Se eu morrer digam meu nome

Filme da Agência Farpa denuncia a situação da pandemia nas prisões
Farpa. Se eu morrer digam meu nome6

Compartilhem para que essas vozes sejam ouvidas! “Se eu morrer digam meu nome.”

No momento em que o Brasil passa do marco de 300.000 mortes por Covid-19, a Agência Farpa lança um curta-metragem documental sobre os efeitos da pandemia no sistema prisional.

Essa semana, a ex-apresentadora Xuxa, em fala execrável, racista e contra os direitos humanos, disse:

“Acho que, com remédios e outras coisas, eu tenho um pensamento que pode parecer muito ruim para as pessoas, desumano… Na minha opinião, existem muitas pessoas que fizeram muitas coisas erradas e estão aí pagando seus erros para sempre em prisões, que poderiam ajudar nesses casos aí, de pessoas para experimentos““Acho que pelo menos serviriam para alguma coisa antes de morrer, para ajudar a salvar vidas com remédios e com tudo. Aí vem o pessoal dos Direitos Humanos e dizer que não podem ser usados. Mas se são pessoas que está provado que irão passar sessenta, cinquenta anos na cadeia e que irão morrer lá, acho que poderiam usar ao menos um pouco da vidas delas para ajudar outras pessoas. Provando remédios, vacinas, provando tudo nessas pessoas”.

Essa argumentação hedionda mostra como a sociedade encara o sistema prisional, dentro de um pensamento racista institucional e social. O antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares fala sobre a pátria encarceradora:

“A receita do fracasso está aí desvendada: proíba a polícia que está nas ruas, a mais numerosa, de investigar; cobre-lhe produtividade; identifique eficiência com prisões, as quais terão de ser feitas, portanto, exclusivamente em flagrante; ofereça-lhe a lei de drogas como filtro seletivo e açoite; junte esses ingredientes e os leve ao fogo brando da inépcia política; salpique omissão das demais instituições que compõem o campo da Justiça criminal; polvilhe autorização tácita da sociedade; bata a gosto – ninguém está olhando, e a sede de vingança dá o tom nos programas demagógicos de TV. Pronto, está aí o quadro dantesco da insegurança brasileira, invertendo prioridades e sacrificando a vida, que, afinal, é dos outros. O racismo rege esta máquina selvagem que criminaliza a pobreza. E quando novos crimes escandalizam, o populismo penal clama por elevação das penas para que se faça mais do mesmo, com mais força, esperando resultados diferentes. Seria patético não fosse trágico. Brasil, pátria encarceradora.”

Um artigo na Conjur – revista eletrônica Consultor Jurídico, já durante a pandemia, atesta:

“O Brasil possui déficit de cerca de 303 mil vagas, acarretando em 171,62% de taxa de ocupação no Sistema Penitenciário, o que impossibilita que condições mínimas de saúde sejam asseguradas às pessoas privadas de liberdade – em condições “normais” -, já que não há assistência médica, ventilação adequada, acesso à água para a realização da limpeza pessoal e dos espaços, distribuição de itens básicos de higiene, suporte de medicamentos e alimentação nutricional adequada.”

Faz-se necessário e urgente contar e denunciar o que está acontecendo. Para produzir o filme “Se eu morrer digam meu nome”, a equipe viajou por 3 estados e recolheu uma série de entrevistas de pessoas em privação de liberdade, familiares e amigos, assim como, de agentes penitenciários. Até o momento da publicação deste vídeo, segundo o DEPEN, foram contabilizados 71.342 ocorrências de Covid-19.

Segundo o último relatório do CNJ, entre servidores e pessoas em privação de liberdade, 334 pessoas morreram. Os efeitos da pandemia agravaram as violações de direitos humanos no sistema penitenciário. A violência e a morte, que sempre foram parte do cotidiano carcerário, se tornaram ainda mais comuns. Rebeliões e protestos motivadas pela falta de visitas e de entregas de bens pessoais foram vistas em todas as regiões do país.

O filme “Se eu morrer digam meu nome foi realizado entre agosto de 2020 e março de 2021. Assista aqui o filme.

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Por dentro de “Se eu morrer digam meu nome”

Francisco Proner

Esta série de fotos foi realizada em 3 estados diferentes durante a filmagem do documentário “Se eu morrer digam meu nome”.

É importante registrar que a violência e a morte sempre fizeram parte do cotidiano do sistema prisional. A chegada da pandemia dentro do sistema, segundo entrevistas que registramos, somente agravou a quantidade de violações de direitos humanos. Apesar de familiares e amigos de pessoas privadas de liberdade protestando em todos os estados do país, e mortes em diversas rebeliões motivadas pela pandemia, a crise passou praticamente invisível por parte dos maiores veículos de imprensa.

Segundo o DEPEN, foram contabilizados 71.342 ocorrências de Covid-19. Segundo o último relatório do CNJ entre servidores e pessoas em privação de liberdade 334 pessoas morreram.

Agradeço o companheirismo do @erickdau e @thiagodezan e de todos que possibilitaram a nossa entrada neste momento tão difícil.

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Thiago Dezan

O Farpa surgiu como uma maneira de produzir conteúdos relevantes sem que estivessemos sendo pautados por algum meio ou por alguém para realizá-los. Por que nem sempre nossas preocupações e desejos viram um ‘pitch’ noticioso ou que possa ser realizado na velocidade que os meios geralmente demandam.

Digo isso pois pra mim esse filme é um fruto dessa linha de pensamento. A questão carcerária sempre foi algo que consideramos alarmante, não só no Brasil mas em toda América Latina. Portanto ao longo dos dois últimos anos, Erick, Francisco e eu visitamos mais de 20 presidios em vários países e as condições de maus tratos e falta de dignidade humana que pudemos ver são bem semelhantes em todos os ambientes. Comida estragada sendo servida, superlotação, falta de itens de higiene pessoal, altas taxas de contaminação por doenças epidemiológicas são apenas alguns pilares dessa enorme estrutura que mantem enjauladas milhares e milhares de homens e mulheres em todo continente.

Como se pode ver no nosso ensaio ‘Desse Lado do Muro’ – https://www.agenciafarpa.com/cadeias

Desde o começo da pandemia estivemos buscando maneiras de retratar a situação por trás das grades, um acesso que já não é fácil normalmente e que com toda crise sanitária se fez ainda mais complicado. Primeiro houve todo um trabalho de pesquisa e coleta de informações com familiares de detentos, com pessoas que acabavam de deixar o sistema penitenciário, advogados e defensoria pública. A quantidade de audios aterrorizantes que recebemos é de partir qualquer coração. E acho que o filme conseguiu capturar bem esse espirito de abandono, incerteza e desespero que vivem não só as pessoas privadas de liberdade mas também suas famílias, que são o único pilar de suporte emocional e em grande parte dos casos quem os alimenta através de doações feitas nos dias de visita, dos quais os detentos ainda seguem restritos.

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Erick Dau

Visitar um presídio no Brasil ou em qualquer país da América Latina é sempre uma experiência inesquecível. Por mais que se conheça a realidade dos cárceres de um país subdesenvolvido, há sempre uma novidade, sempre um detalhe que fisga a nossa memória. É verdade que há prisões melhores e piores – e outras muito piores – mas, como se fosse um fenômeno sobrenatural, não existe nada que chegue minimamente perto do ideal, do respeito aos direitos humanos e à dignidade dos encarcerados e também dos agentes de segurança.

Essa realidade não mudou substantivamente ao longo dos nossos poucos séculos de história – o sistema carcerário sempre foi racista, classista, violento, desumano etc. – mas a pandemia trouxe uma nova cor à esta palheta já tão farta. O isolamento, já brutal por si só, agravado pelas condições degradantes dos centros de detenção, foi elevado ao cubículo dos que ali se encontram roçando sua pele nas de seus companheiros de cela superlotada.

O que a pandemia do coronavirus fez, sob os auspícios de um governo genocida, foi tornar mais profunda a cova onde se enterram vivos os privados de liberdade no Brasil – sejam eles os 30% de presos provisórios, ladrões de galinha, portadores de pinho sol ou criminosos de verdade. A despeito do que tenham feito, são todos seres humanos, e continuarão sendo, sempre, não importa quantos esforços faça o estado para desumanizá-los.

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Para conhecer a Agência Farpa

YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCm7in_5msiUAFn3Bci_04kg

Instagram: https://www.instagram.com/farpa/

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Leia também nos Jornalistas Livres:

https://jornalistaslivres.org/podcast-poetico-traz-dialogo-entre-condenados-e-os-que-condenam/

https://jornalistaslivres.org/america-armada-um-grito-pelo-desarmamento-na-america-latina/

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