Setecentos motivos para desejar que o filme de Taís Araújo sobre a Doutora Joana D’Arc Félix aconteça

Eis que a imprensa de Pindorama resolveu destruir a imagem positiva de Joana D’Arc Félix, Doutora em Química, titulada pela UNICAMP, uma das universidades de maior prestígio nas Américas. A mesma imprensa que se mostra delicada e covardemente parcimoniosa com homens brancos que mentem de maneira descarada sobre suas titulações, conquistas, méritos.

 

Querem exemplos? Deem-se vocês ao trabalho de procurar. Escarafunchem a vida acadêmica dos ministros deste desgoverno, de homens de mídia e do empresariado, de ministros do STF, de outros totens da meritocracia branca, como fizeram com a Doutora Joana D’Arc, uma mulher negra oriunda da pobreza.

 

De maneira óbvia, o escrutínio ao currículo de Joana D’Arc aconteceu depois que a diretora Taís Araújo resolveu transformar a trajetória vitoriosa da professora de química em filme. Ah… isso era demais, um filme sobre aquela negrinha? Não devem ter faltado possíveis colegas de trabalho, ex-colegas do doutoramento, gente branca enciumada enfim, disposta a denunciá-la à imprensa que tratou então de transformá-la em caveira de burro, em nome do “bom jornalismo”.

 

A ideia por trás da denúncia é colocar em prática uma da lições básicas da cartilha do racismo, ou seja, esvaziar o ícone negro de significação. Pega-se uma parte do todo, o pedaço trôpego, incongruente, maquiado, a seguir constroi-se uma engrenagem que o transforma no todo, naquela pessoa a ser destruída em praça pública porque errou.

 

É assim com pretas e pretos desde sempre. Lembram-se de quando Celso Pitta foi prefeito de São Paulo, um desastroso prefeito? Houve muita gente que disse: viu o que dá votar em preto? Algo similar não disseram a respeito de Fernando Collor ou não dizem do clã Bolsonaro. Ninguém atribui os desmandos, ignorância, desonestidade, articulação com milícias, manifestos pelos membros do clã, ao fato de serem brancos. Mais do que artifícios, estamos diante de ferramentas eficientes do racismo estrutural para perpetuar lugares de subalternidade (intelectual, nesse caso) para pessoas negras.

 

Como aqui por essas plagas ainda entendemos pouco sobre a operacionalidade do racismo, comemos o reggae da imprensa branca e sua necessidade de construção de judas para serem malhados enquanto a vida acontece à nossa revelia, e não comparamos, por exemplo, o tempo de permanência de um judas branco e de um judas negro no noticiário. É notório que a mídia tem os judas de maior e menor predileção e a execração de pretos dá ibope, é agente potencializador de longevidade da notícia.

 

Insuflar judas pretos e pretas é de lei. Fazê-lo de maneira vil e cruel se faz adequado todas as vezes que a população negra ameaçar agir como povo. Todas as vezes em que insinuar um olhar de dentro para sua própria história e o consequente destaque daquilo que julgue apropriado e potente para formar juízos de valor sobre os seus e, principalmente, para inspirar os mais novos.

 

O fantasma do Haiti de 1804 atormenta o imaginário da casa grande até hoje. Por isso transformaram o Haiti nesse espectro de miséria que vemos ao longo da História, para punir os revoltosos e para intimidar outros insurgentes que busquem a liberdade.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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