Por Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Um dos legados que a Operação Lava Jato deixou ao país foi o trauma da “judicialização da política”, que afeta especialmente os setores da sociedade mais envolvidos com a defesa das garantias democráticas. Geralmente, pessoas mais à esquerda do espectro ideológico.
Nesse registro do trauma, entende-se por “judicialização da política” a atuação de servidores públicos, sobretudo magistrados e promotores, que usam a prerrogativa do cargo para perseguir políticos eleitos. Na prática, isso colocaria a democracia representativa em risco, na medida em que fragilizaria os eleitos, esvaziando, assim, o poder do voto popular.
A Operação Lava Jato foi acabando progressivamente entre fins de 2020 e início de 2021. Os principais líderes abandonaram o barco, alguns até saindo do serviço público para entrarem na política institucional, como foi o caso de Deltan Dallagnol e Sérgio Moro. A ofensiva comandada pelo governo Bolsonaro, em parceira com o procurador geral da República, Augusto Aras, também ajuda a explicar o fim algo melancólico da força tarefa que por cinco anos pautou a vida política brasileira, aparentando ser um colosso indestrutível.
Talvez já exista algum distanciamento que nos permita tratar a história da Lava Jato fora da perspectiva do trauma, amadurecendo a discussão sobre a tal “judicialização da política”. É isso que tento fazer aqui,
A Lava Jato, leitor e leitora, abalou as garantias jurídicas fundamentais, como os direitos de presunção de inocência, de ampla defesa, de sigilo processual, de ser julgado pelo juiz natural da causa e imparcial. Isso não é “judicialização da política”. É corrupção do sistema de justiça. São coisas completamente diferentes.
Explico.
“Judicialização da política” é formulação um tanto redundante.
Vejam bem: um dos fundamentos do Estado democrático de direito é a premissa de que todos, incluindo atores políticos, são obrigados a respeitar leis previamente elaboradas nas instâncias legislativas e reguladas pelo poder Judiciário. A política já está judicializada aí. As ações políticas devem obedecer a lei e como a lei não se faz cumprir por si só, cabem aos tribunais em suas diversas instâncias e aos magistrados fazerem o devido controle legal.
Qual é o problema?
A judicialização é premissa fundamental para o jogo político democrático.
Pensar na política sem judicialização seria o mesmo que pensar numa partida de futebol profissional que não seja regulada por árbitro. Imaginem só: os jogadores em campo sozinhos, sem árbitro, marcando pênaltis, impedimentos e faltas “na consciência”. Não funciona nem na pelada solteiros X casados, ou no “baba”, como se diz aqui na Bahia. Sempre dá briga.
O que Alexandre de Moraes está fazendo já há uns três anos na corte do STF e, agora, no comando do TSE, não tem nenhum paralelo com aquilo que Sérgio Moro fez na Operação Lava Jato. Nenhum, absolutamente nenhum.
Moro era juiz vaidoso, gozava com os holofotes, vazava informações para a imprensa, antecipava despachos em entrevistas, se associava à acusação para impedir que o réu tivesse direito à plena defesa.
Moraes é discreto, fala apenas nos autos e nos pronunciamentos oficiais. Não é caça microfone. Respeita ritos e liturgias. Sentou-se ao lado de Bolsonaro em sua posse na presidência do TSE. Tratou o presidente da República com o devido decoro e no discurso, público e transparente, disse ao país que não tolerará golpismos contra o sistema eleitoral brasileiro.
Moraes autorizou o pedido da Polícia Federal para fazer diligência contra empresários flagrados pela imprensa defendendo golpe de Estado. Foi só fanfarronice de Whatsapp ou os empresários, bilionários e com grande capacidade de organização, estão mesmo conspirando contra a ordem legal do país? A Polícia Federal dirá.
Sim, Moraes está judicializando a política, está arbitrando o jogo. Pois sem árbitro, o jogo, simplesmente, não existe. Vira guerra de todos contra todos e que vença o mais forte. Nada mais contrário à democracia que o império da força.
Aí, o leitor e a leitora de esquerda, desconfiados do “perfil ideológico de Alexandre de Moraes”, podem perguntar:
“E se em algum momento, ele se voltar contra nós?”
Bom, cada caso é um caso e já temos muitos problemas hoje para nos darmos ao luxo de anteciparmos a possibilidade de problemas futuros. Hoje, Moraes está cumprindo perfeitamente suas funções como servidor público.
Mas se você, companheiro e companheira, “em algum momento”, conspirar contra a ordem legal, achar que deve ir às ruas se manifestar politicamente com coquetel molotov na bolsa para explodir propriedade privada ou patrimônio público, terá que sofrer as sanções legais, pela mão de Moraes ou de qualquer outro que por lá esteja.
A democracia não pode, de forma alguma, tolerar terroristas, sejam eles quais forem, vindo de onde vierem.