No Brasil, 18 milhões de litros de sangue deixam de ser doados por preconceito.
Muita gente não sabe, mas um homem heterossexual que tenha feito sexo sem camisinha pode doar sangue no Brasil, enquanto um homossexual, mesmo usando preservativo, fica impedido de doar pelos doze meses após a sua relação sexual.
Na última quinta-feira (19), o Supremo Tribunal Federal (STF), iniciou o julgamento da ação direta que pleiteia provar a inconstitucionalidade do artigo 64, IV, da Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e o artigo 25, XXX, d, da RDC 34/2014 da Anvisa.
A justificativa da restrição de doação de sangue por homossexuais é preventiva em combate ao HIV/AIDS, segundo os órgãos de saúde do governo federal. Para o movimento LGBT, caracterizar o risco de uma pessoa doar sangue apenas pela orientação sexual, e não pelos comportamentos concretos e precauções que toma, é estigmatizar parte da população.
Após o voto da favorável à ação do relator, ministro Edson Fachin, o julgamento foi interrompido pela presidente do Supremo, ministra Carmen Lúcia Dantas. Caberá ao STF decidir se a medida é discriminatória ou não. Serão necessários seis ministros favoráveis dos 11 que possuem cadeira no Supremo.
Portaria do Ministério da Saúde: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/abril/12/PORTARIA-GM-MS-N158-2016.pdf
A ação tenta pontuar que, não faz sentido tornar inapto homossexuais apenas pela sua orientação sexual, pois o Ministério da Saúde e a Anvisa possuem testes capazes de detectar alterações em amostras de sangue de doadores e doadoras. O sangue colhido nos hemocentros espalhados pelos país passam por essa análise antes de serem colocados nos bancos de sangue.
As normas usadas pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária foram questionadas em uma ação pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Procuradoria Geral da República (PGR) e Organizações não Governamentais (ONGs) já se pronunciaram apoiando a ação.
Para o partido, as normas questionadas vulneram os valores “mais essenciais” da Constituição, como o da dignidade, igualdade e solidariedade.
Enquanto os bancos de doação seguem vazios, em todo o Brasil, perde-se 18 milhões de litros de sangue por preconceito. No país, 1,8% da população doa sangue, número que está dentro dos parâmetros, de pelo menos 1%. A taxa, entretanto, está longe da meta da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 3% da população doadora.
De acordo com o IBGE, 101 milhões de homens vivem no país e, entre esse total, 10,5 milhões é homo ou bissexual. Em um calculo simples, levando em consideração que cada homem pode doar até quatro vezes em um ano, com a restrição dessa parcela da população, são desperdiçados 18,9 milhões de litros de sangue por ano.
Segundo levantamento da Agência Brasil, Apenas uma doação de sangue pode beneficiar até quatro pessoas. No Brasil, ao ano, cerca de 3,5 milhões de pessoas realizam transfusões de sangue. No total, existem no país 27 hemocentros e 500 serviços de coleta, porém grande parte destes bancos seguem com reservas de sangue abaixo do recomendado.
Projeto de Lei
Na câmara o debate sobre o assunto não é novo. Essa é uma das principais pautas do movimento LGBT organizado no Brasil. Na câmara, um projeto de Lei do deputado federal Jean Wyllys (PSOL) tramita desde 2016 e esbarra na má vontade política da Casa em aprovar medidas que garantam direito às populações vistas como ‘minoritárias’.
Segundo o parlamentar no PSOL, o projeto de lei tem “o objetivo de acabar com este tipo de políticas discriminatórias e ineficazes e promover a adoção de critérios plausíveis, baseados no conhecimento científico, para decretar a habilidade ou inabilidade de um cidadão exercer a tarefa altruísta de doar sangue, isentos de prejulgamentos”.
Para o deputado federal, Jean Wyllys, os critérios eleitos devem se pautar pelo nível de proteção da atividade sexual, tanto para hétero como para homossexuais. “Deve-se falar em comportamento de risco, e tal comportamento todos nós podemos ter. O rigor extremo na triagem parece um reconhecimento tácito da incapacidade técnica de o sistema de saúde de assegurar a qualidade do sangue que oferece aos receptores”, declara Jean no texto do PL 6297/2016.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2113829
Veja: https://www.youtube.com/watch?v=chIvxztHVeE
Texto: Márcio Anastácio | Jornalistas Livres