A TERRA DESERTA DE DEUS ENTRE TRATORES E PRESÍDIOS

A Pequena Central Hidrelétrica (PCH) no Rio Culuene inundou a energia das terras sagradas: “O resultado da experiência com a PCH Paranatinga foi traumático para o Território Indígena do Xingu. A imensa maioria das etnias, ao se verem excluídas do processo de discussão, se mobilizaram para impedir sua construção, chegando a ocupar o canteiro de obras. Ao mesmo tempo, as lideranças que participaram das negociações com os empresários e governantes foram fortemente criticadas pelos seus próprios parentes, gerando graves desentendimentos políticos entre as etnias do TIX. Durante todo o processo de construção do Protocolo de Consulta, os índios das quatro regiões do TIX lembraram desse caso como exemplo de como a consulta não deve ocorrer.” https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/indios-do-xingu-aprovam-protocolo-de-consulta-inedito

Em 2004, a soja e seu negócio carecia urgente de energia e os campos do senhor pediam luz, trabalho, segurança e fé. Blairo Maggi, grande empresário (co-presidente do Grupo Amaggi, o maior produtor privado mundial de soja) e proprietário de latifúndios verdes e serenos como carpete, onde antes era floresta no Mato Grosso, ex-governador, senador e atual Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, fechou acordo com os povos tradicionais do Mato Grosso para a construção de PCH´s (pequenas centrais hidrelétricas) necessárias ao algodão, sorgo, milho, arroz, soja e toda necessidade de grãos ao alimento dos homens pelo mundo. A demanda só faz crescer, temos fome no mundo de Deus e seus servos.

Para a segurança ergueram-se presídios, para o trabalho compraram-se tratores, para a fé formaram-se pastores e na luz para todos apagaram-se as velas e paga-se a conta.

Onde segue o conflito de fé e utilidade? Para o agro a terra é renda, renda é trabalho e justifica os meios. Para as populações tradicionais trabalho é vida, e a vida são vínculos sociais, simbólicos e ritualísticos, que justificam toda a labuta diária dos fazeres.

Após 2004, os negócios do campo só frutificam e os pastores germinam entre as pequenas cidades.

Dados de julho de 2016 mostravam que a população carcerária de Mato Grosso chegava a 10.138 detentos para 5909 vagas. Mais alarmante é o balanço que expõe que 75,51% dessa população é parda ou negra. No tocante ao grau de instrução 63,93% vão do analfabetismo ao ensino médio incompleto. O agronegócio não foi tão fértil aos saberes dos homens, nem as igrejas os redimiram.

Em abril de 2013, a presidenta Dilma Rousseff foi interrompida várias vezes em protesto de ruralistas, num pronunciamento em Campo Grande. Ela não imaginava que entre as colheitadeiras sua pessoa não era bem vinda. Muitos não gostam de falar de direitos humanos ou valores de ambientalistas no processo de ocupação de determinada área. Povos indígenas e as garantias de seu modo de vida são entraves. Há um fino fio de seda que liga a implantação do agronegócio, a expansão dos templos e os muros das penitenciárias. Muito além das grandes cidades, onde era mato o campo mostra-se afortunado e os tempos sombrios para quem não crê nesse desenvolvimento econômico, sustentado na voracidade do capital, como panaceia sócio-político-econômica, suplantando hábitos, aniquilando rudimentos, onde o rabadão e o delegado definem o futuro entre os governos.

O massacre de Manaus expõe uma Amazônia não verde, mas negra como noite de lua nova, um sistema miserável e inconsequente, uma multidão abandonada à própria sorte, um sistema que quer desenvolver, mas não quer se envolver. O perdão dos pecados não está nos números produzidos no campo ou na astúcia do soybean king (rei da soja) como o ministro foi definido em Seul pelo grupo midiático Chosun Ilbo. Cabeças, pernas e braços, destroçados, denunciam algo sorrateiro na Amazônia.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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