Supremo decide se a Terra Indígena Ponta Grande poderá receber água e energia

Hoje (8 março), o Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir o julgamento do recurso da decisão que proíbe construções e implementação da políticas públicas no Território Indígena de Ponta Grande, no extremo sul baiano.

A decisão que está sendo questionada foi proferida monocraticamente pelo Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Carlos Brandão na apelação nº 0002966-22.2006.4.01.3310. Nela, Brandão proibiu que políticas públicas sejam realizadas no TI Ponta Grande. Ele “tomou a decisão a pedido do fazendeiro que quer tirar os Pataxó da área”, comenta Doutora Lethicia Reis – assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Leste. Como resultado, os indígenas estão sem acesso á água e energia. O CIMI recorreu junto ao STF, em abril de 2021. O Ministro Relator Nunes Marques manteve a decisão do TRF-1. O CIMI apresentou agravo. E ele esse agravo que está em julgamento.

A votação acontece por meio do plenário virtual da 2ª turma do STF e está empatada. “Já tem quatro votos. Os dois ministros indicados pelo presidente Bolsonaro que votaram pela manutenção da decisão do TRF-1. E os outros dois ministros, que é Fachin e Lewandowiski que votou a favor da gente. (Esperamos que) o Ministro Gilmar Mendes mantenha essa mesma linha de pensamento: de derrubar essa decisão que proibe água e energia dentro do Território Ponta Grande”, comenta João Payayá. O ministro Gilmar Mendes deve votar até às 23h59 de hoje. “A preocupação aqui no Território Ponta Grande é imensa em relação à essa votação”, continua Payayá que é uma das lideranças da Aldeia Novos Guerreiros.

“A gente já esperava o voto negativo do Nunes Marques, que foi quem negou nosso pedido e deu razão a todo esse recurso. Mas o Andrea Mendonça acompanhou o Nunes Marques. Então teve a negativa ao direito Pataxó”, comenta a doutora Lethicia Reis que acompanha o caso.

Este é “o único processo do Brasil que trata de matéria indígena no Supremo e que o próprio Supremo deslegitima ou diminui as decisões do processo de repercussão geral, do tema 1031″, explica a doutora Lethicia.

Para Emerson Pataxó,secretário da Associação da Associação de Jovens Indígenas Pataxó (AJIP), o Território Indígena Ponta Grande é “hoje o Território mais ameaçado juridicamente do Estado da Bahia”.

Para João Payayá a decisão que está em questão (do TRF – 1): “é uma decisão desumana. É uma decisão que só poderia partir de quem não compreende o quão densa é uma luta de uma comunidade indígena num território indígena pela sobrevivência, pela subsistência.”

Foto: Aldeia Novos Guerreiros (crédito Thyara Pataxó)

“Nós vivemos uma situação de calamidade extrema”

“A gente tem uma esperança de que isso seja resolvido imediatamente, porque dentro do Território Ponta Grande, nós vivemos uma situação de calamidade extrema”, fala Emerson Pataxó. Ele continua explicando que “as famílias aqui não têm acesso à energia, não têm acesso à água potável. Essas comunidades, algumas delas, inclusive, as pessoas têm que se deslocar por quilomêtros fora de sua aldeia para buscar água.

Foto: Jovem cozinhando –Crédito Hanayara Pataxó

E conclui reforçando a importância de que “o Supremo dê aqui o norte da situação, que resolva isso imediatamente e que garanta o acesso ás políticas públicas. “

A preocupação com o resultado do julgamento motivou os líderes Indígenas, cacica Kátia Tupinambá e Cacique Ailton Pataxó, a irem hoje ao Supremo. A pedido das lideranças do TI Ponta Grande, eles foram atendidos pelo gabinete do Ministro Gilmar Mendes e falaram da gravidade da situação, da importância dessa terra e sua situação precária.

No dia internacional da mulher, o apoio da cacica Kátia Tupinambá a essa luta é destacado. A cacica é conhecida defensora de Direitos Humanos dos Territórios Indígenas da Bahia. Devido a sua intensa luta pelos direitos dos povos originários e seus direitos, Kátia sofre frequentes e graves ameaças e por isso encontra-se incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH).

O que está em julgamento?

É o agravo apresentado diante da decisão liminar negativa do Ministro Nunes em relação ao pedido do CIMI de suspensão da decisão do TRF -1. Dra Lethicia comenta que houve o entendimento dos defensores que “ele (Ministro Nunes Marques) não devia ter tomado essa decisão, que ele estava errado. E continua, “ele (Nunes Marques) também estava descumprindo uma decisão já consolidada no Supremo, inclusive no Supremo uma outra reclamação que também trata da TI Ponta Grande que tinha sido julgada pelo Gilmar Mendes a favor dos Pataxó um tempo antes.”

“Ele (Nunes Marques)” também estava descumprindo uma decisão já consolidada no Supremo”

O Agravo é um tipo de recurso processual. Nele, a parte do processo pode recorrer ao Pleno da Turma do Supremo Tribunal Federal, sobre determinada decisão monocrática apresentada.

Dra Lethicia Reis explica que “essa decisão não poderia ter sido tomada, porque no final de maio de 2020 o Supremo determinou que todos os processos judiciais relativos à posse e direitos territoriais indígenas deveriam ser suspensos até que fosse julgado o processo de repercussão geral, o caso Xokleng, onde se discutido essa questão do marco temporal, ou até que a pandemia acabe. O que for por primeiro. Lethicia completa, “nenhuma dessas opções aconteceu até agora. E muito menos em 2020, em outubro de 2020.” Ela conta que a reclamação foi apresentada “para reclamar de que um desembargador estava desobedecendo a ordem deles (STF)”.

A reclamação caiu para a relatoria do Ministro Nunes Marques, que na época era o único indicado pelo Bolsonaro e ele negou a reclamação do CIMI. “Em outras palavras, ele disse que tudo bem, o desembargador desobedeceu o Supremo porque ele não determinou uma reintegração de posse. Ele só determinou a parada dessas políticas públicas“, explica Lethicia Reis.

A decisão do Fachin (…) fala para suspender os processos complementamente”

Mas a decisão do Fachin não fala para não determinar a reintegração de posse. Fala para suspender os processos completamente. Então nada poderia acontecer, continua Dra Lethicia. “E mesmo assim Carlos Brandão manteve o processo em curso”, continua. O CIMI pediu uma liminar para que o ministro relator já determinasse de oficio a suspensão do processo em respeito à decisão do Fachin no processo de repercussão geral. Mas o Ministro Nunes Marques negou.

A gente passou a ter então, o único processo do Brasil que trata de matéria indígena no Supremo e que o próprio Supremo deslegitima ou diminui as decisões do processo de repercussão geral.

Entenda a situação

1. A Terra Indígena Ponta Grande é composta por seis aldeias na divisa entre os municípios de Porto Seguro e Santa Cruz de Cabrália/BA. Nela vivem 1.200 pessoas. Os Pataxós declaram que sempre utilizaram esse território para fins de passagem e colheita. Em 2006 foram constituídas as aldeias Nova Coroa e Itapororoca num processo de retomada. A Aldeia Novos Guerreiros, foco atual da disputa, iniciou o processo de retomada do território em 2013.

2. Há processo demarcatório regular em curso, com Grupo de trabalho constituído pela presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), por meio da Portaria nº 750/PRES publicada no Diário Oficial da União de 04/08/2017. O objetivo do GT é realizar estudos necessários à identificação e delimitação da Terra Indígena Ponta Grande.

Imagem: print do Diário Oficial da União com a criação do Grupo Técnico para demarcar o TI

3. O GT está em processo de produção de laudo antropológico com objetivo de delimitar e comprovar a posse tradicional indígena. Já há relatório técnico da Funai apontando presença dos indígenas no lugar do imóvel há tempos. Segundo o relatório, os indígenas utilizam área para reprodução física, acesso às praias, coletas de alimentos e matéria prima para artesanato. Apesar do prazo de 180 dias para a conclusão dos estudos, passados quase 5 anos, a regularização fundiária ainda não ocorreu.

A informação nº 22/2020 da FUNAI registra que “as referências apresentadas pelos índios dão conta do uso ancestral da região como local de coleta e passagem para suas atividades de pesca”. A situação já teve repercussão internacional veja em TeleSur TV

A área em disputa

Aldeia Novos Guerreiros – Crédito Foto: Thyara Pataxó

3. A área em disputa está ocupada por 24 famílias Pataxó da Aldeia Dois Guerreiros, em espaço em que a empresa Sky Dream – Escola de Aviação ocupa parte do terreno com um aeródromo. Segundo a sra. Maria Deusa de Almeida, uma das donas da Sky Dream, o terreno onde está o aeródromo foi cedido a ela e seu esposo em comodato, pelo sr. Joaci Fonseca de Góes.

Área em disputa

O Sr. Joaci Fonseca de Góes é proprietário da Goés Cohabita Administração, Consultoria e Planejamento Ltda. (wikipedia). Bastante influente na região, foi deputado federal e tem histórico de disputa com os indígenas na região. Em 2016, entrou com reintegração de posse tb. relacionada à Fazenda Ponta Grande (processo executório nº 0002464-34.2016.4.01.3310) e que teve no mesmo juízo teve a reintegração de posse autorizada, mas em recurso ao TRF-1, teve suspensa a ação.

4. A empresa solicitou reintegração de posse da área, em 2020.

5. O juiz federal Pablo Baldivieso, de Eunápolis-BA, concedeu liminar de reintegração de posse, contra os indígenas em julho de 2020.

6. A comunidade indígena recorreu.

7. Em julho de 2020 o Conselho Nacional de Direitos Humanos emitiu oficio 2439/2020 onde manifestou preocupação ao TRF-1 em relação ao processo relacionado ao TI Ponta Grande .

7. Quase ao mesmo tempo, em 26.08.2020, a presidência da Funai emitiu oficio orientando que “casos de invasão de propriedade particular por indígenas integrados não geram atuação judicial da FUNAI em prol dos grupos invasores”. Ou seja, em casos como os do TI Ponta Grande a FUNAI não atuará.

A posição da presidência da Funai vai de encontro ao relatório técnico da equipe de campo do próprio órgão. Pode-se dizer que se alinha a uma postura/ideologia antiindigena apresentada pelo grupo político que encontra-se no governo federal.

8. No dia 31.08.2020, o juiz Baldivieso confirmou decisão de reintegração de posse em favor da Sky Dream Escola de Pilotagem contra a comunidade Pataxó da Aldeia Novos Guerreiros – Terra Indígena Ponta Grande no extremo sul da Bahia. Além disso, acolheu como assistente nos autos representante da Góes Cohabita Administração, Consultoria e Planejamento.
A nova decisão, confirma liminar expedida pelo próprio juiz Baldivieso em 20.08.2020, no âmbito da ação possessória nº 1001524-13.2020.4.01.3310.

8. A decisão em primeira instância descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

9. A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma reclamação junto ao STF em 28.08.2020.

10. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o Mupoiba entraram no processo e recorreram em segunda instância, protocolando também na última sexta-feira agravo de instrumento no TRF-1 em Brasília.

Clique aqui para ler a manifestação:

11. O CIMI apresentou recurso no STF

12. O Ministro Nunes Marques não atendeu o recurso

13. O CIMI apresentou agravo junto ao STF

Para saber mais:

URGENTE: Prefeitura de Porto Seguro derruba casas de indígenas

Pataxós fecham a BR 367 em Porto Seguro – BA

Terra em disputa: conflito fundiário contra Pataxós no Extremo Sul da Bahia reinflama neste inicio de setembro

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