Terra fértil é a mente da vilã

Bem-vindos e bem-vindas ao “Café com muriçoca” - espaço de compartilhamento literário dos Jornalistas Livres. O texto de hoje, "Terra fértil é a mente da vilã", é uma confissão de esquisitice da autora, que controla os próprios sonhos. Você tem consciência dos seus?

“… E no principio era trevas, no início do início/ Um cego leva uma leva. A um passo do precipício/ Não de som, nem de erva, louco de solidão/ No principio era trevas *Dandara foi Lampião” . Mente do vilão  Racionais MCs  – *no original: Malcom foi Lampião

“(…)Tenho um grito entalado na garganta. / Um grito denso, volumoso,/ Um grito ardido, de veias saltadas./ E hoje ele vai sair./ – O corpo é meu!”. O Grito. Terra Fértil – Jennyfer Nascimento


 

“Passei a sonhar com ele tentando me assassinar com aquelas unhas de lâminas afiadas e aquele humor “branco” que lhe é característico…”

Boa, gente! Como vai o domingo, nessa quase véspera de natal?

Queria confessar proceis uma coisa aqui. Pega um café.

Então… eu sou uma tipa esquisita, sabe? Em vários sentidos. Ceis já deve ter notado, pelas coisas que rabisco.

Fala aí: ceis conhece alguém que controla os próprios sonhos? Tipo naquele filme,  A origem… sou eu. Eu tenho o controle. Sabe quando você dorme e percebe que tá sonhando? Eu percebo. Muitas vezes. Principalmente quando são pesadelos.

Quando eu era criança, pesadelo era o que não me faltava, então acho que desenvolvi essa habilidade como forma de lidar com o terror. Daí, quando tou num sonho ruim, e me dou conta disso, a primeira coisa que faço é arregalar bem os olhos. Esse esforço por abrir os olhos acaba sempre me acordando.

Tem vezes, entretanto, que acontece o contrário, pois eu acordo no meio de um pesadelo, sem ter percebido que era um sonho. Tendeu? A gente acorda numa puta angústia…

Aí eu faço uma proeza: fecho os olhos, planejo um final feliz, durmo e volto pro devaneio. Eu literalmente roteirizo a continuação do enredo dos meus sonhos, volto pra ele e concretizo um final melhor. 

Isso de dominar os sonhos começou quando eu criei coragem de assistir aos filmes do Freddy Krueger, “A hora do pesadelo”, liga?

Eu já era adolescente e tinha medo de olhar pro rosto deformado dele. Além disso, eu já tinha tantos sonhos ruins, com lobisomens, “águas grávidas” – não me pergunte o que é -, mortos que vinham me puxar pra dentro de suas covas… que eu não precisava de mais um personagem me atormentando o sono.

Vocês que são cringe com certeza conhecem a história do psicopata queimado vivo que voltou pra se vingar, matando as pessoas durante seus sonhos. Meu medo maior nessa história era justamente o fato de a gente ter que dormir – e eu dormia com as galinhas, na época. Ficava muito vulnerável.

Quando finalmente criei coragem pra ver seus filmes, foi batata! Passei a sonhar com ele tentando me assassinar com aquelas unhas de lâminas afiadas e aquele humor “branco” que lhe é característico…

Pesadelo era o que não me faltava

Mano, mana… pensa numa pessoa com medo…

Eu ia dormir e sonhava com o dito cujo tentando me matar. Daí eu acordava e tinha medo de voltar a dormir. Quando eu dormia de novo, lá vinha o bichão me atacar novamente…

Até que eu raciocinei: se o Krueger pode ser derrotado nos filmes, também deve poder ser no meu sonho…

Não ri não que é sérião… 

Daí, sempre que eu tinha pesadelos com ele, eu me esforçava pra lutar em vez de fugir. Se eu acordasse no meio do sonho, voltava a dormir de propósito, só pro sonho continuar – e eles continuavam!  

No fim eu só sossegava quando derrotava o infeliz… daí eu sabia que não tinha mais perigo de pesadelo naquela noite.

Acho que eu lutei tanto que ele desistiu de me encher o saco.

E eu aprendi a lição: se quer se livrar dos pesadelos, o melhor é enfrentar o que te assusta – ou então mudar o final do sonho. Rá!

O desafio, desafio mesmo, é roteirizar meus sonhos diurnos – aqueles de quando a gente tá acordada – enfrentar os perigos da vida desperta é que tá fazendo falta agora, agorinha mesmo.

Mas eu vou passar outro café pra gente. 



Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo, editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros "De passagem mas não a passeio" (2006) e Maria do Povo (2019), entre outros.
Nas redes: @dinhamarianilda

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