Supremo Tribunal Federal suspende flexibilização de compra de armas e munições

Mais de 30 atos normativos foram publicados pelo governo federal nos últimos três anos flexibilizando compra de armas e munições. Como resultado, a compra de armas no Brasil aumentou mais de 3200% e o número de licenças de armas de fogo quadruplicou

Nesta terça (20), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria pela suspensão da liberação irrestrita de amplo acesso à grandes quantidades de munições e armas de uso restrito, incluindo fuzis. Na mesma decisão, a flexibilização do requisito de efetiva necessidade para aquisição de armas de fogo também foi suspensa. A decisão relaciona-se à três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI): ADI 6119, ADI 6139 e ADI 6466. Em todas, questionava-se a flexibilização da compra de armas e munições e das licenças de porte de armas de fogo.

Entre 2018 e 2022 o número de licenças para armas de fogo subiu 473%, passando de 117.4767 (2018) para 973.818 (1.junho.2022) – segundo dados do o Atlas da Violência de 2021 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ). Os registros de armas feitos juntos à Polícia Federal passaram de 51.027 em 2018 para 204.314 em 2021.

CACs

Atualmente, mais de um milhão de armas estão nas mãos de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), quase o triplo de armas registradas em 2019. E o número de registro de CACs (673 mil) supera o número de policiais militares na ativa e integrantes das Forças Armadas de todo o país, segundo dados obtidos pelos Institutos Igarapé e Sou da Paz.

Bolsonaro é favorável a que a população se arme. Foi bandeira de sua campanha eleitoral em 2017 e continua sendo bandeira de campanha em 2022. “Todo mundo tem que comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse em agosto de 2021. Em seu governo mais de 30 decretos e atos normativos a favor das armas foram publicados.

As ações tramitavam desde 2019. O seu relator foi o Ministro Edson Fachin. No decorrer dos processos, três ministros pediram vistas: Rosa Weber – atual presidente do STF, Alexandre de Moraes e, por último Kaio Marques – que estava com todas as ADIs, bem como ainda está o processo da ADPF 586. A cada pedido de vistas os processos foram suspensos.

Aumento da violência e população armada

Com o agravamento da situação de violência no país, os autores das ações (Partido Socialista Brasileiro e Partido dos Trabalhadores) solicitaram que liminares fosse concedidas monocraticamente sobre o tema até o plenário analisasse o processo.

O ministro Edson Fachin, relator das ADI decidiu em agosto de 2022 pela suspensão de trechos dos decretos e solicitou que o pleno do STF as julgasse. As ADI 6119, 6139, 6466 foram julgados no plenário virtual do STF ontem a noite, quando formou-se maioria em favor dos requerentes. A decisão referenda as liminares concedidas há um mês, por meio de decisão do Ministro Fachin, que suspenderam trechos dos Decretos Presidenciais que regulamentam o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) e flexibilizam compra e porte de armas. Com a decisão “posse de arma de fogo só pode ser autorizada às pessoas que demonstrem concretamente a efetiva necessidade, por razões profissionais ou pessoais”. A compra de armas de fogo de uso restrito “só deve ser autorizada no interesse da segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal”. E os limites de aquisição de munições “devem se limitar aos que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos.”

Entenda o caso

Em 2018, Bolsonaro fez campanha defendendo que a população pudesse se armar. A partir de 2019 mais de 30 decretos e atos normativos foram publicados pelo Governo Federal flexibilizando as regras de acesso à armas, munições e licenças de porte de armas. Bem como desestruturando as ferramentas de controle público de acesso e circulação de armamento. As ADI estavam em julgamento desde 2019.

ADI 6119. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6119 foi protocolada 11 de abril de 2019 no STF em contra dispositivos da Lei 10.826/2003 e do Decreto 9.685/2019, que permitia possa de arma para residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, de mais de dez homicídios por cem mil habitantes em 2016 – conforme dados do Atlas de violência 2019. Na ADI o Partido Socialista Brasileiro (PSB) solicitava que a posse de armas fosse autorizada apenas “às pessoas que demonstrem concretamente, por razões profissionais ou pessoais, possuírem efetiva necessidade”. Argumentando contra a liberação autorizada pelo Decreto, o PSB destacava que ao contrário do que o governo federal justificava – que a posse de armas reduziria a violência-, os dados científicos demonstram que “generalizar a posse de armas de fogo aumenta a violência, não o contrário”.

Os Institutos Igarapé, Sou da Paz e Alana entraram como Amicus Curie do PSB na ADI. Defendendo a liberação, em favor da posição do governo federal estiveram como amicus curie a Associação dos Oficiais da Reserva do Exército Brasileiro (AOREB), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), a Associação Nacional Movimento Pró Armas, Confederação Brasileira de Tiro Prático (CBTP). Para ver a tramitação da ADI 6119 clique aqui

ADI 6139. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6139 foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 16 de maio de 2019. Nela, o PSB contesta o Decreto 9785/2019 a partir de dois enfoques. O primeiro argumento foi que a norma tinha vício formal na medida em que foi publicada sem que todas as áreas afetadas emitissem parecer de seu impacto (violação ao princípio do devido procedimento de elaboração normativa). O segundo argumento foi que a extensão do porte de arma para diversas categorias profissionais violava os princípios do direito à vida e da proporcionalidade.

Para o PSB, ao invés de promover a execução do Estado do Desarmamento (Lei 10.826/2003), o decreto tinha o propósito de ampliar a posse e o porte de armas. Ao generalizar o porte de armas, o decreto contraria o dever constitucional dirigido ao legislador e à administração pública de efetuar esse controle. Foram amicus curie junto à ADI, apoiando o PSB o Instituto Alana, a Associação Direitos Humanos em Rede – Conectas Direitos Humanos, o Instituto Igarapé, o Instituto Sou da Paz e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Para acompanhar a tramitação da ADI 139 clique aqui.

ADI 6466. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6466 foi protocolada no STF em 19 de julho de 2020. Ela questiona a ampliação de disponibilização de munição permitida por arma de fogo registrada no Brasil, que passam de 200 a 600 por ano para 550 a 650 munições mensais. Essa alteração se deu por meio do Decreto 10.030/2019, que alterou os Decretos 9.845/2019 e 9.847/2019, e da Portaria Interministerial 1.634/2020 dos Ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública.

O Partido dos Trabalhadores (PT) em sua petição inicial chamou atenção para que o crime organizado e as milícias poderiam passar a “se abastecer de artefatos bélicos adquiridos regularmente por pessoas registradas”, alimentando redes de tráfico de drogas e outros crimes. As normas ampliaram em até 3.200% o acesso a munições. Para o partido, conceder maior acesso a armas de fogo não significa um aumento do controle dos índices de criminalidade. “De igual forma, não representa uma maior segurança do cidadão armado”, argumenta. Para acompanhar a tramitação da ADI 6466 clique aqui.

ADPF 586. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 586 foi apresentada em 22 de maio de 2019, pela Rede Sustentabilidade. Nela o Decreto 9.797/2019, que alterou pontos do Decreto 9.785/2019, é questionado.

A ADPF 586 considera que com o Decreto 9.7972019, o governo pretende burlar as limitações de acesso às armas contidas no Estatuto do Desarmamento sem a anuência do Congresso Nacional. O partido utilizou os mesmos fundamentos jurídicos contidos na ADPF 581 com objetivo de que seja declarada a inconstitucionalidade do Decreto 9.797/2019. A ação foi distribuída, por prevenção, para a ministra Rosa Weber.

O julgamento da ADPF 586 encontra-se suspenso desde o pedido de vistas do Ministro Kaio Marques em 17 de setembro de 2021. A ministra Rosa Weber é a relatora. Para acompanhar a tramitação da ADPF 586 clique aqui.

Para ler sobre o Programa de Armas de Fogo no Brasil, clique aqui

POSTS RELACIONADOS