar no abastecimento dos sem terra – não tem mais vida. “Antes era uma área apenas para exploração (…). Era terreno usado para mineração, que passou dos limites. Chegamos a ver alguns mineiros.”

O Movimento conta também com o apoio do Prefeito de São Joaquim de Bicas, Guto Resende, do DEM. Já somam-se cerca de 2.500 famílias acampadas, procurando uma alternativa à falta de terra. “A gente não sabia que ia dar tudo isso, não. Foi bem rápido”, apontou Willian.


Mais um pouco de estrada e então chegamos. Em horário de almoço. No acampamento, a comida é dividida com todos, até mesmo os de fora, paradoxalmente à posse dos terrenos brasileiros. Arroz, feijão, mandioca cozida, couve e sorriso no rosto dos que enchiam o prato. Enquanto comíamos, conhecemos Tatiana, responsável pela cozinha. Quando perguntamos o que a motivava a estar ali, os olhos encheram d’água: “sendo bem sincera, poder ajudar e ser ajudada. (…) A alegria de uma pessoa ter onde morar é a maior que eu tenho.”De barriga cheia, fomos convidados a conhecer o acampamento. Terra e mais terra e mais terra. Algumas barracas com famílias inteiras, crianças brincando. Outras ainda montavam o abrigo, com madeira nos ombros. Cheguei a ver uma plantação já crescendo em certo terreno e todos os rostos eram de ânimo pelo novo começo. Talvez cansaço, talvez medo de perder tudo de novo. Mas sempre ânimo.

 

Logo conhecemos João Machado, que estava ali apenas para plantar, trabalhar na terra e ajudar os amigos. Não tirou os óculos escuros um segundo, estava muito quente. “Minha expectativa é um terreno pra trabalhar. Todos aqui somos amigos, é um ajudando o outro.” Já Maiara e Josiel vieram para ficar, motivados pela dificuldade em pagar o aluguel da cidade e por não conseguirem se sustentar. “A gente tá aqui para cultivar e ter de onde tirar nosso sustento.” Enquanto fomos pegar água, conversamos com Luan Luciano, que veio de Ibirité: “meu pai chegou aqui ontem, construiu, belezinha. Aí semana que vem nós vamos fazer a plantação, dividir pro povo, né? É isso, é isso que nós quer fazer”, disse, fazendo uma pausa para beber água.

 

Tomamos café quentinho na casa da Luciene, que faz parte do apoio do MST no assentamento, e conhecemos Max, responsável pela organização local. “Eu faço um mapeamento geral da situação. Eu vou de casa em casa aqui olhando quem está permanecendo para unir forças com a gente, né? Tem que se enquadrar no perfil que é o de permanecer, trabalhar na terra, cultivar. A gente convive com carrapato, sol, muito frio de noite, demanda força de trabalho. Só permanece quem tem mesmo esse perfil de campo.”

Ele também explicou como funciona para as famílias morarem no acampamento: “sempre fazemos assembleias, aí nesses dias reunimos as pessoas que querem ficar, convocamos para aparecerem em dias pré-definidos e alocamos o mais rápido possível.”

Pegar a estrada para voltar para casa e a uma realidade completamente diferente foi momento de reflexão. As terras do Brasil nunca foram bem distribuídas e criou-se uma aceitação geral dos que não precisam de terra de que Reforma Agrária é bobagem, ou desonesto, como roubar de quem conquistou. Mas não é bem assim, é preciso questionar como esses grandes latifundiários conquistaram essas terras.

Uma pequena visita a um acampamento do MST e o convívio com esse povo guerreiro e esperançoso me serviu de prova de que muita gente tem muito pouco, e poucos concentram toda a riqueza. Gente como João Machado, Luciene, Maiara e Luan Luciano só quer o básico, terra para cultivar.

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS