A revista britânica de publicação científica Nature, uma das mais renomadas e conhecidas do campo, publicou um editorial nesta terça-feira (25/10) em apoio a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidente do Brasil. A revista alerta dos perigos à ciência, à educação e à sociedade brasileira como um todo de mais quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) no poder.
Confira o editorial da revista traduzido na íntegra:
Só existe uma escolha nas eleições do Brasil – para o país e para o mundo
Um segundo mandato para Jair Bolsonaro representaria uma ameaça à ciência, democracia e meio ambiente
Quando o Brasil elegeu Jair Bolsonaro como seu presidente há quatro anos, este jornal estava entre os que temiam o pior. “A eleição de Jair Bolsonaro é ruim para a pesquisa e o meio ambiente”, escrevemos (Nature 563, 5–6; 2018).
Populista e ex-capitão do Exército, Bolsonaro assumiu o cargo negando a ciência, ameaçando os direitos dos povos indígenas, promovendo armas como solução para problemas de segurança e promovendo uma abordagem de desenvolvimento “a todo custo” para a economia. Bolsonaro foi fiel à sua palavra. Seu mandato foi desastroso para a ciência, o meio ambiente, o povo do Brasil – e do mundo.
Neste fim de semana, os brasileiros vão às urnas no segundo turno de uma das eleições mais importantes do país desde o fim da ditadura militar em 1985. Bolsonaro é candidato à reeleição pelo Partido Liberal. Seu adversário é Luiz Inácio Lula da Silva, líder do Partido dos Trabalhadores que foi presidente por dois mandatos entre 2003 e 2010. No primeiro turno das eleições, ocorrido dia 2 de outubro, Lula derrotou Bolsonaro – que ficou em segundo lugar, mas por uma margem inesperadamente estreita. Ele não conseguiu vencer pela maioria geral, forçando os dois a um segundo turno das eleições.
O recorde de Bolsonaro é de arregalar os olhos. Durante sua liderança, o meio ambiente foi devastado, como ele reverteu proteções legais e menosprezou os direitos dos povos indígenas. Na Amazônia sozinha, o desmatamento quase dobrou desde 2018, com outro aumento inesperado quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais divulgou seus últimos dados sobre o desmatamento nas últimas semanas.
Assim como o populista e antigo aliado político dos EUA Donald Trump, Bolsonaro ignorou os avisos dos cientistas sobre a Covid-19 e negou os perigos da doença. Bolsonaro também diminuiu os programas vacinais, questionando a segurança e eficácia delas. Mais de 680,000 pessoas no Brasil morreram de Covid-19. A crise econômica que seguiu a pandemia atingiu fortemente os brasileiros.
Outras similaridades foram traçadas entre Trump e Bolsonaro – os dois tentaram minimizar o estado de direito e reduzir os poderes dos reguladores.
Os investimentos em projetos científicos e de inovação tecnológica já estavam em queda antes de Bolsonaro subir ao poder, e só continuaram a cair em seu governo. Muitas universidades federais não estão conseguindo manter as luzes acesas e as portas abertas. O campo académico e científico foram resistência em uma ofensiva anti-elite que espelhava as guerras culturais dos Estados Unidos.
Esse cenário contrasta com a situação política do país a uma década atrás, quando o Partido dos Trabalhadores realizou grandes investimentos em ciência e inovação, sancionou fortes leis de proteção ao meio ambiente e foram criadas múltiplas oportunidades educacionais. Ademais, graças a um massivo plano de transferência de renda para os mais necessitados chamado Bolsa Família, pessoas pobres viram suas rendas aumentarem e novas oportunidades surgirem.
O Brasil criou uma reputação e ficou conhecido como um líder na preservação do meio ambiente criando leis de proteção inéditas, que conseguiram barrar o desmatamento na floresta Amazônica o diminuindo em 80% entre 2004 e 2012. Por um certo período de tempo, o Brasil rompeu com a linha que separava medidas ambientais e produção de commodities, como carne e soja, e fez parecer que o país seria pioneiro na criação de formas de plantio alinhadas à questão da sustentabilidade. Contudo, muito desse progresso alcançado parece ter sido perdido.
Ao contrário de Bolsonaro, Lula não lutou contra os pesquisadores e acadêmicos. Ele se comprometeu a atingir metas de redução de emissões de gás carbônico e proteger terras indígenas se for eleito. Mas Lula não assumirá a presidência sem bagagem. Ele passou 19 meses na prisão em resultado de uma investigação sobre corrupção em seus anos de governo. Mas em 2019, o Supremo Tribunal Federal determinou que Lula e outros indiciados tinham sido injustamente presos antes de todas as opções de recurso foram esgotadas. As condenações foram anuladas, dando a possibilidade para Lula se candidatar à presidência.
Nenhum líder político é perfeito. Porém, os últimos quatro anos do Brasil serviram como um lembrete de que aqueles que nós elegemos podem desmontar instituições de combate a pobreza e proteção da saúde pública, barrar a produção científica e destruir o meio ambiente. Os eleitores brasileiros têm uma oportunidade valiosa de reconstruir aquilo que Bolsonaro destruiu. Se Bolsonaro conseguir mais quatro anos de governo, os danos podem ser irreparáveis.
Confira a publicação em inglês aqui.