Sistema prisional no DF: bomba biológica prestes a explodir

Foto: Ministério Público / Divulgação

Até a data de ontem (19), 548 internos e 200 policiais penais foram infectados, totalizando 748 casos oficiais, segundo apurou reportagem do Metrópoles. No último domingo (17), a Papuda, maior presídio do DF, registrou a primeira morte, de um policial penal. Cerca de 3,1 mil testes foram aplicados nos presídios, segundo dados divulgados pela Secretaria de Saúde do GDF (Governo do Distrito Federal). A cada quatro testes, um dá positivo.

Superlotação

O Distrito Federal possui quase 17 mil pessoas em privação de liberdade e,  destas, 3.390 não têm condenação; há ainda um déficit de, pelo menos, 5.400 vagas. Em artigo disponível no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Camila Prando – Professora da Faculdade de Direito da UNB, afirma que mais de 15% das pessoas em privação de liberdade na Papuda estão contaminadas pela COVID-19, uma taxa 36 vezes maior que no restante do país, e 31 vezes a proporção de contaminação do Distrito Federal, segundo cálculos do Projeto Infovírus. (dados de 26.04/2020).

Familiares sem notícias 

“Não queremos impunidade, lutamos por dignidade humana; há clara substituição de privação de liberdade por pena de  (iminência) morte” (familiar de pessoa em privação de liberdade na Papuda, DF).

Desde que as medidas de isolamento social foram tomadas pelo GDF, as visitas no sistema prisional foram canceladas, e os familiares estão sem qualquer notícia sobre situação de seus parentes privados de liberdade. Nem mesmo os representantes da sociedade civil, responsáveis por fiscalizar as condições dentro dos presídios, estão podendo entrar, afirmou um familiar (que não quis se identificar) à reportagem dos Jornalistas Livres. 

Descaso: justiça nega pedido de liberação para pessoas do grupo de risco

No começo de março – antes do surgimento do primeiro caso de Covid-19 no sistema prisional do DF, a Defensoria Pública do Distrito Federal ingressou, no Tribunal de Justiça do DF,  pedido de soltura das pessoas pertencentes ao grupo de risco com comorbidades, além da  progressão de regime, determinando a soltura das pessoas, cuja progressão para o regime semiaberto e aberto estivesse próxima. 

No dia 21 de março, a Juíza titular da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, Dra. Leila Cury, decidiu isolar ainda mais as pessoas privadas de liberdade. Veja o despacho da juíza aqui

Como medida preventiva, a juíza  também determinou a suspensão das visitas nas unidades prisionais, o que criou outro problema: apesar de ser obrigação do Estado fornecer  materiais de higiene pessoal, atualmente são os familiares das pessoas presas que fazem isso e, sem acesso de familiares aos presídios, há falta de abastecimento de produtos de higiene pessoal, segundo relatório da comissão de direitos humanos. 

Apenas no dia quatro de maio, quase um mês depois do sistema prisional do DF registrar os primeiros casos de Covid-19, é que a justiça tomou providências quanto ao restabelecimento de acesso, por parte das pessoas privadas de liberdade, a itens de higiene pessoal e outras necessidades, que seriam obrigação do estado, mas que são providas pelos familiares dessas pessoas. Veja determinação da juíza Leila Cury aqui.

Mesmo após o surgimento dos primeiros casos de covid-19 em prisões do DF, e apesar de ter sido apresentado novo pedido de providências pela Defensoria Pública à Vara de Execuções Penais para liberação de pessoas pertencentes ao grupo de risco, requerendo a concessão de prisão domiciliar em caráter humanitário,  a juíza titular Leila Cury negou o pedido, afirma o relatório da CDH-DF a que tivemos acesso. 

Canal de denúncias

Para ajudar no enfrentamento da pandemia nos presídios, a CDH-DF criou um canal de atendimento ​via ​Whatsapp (61-999041681), para o recebimento das demandas da população, além de um formulário na página web da Câmara Legislativa, para o recebimento de denúncias acerca da violação de direitos no sistema carcerário do DF. 

Até o momento, foram registradas 215 denúncias. As mais comuns, dizem respeito a: 

    • insatisfação dos familiares sobre a proibição das visitas e solicitação de canal ágil de comunicação com os internos;
    • insatisfação com as condições de salubridade das unidades prisionais;
    • insatisfação com a qualidade e a quantidade de alimentação fornecidos;
    • solicitação de atendimento às pessoas com problemas crônicos e graves de saúde;
    • insatisfação com o fato de os presos que estavam no semi-aberto terem sido colocados, na prática, no regime fechado;
    • solicitação de entrega de material de limpeza;
    • solicitação de prisão domiciliar nos casos das pessoas que estão em regime semi-aberto, ou que apresentam problemas de saúde ou são idosas;
    • incomunicabilidade com as pessoas em restrição de liberdade;
    • falta de informações e disponibilização de dados, como  nomes das pessoas contaminadas;
    • mesmo após a determinação judicial, as sacolas de alimentos não estão chegando aos presos.

“as unidades superlotadas tornaram-se bombas biológicas”

A situação nos presídios do DF é grave, e tende a explodir. Em artigo publicado no Correio Braziliense, Camila Prando – professora de direito da Universidade de Brasília, afirma que as unidades prisionais do DF se tornaram verdadeiras bombas biológicas.

 “Com a suspensão das visitas dos familiares desde o dia 13 de março e, mais recentemente, dos atendimentos presenciais de advogados, as unidades superlotadas tornam-se bombas biológicas de exposição à morte, que não contam com o necessário controle social de averiguação das condições reais do sistema prisional. A isso se agrega o fato de que o juízo tenha instituído um grupo de monitoramento emergencial da Covid-19 sem que nenhuma das associações de familiares de presos esteja em sua composição, descumprindo assim o art. 14 da Recomendação do Conselho Nacional de Justiça.” (Camila Prando)

Para o deputado Fábio Félix (PSOL-DF), presidente da CDH-DF, “O DF virou a grande vergonha nacional em número de pessoas infectadas no sistema prisional”. 

“O DF virou a grande vergonha nacional em número de pessoas infectadas no sistema prisional. Quero lamentar muito a morte do policial penal Francisco Pires, no final de semana, e a morte hoje do interno Álvaro Henrique. Estamos vivendo uma situação de alerta máximo, e os familiares sequer têm tido informação sobre aqueles que estão lá dentro. O mandato continuará acionando o poder público e se articulando com a sociedade civil, familiares, Frente pelo Desencarceramento e a OAB com o intuito de garantir a comunicabilidade entre apenados e suas famílias e na busca de garantia de condições mínimas para estas pessoas que estão sob a responsabilidade do Estado. Nesse sentido, quero ressaltar o excelente trabalho que tem feito a Defensoria Pública, a quem recentemente apoiamos, via emenda parlamentar, com 120 mil reais para compra de equipamentos de videoconferência que irão garantir a comunicação dos internos com seus familiares.” (Fábio Félix)

Depoimentos de familiares de pessoas em privação de liberdade em diversas regiões do Brasil

Covid na prisões – Vidas em Risco

“o estado leva nosso filho bom para prisão e, no momento, a gente sabe que ele tá ruim de saúde”

Atualização: na tarde da última terça-feira (19), foi registrada a primeira morte de pessoa privada de liberdade no sistema prisional do DF. Um homem de 32 anos, que estava internado no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília, faleceu, vítima de Covid-19. A certidão de óbito a que tivemos acesso, diz que o homem era portador de tuberculose, HIV e neurotoxopasmose. No entanto, nossa reportagem apurou que família da vítima não foi avisada da existência de tais comorbidades. A neurotoxoplasmose é uma forma grave de toxoplasmose, doença parasitária causada pelo parasita Toxoplasma gondii, presente em fezes de gatos e alimentos contaminados por estas. Outra reportagem do Metrópoles teve acesso exclusivo a um vídeo que mostra as condições de insalubridade a que os em privação de liberdade estão submetidos, como a falta de acesso de água potável.

COMENTÁRIOS

4 respostas

  1. Os órgãos públicos não estão nem aí para os presos. Eles estão lá, vão se contaminar e contaminar os outros.

  2. Realmente a realidade do sistema carcerário é muito triste . Há uma necessidade gritante de socorro. Somente quem adentra os portões da papuda sabe como realmente é lá dentro . Paredes sujas , alimentação muitas vezes até com bicho, azeda, sem tempero . A necessidade de atenção especial nesse período de confinamento é muito grande . Não está sendo fácil para nós que estamos aqui fora , trancados dentro de casa com aparelhos que nos ligam ao mundo externo e nos distrai, imagina para todos os detentos, sejam da papuda ou do CPP, sem comunicação externa, sem tv para se distrair. Ligações só são permitidas a alguns . No CPP nem a isso têm direito . Longe dos familiares e do trabalho que os colocariam novamente inseridos na sociedade de forma digna . O semiaberto que se tornou fechado . Me preocupa a saúde mental de todos , pois a minha já não tem estado muito bem . Que Deus tenha misericórdia de todos nós e nos conceda saúde necessária para vencermos essa batalha contra um inimigo invisível .

    1. Sirlene! Força pra você e pro seu ente querido que está passando por essa provação. Estamos à disposição para ajudar a divulgar a crueldade a que estão submetidos os detentos de todo o Brasil. Não é assim que se ressocializa o ser humano. As condições carcerárias atuais só criam mais ódio e mais sofrimento. Coloco aqui o email dos Jornalistas Livres: [email protected]
      Nossa solidariedade!

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