Roda de Conversa – Refugiados e Imigrantes das ocupações

“E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento sigo mais sozinho caminhando contra o vento e entendo o centro do que estão dizendo:
Aquele cara e aquela: É um desmascaro.
Singelo grito:
Mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que o rei é mais bonito nú
E eu vou e amo o azul, o púrpura e o amarelo E entre o meu ir e o do sol, um aro, um elo.”

O Estrangeiro – Caetano Veloso

Neste sábado (4/6) mais de 30 refugiados e imigrantes que moram nas ocupações do MSTC (Movimento dos Sem Teto do Centro) reuniram-se na ocupação do Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, para uma conversa.

Conversar é um ato revolucionário nesses tempos de bocas abertas e ouvidos fechados. A roda foi uma iniciativa do GRIST (Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem Teto de São Paulo) partiu da constatação de que:

1) os estrangeiros muitas vezes têm dificuldade de entender o movimento;

2) há alguns conflitos entre moradores estrangeiros e brasileiros e

3) está havendo alguns problemas entre líderes do MTSC e os refugiados e imigrantes.

 

 

A ideia é fazer rodas de conversa tanto com estrangeiros como com os coordenadores brasileiros para tentar encontrar soluções e diminuir os conflitos. No primeiro encontro havia líderes do MTSC e pessoas do Congo, Haiti, Bolívia, Paraguai, Peru e Colômbia. Duas questões apareceram com força na conversa, como:

1) a necessidade de tradução das regras do MTSC para diferentes línguas;

2) a existência de preconceito, especialmente em situações de conflito. Um participante deu um exemplo: “Se um haitiano rompe com uma regra do movimento, há imediatamente uma generalização para a cultura haitiana ou para todos os imigrantes haitianos”;

3) muitos estrangeiros deixam as ocupações sem dar satisfação, não participam de manifestações e ficam à parte nos processos comunitários;

4) finalmente, o maior problema é que o morador imigrante não se sente parte do movimento, cumpre as orientações para não ter problemas mas não sente que está construindo um projeto comum.
Nos próximos sábados haverá novas rodas, inspiradas pelos caminhos para o diálogo indicados por Paulo Freire e facilitadas por integrantes da Rede de Médicos Populares.

Hélio Carlos Mello, dos Jornalistas Livres, fez as fotos do encontro e escreveu seu relato emocional da experiência:
“Parecia uma boca banguela, mas não pensarei surrealista aqui que é outra onda. É chegada a hora da reeducação de alguém. O certo é saber que o certo é certo.
A cidade se escancara em minha cara, antigas canções e personagens virtuosos despertam em minha mente profetas em desterros como Gentileza e Caetano, fulanos cariocas e baianos em minha carência paulista desse outro estrangeiro no entendimento da cidade. Em revelação se reúnem em plenária, em ocupação urbana dos desabrigados. São outros românticos na Babel paulistana, protagonistas de caldo cultural que nos projeta ao futuro em utopias radicais e contemporâneas, em momento histórico de poder ilegítimo usurpado na nação, mas sagaz em nosso corpo e atitude. Meus parentes humanos de terras distantes querem voz, querem trabalho, querem dignidade. Entender o Brasil, seu povo, sua lei, hábitos e regras é o caminho dessa prosa. Não serão poetas em solo tão árido de direitos, nem querem em sua busca furtar empregos e benefícios, querem sim um lar, a dignidade da cidadania e o exercício da inteligência. Construir uma nação livre e digna é movimento.
Vejo sim o sol quando ele se alvora, coisas naturais da vida.”

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