Tema da Parada LGBT é causa trans e vira palco de protesto contra Temer

Por Leo Moreira Sá, especial para os Jornalistas Livres

Após 20 anos de sua criação, em 1997, a 20°Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, dá visibilidade a comunidade trans com o tema: “Lei de Identidade de Gênero. Todas as pessoas juntas contra a transfobia.” O segundo maior evento da maior cidade da América Latina – depois da Fórmula1-, nunca havia referendado a última letra da sigla LGBT, mesmo ela representando uma das populações que mais sofrem com crimes de ódio em nosso país. A RedeTrans Brasil notificou 53 assassinatos, 20 tentativas de homicídio, 4 suicídios, e 23 casos de violação de Direitos Humanos contra travestis, mulheres transexuais e homens trans apenas nos cinco primeiros meses deste ano. O marco histórico no ativismo LGBT é fruto das conquistas do movimento social de um dos segmentos de maior vulnerabilidade do Brasil.

“Foi um afunilamento decorrente da luta histórica das travestis e mulheres transexuais, e também dos homens trans que já militam há mais de 15 anos, e que recentemente se organizaram politicamente através do ABRAT (Associação Brasileira de Homens Trans) e depois o IBRAT (Instituto Brasileiro de Transmasculinidade )”, pontua Heitor Marconato, 30 anos, ativista do IBRAT.

Em 2014, a ativista transfeminista Daniela Andrade criou uma petição online que foi assinada por mais de 7 mil pessoas e, assim, conseguiu influenciar o resultado final da votação do tema da parada, que incorporou a transfobia (discriminação por identidade de gênero) no tema recorrente da homofobia (discriminação por orientação sexual) ficando: “Todos juntos contra a homolesbitransfobia”. O tema defendido pela petição de Daniela já era a Lei de Identidade de Gênero João W Nery que tramita na justiça desde 2013, e que permite a mudança do nome e do gênero nos documentos de forma definitiva.

Pela primeira vez, em 2014, a APOLGBT (Associação da Parada do orgulho LGBT) disponibilizou um carro para travestis e transexuais, mas o veículo não saindo porque teve problemas mecânicos. Em 2015, o tema foi: “Eu nasci assim. Eu cresci assim. Vou ser sempre assim, Respeitem-me” que tentava dar uma resposta ao projeto de “cura gay” defendida por fundamentalistas religiosos, mas que por outro lado, excluía radicalmente travestis e transexuais, que lutam para ter sua identidade de gênero reconhecida e seu corpo respeitado e diferente daquele com o qual nasceu.

A travesti Bruna Valin da RedeTrans Brasil esteve na reunião que definiu o tema. “Eu participei na reunião da construção do tema e defendi junto com Adriana Silva -travesti que faz parte da APOLGBT- e os homens trans presentes, a importância de se ter visibilidade positiva para as leis específicas em prol da nossa população. Depois disso, todas as reuniões foram abertas e tiveram representação de alguém de identidade trans.”

O movimento social de travestis, mulheres transexuais e homens trans se fez representar também por falas de lideranças na abertura do evento, mas infelizmente não estava presente de forma massiva na parada. Causou estranheza o “Carro da Visibilidade Trans” estar ocupado, em sua grande maioria, por pessoas cisgêneras e gays. Sobre isso, a mulher transexual, professora de filosofia e pré-candidata a vereadora pelo Psol, Luiza Coppieters, se posicionou:

“Essa parada não mudou muito apesar do tema, mas este posicionamento é um marco, apesar de termos algumas questões pra se discutir como a representatividade dos homens trans, e da pluralidade. É preciso investigar as causas da não-participação da nossa comunidade, do esvaziamento e, principalmente, do acesso das travestis, mulheres transexuais e homens trans aos carros.”

Luiza considera que é um momento difícil mas que o movimento deve superar, sem “rachas internos” e que os que “estão no poder hoje, na liderança do movimento lgbt, especialmente os homens gays, tem que se posicionar ao lado das travestis, mulheres transexuais e homens trans, respeitando-@s como protagonistas na reivindicações de direitos”, afirma.

“Por isso precisamos ocupar os espaços de decisão. A gente tem uma série de demandas e bandeiras em comum. A gente tem que sair às ruas, se organizar, construir um discurso, e ter a força pra lutar contra esse governo conservador que está tomando conta de todas as instituições políticas. A gente tem que ficar junto e batalhar pra ser a resistência à esse governo golpista.” concluiu Luiza.

O fato de o tema da 20° Parada do Orgulho LGBT dar visibilidade a comunidade trans agregou, apesar das dificuldades da APOLGBT em democratizar os espaços físicos para a população que se quis referendar, um valor inestimável no debate do tema da transexualidade, que ainda é desconhecido do grande público. As saídas de metrô da Avenida Paulista estavam entupidas e pessoas não paravam de chegar de todas as regiões, inclusive as periféricas de São Paulo, provando que o povo compareceu em peso na festa e se fantasiando conforme o entendimento individual de cada um com relação ao tema da transexualidade.

parada 1

Este ano, a grande festa também proporcionou um enorme protesto político. A multidão presente expressou seu descontentamento com o governo Temer e seu golpe institucional. Nos primeiros dias de seu governo ilegítimo, Temer tomou decisões que afetam diretamente as populações socialmente vulneráveis, como a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, reduzido a uma secretaria subordinada à pasta da Justiça. Em seguida, fundamentalistas religiosos protocolaram um PDC (Pedido de Decreto Legislativo ) com o objetivo de anular o decreto que a presidenta Dilma assinou antes de ser afastada, reconhecendo a população de travestis e transexuais com o estabelecimento do nome social em todas as autarquias federais do país.

“Graças ao nome social, na minha universidade eu sou respeitado. Já no meu trabalho no Centro Cultural foi muito difícil, porque o meu nome só foi colocado no meu crachá depois de sete meses. Agora eles vem dizendo que não vão permitir que a gente use o nome social. Isso é um retrocesso que nós não podemos deixar acontecer. Nome social é um Direito”, desabafou o trans homem carioca Bernardo de Assis.

Homens trans, principalmente ativistas do IBRAT, se reuniram no chão atrás do “Carro da visibilidade trans”, que cedeu apenas 6 pulseiras de acesso para esse segmento. Foi aberto uma faixa em protesto ao governo Temer onde se via um mapa do Brasil LGBT e uma bandeira trans sendo cortada por uma tesoura escrita “golpe”. Depois disso os homens trans se dispersaram.

O segmento de homens trans, dentro da comunidade de travestis e transexuais, é o mais invisível, com muitas dificuldades para lutar em espaços públicos. Depois da criação do IBRAT, em 2013, com núcleos em todos as cinco regiões do país, essa realidade vem aos poucos sendo mudada. Com o primeiro Encontro Nacional de Homens Trans, em 2015, onde o IBRAT conseguiu a marca histórica de 116 homens trans reunidos, houve uma aceleração nas articulações nacionais. Já haviam alguns protagonismo importantes de alguns militantes desde a década passada, mas o ativismo organizado das Transmasculinidades é relativamente jovem.

Censura no Facebook

Uma foto postada na página dos Jornalistas Livres, do homem trans Heitor Marconato, que não se submeteu a nenhuma cirurgia e estava sem camisa mostrando os seios, provocou a indignação e repulsa de usuários transfóbicos, que não só postaram comentários de ódio como denunciaram o post. O Facebook excluiu a foto numa censura fora de propósito, porque outras fotos de pessoas cisgêneras nuas não provocaram nenhuma reação.

Heitor tem barba e bigode e ressignificou o seu corpo culturalmente designado como de “mulher”, para transmasculino. A denúncia de internautas transfóbicos seguido da censura do Facebook, se baseia na noção binarista que nos obriga a ter a identidade corpórea que a cultura designou para o sexo que nascemos. As pessoas não conseguem conviver com a ruptura que o corpo de uma travesti, mulher transexual ou homem trans traz em sua nova equalização, principalmente se ela mistura os elementos contrários . Sobre essa questão, a mulher transexual, atriz e jornalista livre Wallace Ruy declarou:

“Viver a transgeneridade pode resultar numa vivência de isolamentos, mas é importante que nos mostremos, pois estamos viv@s e carregamos a herança de histórias em nosso próprio corpo, -abjeto, marginal, vulgo(ar)-; reinventando novas e outras maneiras do ser humano, não nos negando grandes oportunidades e possibilidades, pois a criatividade humana é inesgotável. Ser quem se é, é um ato de coragem e sabedoria, e o mundo carece de observar, testemunhar e ouvir. A revolução pela liberdade é urgente, é para já, é A-G-O-R-A.”

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Lixo, lixo, lixo. Esquerda de merda que esse país tem. Nada se faz eficiente e eficaz e a população que trabalha todos os dias fica em meio a essa grande palhaçada.

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