SP quer revogação da Reforma do Ensino Médio e rejeição da base curricular!

 

Por Agnes Cruz de Souza, socióloga e docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP)

 

A Reforma do Ensino Médio, materializada pela Lei 13.415/2017 que perfaz mais de um ano de existência, foi ilegítima, aligeirada e não dialogou com a realidade da escola brasileira. Imposta de forma violenta, interesseira, mercadológica, mesquinha e apressada, atacou o direito social hoje alijado ao estudante brasileiro: a EDUCAÇÃO comprometida com a qualidade e seu desenvolvimento pleno. Além disso, deixou de lado as contribuições vindas do cerne da escola: docentes, comunidade escolar de forma geral e especialmente o corpo discente do país, este, que figura como protagonista do NOVO ENSINO MÉDIO. O canto da sereia da escolha e flexibilidade proporcionadas ao discente para cursar esta etapa de ensino é o que de mais enganoso se propagou nesse processo.

Abriu-se mão com a Reforma, do caráter público das políticas educacionais assumindo-se um viés privatista e tomando seus modos de gestão como modelo primordial. Jogou-se fora a experiência de formação de professores e as inúmeras pesquisas desenvolvidas nas universidades brasileiras para se comprar parcerias internacionais contestadas em seus cenários nacionais e que pouco dialogam com a nossa realidade.

Ainda, a proposta de um novo e renovado Ensino Médio para o país menosprezou especialistas e pesquisadores da educação, não considerou a comunidade científica e fez com ela o mesmo que com os estudantes: deu-lhes invisibilidade, senão os ignorou integralmente. Do mesmo modo, em nenhum momento privilegiou ou ponderou a valorização dos profissionais e trabalhadores da educação. Tratou-se de um diálogo subalternizado, pautado pela ausência de efetiva discussão democrática, inclusiva, respeitosa e plural.

Por esses e outros motivos, essa REFORMA DEVE SER URGENTEMENTE REVOGADA! As audiências públicas realizadas em 2016 para debater a Medida Provisória nº 746, no cenário pós-golpe parlamentar, foram o que de mais falacioso se verificou na história da viabilidade democrática na educação brasileira. O próximo passo atrás do Ministério da Educação (MEC) e Conselho Nacional de Educação (CNE) é a aprovação da terceira versão Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio: documento finalizado e orquestrado nos gabinetes técnicos do governo.

A BNCC jamais deveria ter sido pensada e concretizada para chegar às escolas, mas sim ter saído delas. O teatro demagógico da magnitude dos números apresentados pela consulta pública (realizada entre os meses de outubro de 2016 a março de 2017) do MEC como um processo de participação social sem precedentes nas políticas públicas de educação, dissimulou escutar as escolas e consequentemente, também fingiu implementar o currículo via BNCC. Cumpre-se um discurso hipócrita de legitimação dos dizeres oficiais sobre a participação e participacionismo esdrúxulos, além de forjar uma democracia do falso consenso no processo de construção do currículo brasileiro. Por fim, o impacto das sugestões não coroa a participação social na construção da base nacional comum. O jogo de cena entre empresários e governo fingiu escutar as escolas, e estas vão aparentar implantá-la seguindo como um simulacro a BNCC nas salas de aula.

Destarte, a base apresentada é exógena à cultura escolar e alheia à docência como atividade intelectual e produtora de currículo. Ela demonstra a descontinuidade do Ensino Fundamental ao Ensino Médio promovendo a fragmentação, a verticalização, o estreitamento e a pobreza curricular, além de trazer à tona um discurso hierárquico relativo à importância das disciplinas: MENOSPREZA a MAIORIA delas em detrimento do ensino de MATEMÁTICA e PORTUGUÊS.

Dessa maneira, se engessam os demais conhecimentos em ÁREAS, estas, pouco precisas e que desrespeitam os saberes especializados e científicos das diferentes disciplinas que circundam o universo de formação no Ensino Médio. A organização curricular por competências ignora as especificidades de cada ciência e não constrói interdisciplinaridade efetiva, pois esta prevê, preliminarmente, a existência de disciplinas para se concretizar. O currículo mínimo despreza inúmeros temas culturais e faz escolhas ideológicas, embora admita categoricamente que não. Fica patente o menosprezo de determinados conteúdos legitimado por convicções nada plurais, como deve ser a educação e o ensino segundo a ampla documentação legal que cobre o setor.

 

A BNCC é um retrocesso sobre a apropriação do conhecimento docente. É um documento ambíguo, pois afirma que a BASE não é currículo, mas traz minuciosamente a elaboração deste, suas finalidades e objetivos de ensino. Insiste-se num modelo tradicional e não se leva em conta a cultura e seleções socialmente válidas de ensino e aprendizagem aos discentes.

É uma BASE que dá ao mercado educacional previsibilidade e segurança econômica no que diz respeito à definição dos conteúdos educacionais a serem apreendidos. Visa tão somente melhorar os resultados do IDEB e coaduna com a visão mercantilizada de educação. Deixa-se de lado uma formação humana e integral, em detrimento de um fazer escolar imediato, flexível e instável.

A BNCC desrespeita a educação enquanto direito constitucional, divorcia-se de diálogo com as Diretrizes Curriculares e o Plano Nacional de Educação (PNE), além de ferir gravemente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996.

É uma base refém e com robusta afinidade ao ilegítimo Escola sem Partido (ESP). Este constrange o trabalho docente e não lhes dá espaço de autonomia e liberdade. É ainda um movimento que vê o discente como um alvo facilmente manipulável e desprovido de qualquer processo crítico na relação ensino-aprendizagem. Com isso, demonstra-se que nunca estiveram no chão da escola, de fato.

Por fim, a BNCC é um ataque ao ensino de qualidade, à formação integral do ser humano, à autonomia escolar discente e docente, à valorização dos profissionais / trabalhadores da educação para além de concretizar mais um capítulo do constante estado de GOLPE parlamentar que vivemos no país. Deve ser por nós, professores e comunidade escolar rechaçada, pois agregamos conhecimento teórico e prático suficiente para efetivar uma escola e educação de fato, afinal, projeto coletivo e preocupação por aqui não há.

No dia 08 de junho, data da audiência da região sudeste, os representantes do CNE não contavam com o formato que a mesma protagonizaria, contrariando as intenções de “diálogo” com a sociedade dos representantes do MEC: ela ocorreu com a manifestação de estudantes e docentes das escolas públicas de São Paulo, avessos a um projeto de destruição do Ensino Médio do país, reflexo do processo antidemocrático de condução da Reforma do Ensino Médio e aprovação da base nacional. Com a ocupação do Auditório da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, no Memorial da América Latina (Barra Funda), por volta das 10 horas da manhã o presidente da Comissão Bilateral da BNCC, César Callegari, foi ao microfone para anunciar que a audiência pública da região estava cancelada. Em nota, na página dedicada às audiências da BNCC (http://cnebncc.mec.gov.br/), o CNE comunica: “Informamos que a Audiência Pública que seria realizada hoje, dia 08/06/2018, na região sudeste, em São Paulo, foi cancelada, pois grupos de manifestantes impediram que o tema pudesse ser discutido com a devida profundidade. Continue acompanhando as informações sobre as audiências por este site”.

É importante demarcar que o caráter deliberativo e de consulta das audiências públicas da BNCC são mais um típico artifício discursivo desta gestão governamental, no entanto, deixa claro o personagem central que elaborará e dará a cartada final na BNCC: o reduto do Ministério da Educação (MEC) e o imperialista Conselho Nacional de Educação (CNE). Abre-se o espaço para ouvir a comunidade escolar, porém trata-se de estratégia retórico-publicitária (que custa milhões, pagos pelo contribuinte brasileiro) para promover os gestores da “defesa” pela educação pública. O recado de São Paulo foi dado, resta saber se compreendido, pois os personagens principais das mudanças sequer foram consultados: não à Reforma do Ensino Médio e abaixo a BNCC!

 

Mais informações sobre a consulta pública (realizada entre os meses de outubro de 2016 a março de 2017) pelo MEC, no artigo “Participação e participacionismo na construção da base nacional comum curricular”, de Fernando Cássio, no seguinte link

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. quando nosso carro quebra procuramos um mecanico nunca um pediatra, nao é mesmo? educaçao é a mema coisa! temos que conversar com os envolvidos com educação,politicosgolpistas nao serao nunca a melhor escolha pensam somente no vil metal e a sociedade que se exploda. vejam que tentam fazer co os médicos cubanos!

  2. Isto está inserido nos parâmetros da Guerra Híbrida…
    Através da dominação cultural impedindo acesso aos conhecimentos técnicos e sua evolução pelos países em desenvolvimento.
    Brasil Celeiro do Mundo…. e seu povo morrendo de fome… Um vagão de soja por um chip…. Uma barcaça de minério por um punhado de dólares

POSTS RELACIONADOS

Provão Paulista: oportunidade ou engodo?

Diante das desigualdades educacionais históricas no Brasil, tentativas de ampliar o número de estudantes egressos da rede pública no ensino superior é louvável. Mas não seria mais eficiente se o governo do Estado de São Paulo aumentasse as vagas destinadas ao testado e experimentado Enem, ao invés de tirar da cartola mais um exame eivado de contradições?