SER MULHER: O direito ao descanso (“Torna-se”)

Segundo a lenda, até o Deus homem descansou ao sétimo dia …

Nós não podemos descansar nunca?

Cansadas!

As mulheres estão cansadas.

Cansadas de um sistema político que não as escuta, ainda que as normas e políticas versem sobre seu corpo, seus direitos, suas vidas.

Cansadas de não estar lá onde se fazem as leis, onde se tomam as decisões, onde se julgam os casos.

Cansadas do sistema doméstico que as escraviza, que joga sobre seus ombros a responsabilidade de manter tudo limpo, todos alimentados, as contas em dia. Acorda mais cedo que todos, dorme mais tarde, quando, ao final da noite, está tudo na mais perfeita ordem.

Cansadas de ser obrigadas a serem mães, ainda que escolham não ser. Cansadas de tentarem nos fazer menos mulheres por essa escolha.

Cansadas da negativa da paternidade, do abandono, de vê-los sorrindo nas fotos do aniversário, como se se fizessem presentes tanto quanto somos. Cansadas de ser “ajudadas”.

Cansadas de assumir a maternidade e todos os seus efeitos sobre o corpo, sobre o tempo, sobre os ganhos, sobre as culpas, em um sistema que não co-responsabiliza a criação dos filhos.

Cansadas dos “cadês?” pela preguiça da procura. Estamos cansadas de procurar.

Cansadas de ter que pedir pensão para nossos filhos se alimentarem e estudarem. Cansadas de que o dinheiro não seja voluntário, fruto do despertar para a responsabilidade.

Cansadas do “fecha as pernas”, do “porque seu irmão é homem”, do “isso não é hora de mulher estar na rua sozinha”.

Cansadas dos “vadia”, “vaca”, “piranha”, “vagabunda”…

Cansadas de termos que provar que somos excelentes, mesmo cercadas de homens medíocres e razoáveis.

Cansadas de nos sentirmos impostoras, pelas interrupções, pela apropriação indevida de nossas ideias sem os devidos créditos.

Cansadas de ganhar menos pelo desempenho das mesmas funções, com igual produtividade e perfeição técnica, de termos invisibilizadas nossas boas ideias, de ter que falar mais alto para sermos ouvidas. Estamos cansadas de perceber que estão fingindo que não estão nos vendo.

Cansadas do assédio, do sexo sem vontade, dos abusos, das violências de toda ordem, físicas, psicológicas, simbólicas.

Cansadas dos estupros justificados por roupas e comportamentos. Cansadas de crimes “passionais”. Cansadas de andarmos sozinhas com medo.

Cansadas de termos que nos mostrar fortes a todo o momento.

Cansadas do menosprezo intelectual, artístico, literário, físico, social e familiar.

Cansadas de ter que pedir pra votar, para dirigir, para sair, para trabalhar, para divorciar, para abortar, para existir.

Cansadas de termos que nos justificar quando fazemos o que nos dá vontade, seja transar no primeiro encontro, seja amar outra mulher, seja separar, seja deixar os filos com alguém para poder relaxar um pouco.

Cansadas de termos que lutar tanto, nos escorçarmos além da conta, de ter que matar tantos leões por dia.

Cansadas de termos que lutar muito mais para conquistarmos as mesmas coisas.

Cansadas de ouvir desaforos, xingamentos ou palavras duras de homens que não tem coragem de serem tão homens quando falam com outros homens.

Cansadas de ser xingadas no trânsito, cansadas das violências praticadas contra nós pelo simples fato de sermos mulher.

Cansadas das falsas rosas que nos entregam no dia 8 de março e de todos os espinhos que nos dedicam todos os outros dias do ano.

Canadas de sermos iludidas, traídas, de ter que saber esperar, do “estou me separando”, do “eu volto pra te buscar”.

Cansadas de segurar os erros do mundo nos serem atribuídos, desde a mordida do “fruto proibido” do conhecimento.

Cansadas… muito cansadas.

Não vou mais defender todos os direitos que penso que as mulheres deveriam ter.

Defenderei apenas um direito: o direito ao descanso, sagrado, como visto na primeira linha do texto.

Por favor, nos deixem descansar em paz…

Estão nos querendo mortas?

Deem-nos o direito ao descanso ou deixem-nos descansar em paz.

 

 

*Bárbara Natália Lages Lobo – Mulher, mãe de dois filhos, professora, doutoranda em Direito Público. 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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