Publicado originalmente em: https://www.migalhas.com.br/quentes/362160/stj-manda-deltan-dallagnol-indenizar-lula-por-denuncia-em-powerpoint
A 4ª turma do STJ determinou que Deltan Dallagnol indenize o ex-presidente Lula em razão de imputações realizadas pelo então procurador da República em entrevista coletiva na qual utilizou recursos de PowerPoint.
O julgamento foi 4 a 1. Para a maioria do colegiado, com pretexto de informar denúncia, o procurador utilizou-se de expressões e qualificações desabonadoras da honra e da imagem e não técnicas. Os ministros fixaram a condenação em R$ 75 mil mais correção monetária e juros.
Luiz Inácio Lula da Silva recorre de decisão do TJ/SP que afastou a reparação por danos morais, no valor de R$ 1 milhão, pretendida em ação indenizatória ajuizada pelo ex-presidente contra Deltan Dallagnol, em razão de imputações realizadas pelo então procurador da República em entrevista coletiva na qual utilizou recursos de PowerPoint.
A defesa alega que houve antecipação de juízo de valor sobre investigação em curso no STF, atribuindo-lhe fatos que não constavam da denúncia, no âmbito da operação Lava Jato.
Sustentação oral
Em sustentação oral, o advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin, da banca Teixeira Zanin Martins Advogados, ressaltou que o ex-procurador utilizou de recurso digital e de gráficos e setas indicando Lula ora como comandante, ora como maestro de uma organização criminosa.
“Não existia na época sequer processo. Aliás, o PowerPoint trata de crime do crime de organização criminosa, que sequer era discutido na denúncia que foi apresentada naquela oportunidade.”
Os advogados Márcio e Renata, que representam Deltan, alegaram em sustentação oral que as alegações não mereciam ser acolhidas, porque a avaliação, tanto da suficiência dos elementos probatórios, quanto da necessidade de produção de outras provas, demandaria a incursão em aspectos fáticos-probatórios dos autos, inviável pela Súmula 7.
Servidor público – Exercício das funções
Ao decidir, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, salientou que quando o agente público pratica ato em vocação para se configurar um ilícito civil, sua condição de agente de estado perde a relevância, ainda que para a prática da conduta ilícita aquele sujeito tenha, inicialmente, se utilizado de sua condição pública.
“Conforme compreendido pelo Supremo, a pretensão ressarcitória que, forçosamente, coloca o Estado no polo passivo da ação, é aquele cujo ato danoso coincide com a atribuição funcional do agente.”
Em outras palavras, o ministro explicou que, se o servidor, no exercício de suas funções, provocar dano ao particular, o ordenamento legitima o prejudicado a buscar a reparação em face do Estado, que em regresso poderá responsabilizar seu agente a caso se comprove que agiu com culpa.
Ao reverso, ressaltou o ministro, se por sua conta e risco, ultrapassa os limites de suas funções, e atuando no campo do Direito Privado, cause dano a outrem, responde por seus atos civil e diretamente ao ofendido.
Agir midiático
Salomão destacou que a controvérsia consiste em verificar se houve o agir midiático e abuso na divulgação da denúncia capaz de causar dano moral a Lula e, em nenhuma hipótese, o questionamento a respeito da denúncia em si ou os tipos penais que ela faz parte.
“Parece indispensável à solução do caso que seja examinado o alegado excesso, do ponto de vista exclusivamente técnico, a configuração do excesso no direito de informar o oferecimento da denúncia criminal a partir dos parâmetros traçados pela responsabilidade extracontratual.”
Limites
Após citar alguns estudos, o ministro destacou que “sempre que os limites socialmente aceitos forem ultrapassados, dando lugar a situações geradoras de perplexidade, espanto ou revolta, decorrentes do exercício de direito, a resposta do ornamento só pode ser uma: a repulsa ao agir abusado desarrazoável”.
No caso dos autos, Salomão verificou que na entrevista e na forma como foi conduzida – em virtude da realização da coletiva de imprensa transmitida em rede nacional, cujo pretexto seria informar denúncia – o procurador utilizou-se de expressões e qualificações desabonadoras da honra, da imagem e não técnicas.
Para o relator, a entrevista foi “inquestionavelmente desprovida de tecnicidade” e ressaltou que o próprio procurador reconheceu a infelicidade da coletiva em várias entrevistas que concedeu posteriormente.
“Não há espaço para dúvida de que todos os agentes envolvidos devem cuidar para que o procedimento não se desvie de fundamentos éticos. Todo processo, iniciando-se pelo oferecimento da denúncia, deve ementar-se pelo principio da dignidade da pessoa humana.”
É imprescindível para a eficiente custódia dos direitos fundamentais que a divulgação do oferecimento de denúncia criminal se faça de forma precisa, coerente e fundamentada, assim como a peça acusatória deve ser um espelho das investigações, destacou o ministro.
“Sua divulgação deve ser um espelho de seu estrito teor, balizada pelos fatos que a acusação imputou, sob pena de não apenas vilipendiar-se direitos subjetivos mas também desacreditar a todo sistema jurídico.”
Abuso do direito
Segundo Salomão, revela-se inadequada a conduta do procurador, evidenciando abuso do direito ao caracterizar Lula como “comandante máximo do esquema de corrupção” e “maestro da organização criminosa”, assim como ao anunciar a imputação de fatos que não constavam no objeto da denúncia.
“Portanto, se na peça de acusação não foram incluídas adjetivações atécnicas, evidente que a sua anunciação também deveria resguardar-se daquelas qualificadoras, que enviesam a notícia e a afasta da impessoalidade necessária, tirando o tom informativo e a coloca como narrativa do narrador.”
Votos
Os ministros Raul Araújo, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi seguiram o relator na fundamentação.
Ministra Isabel Gallotti divergiu por considerar que a matéria seria de ordem pública e, ainda, a ilegitimidade passiva. Para a ministra, é indiscutível que o procurador agiu no exercício de suas funções.
“Na época em que foram praticados os fatos havia uma recomendação do MP para que os procuradores prestassem contas à população de suas atividades. Havia portaria do procurador-Geral da República regulamentando essa prática. O manual de recomendação dos procuradores afirmava que as entrevistas deveriam ser concedidas quando havia muitos pedidos e para todos os meios de informação.”
Assim, a ministra considerou que a ação deve ser extinta sem exame do mérito.
Valor da condenação
No mérito, quanto ao dano moral, o ministro Salomão fixou o valor em R$ 100 mil, com juros de mora a contar do efeito danoso, que ocorreu em 2016. O ministro calculou que o valor acumularia R$ 170 mil, ou seja, 500 salários-mínimos. Raul Araújo propôs que a indenização seja de R$ 50 mil, mais correção monetária e juros.
Ao discutirem, chegaram à conclusão de R$ 75 mil, mais correção monetária e juros.