Retratos De Uma Candidatura Histórica: Primeira Bancada Coletiva De Mulheres Indígenas e Quilombolas do Estado Do Pará

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

Por Tainá Aragão, para os Jornalistas Livre

Fotos: Leonardo Milano

A primeira chapa de mandato coletivo de mulheres quilombolas e indígenas no Pará está sendo lançada em Santarém (PA), oeste do Estado, e tem a proposta de apresentar um novo modelo de construção política, que contrapõe o cenário conservador atual. Neste modelo, a coletividade, protagonismo dos povos originários, mulheridade, defesa do território, vida, distribuição de renda e bem-viver estão no centro. A chapa que pleiteia a vaga de vereadora é encabeçada por Claudiana Lírios, quilombola e militante do movimento social, acompanhada de Luana Kumaruara, Tati Picanço e Alessandra Caripuna, todas, militantes há anos contra os retrocessos socioambientais da região. 

Defesas e afetações motivam povos originários ocuparem espaços da esfera política institucional e essas candidaturas representam uma contra-resposta à política oligárquica e coronelista vivenciada na Amazônia. A candidatura coletiva narra um acontecimento político: o surgimento de outras configurações políticas possíveis nesse ambiente distópico que se reverbera na participação dos povos historicamente marginalizados na disputa eleitoral.

Você já se viu no poder? Quantas vereadores\as e prefeitos\as possuem histórias de vida e luta semelhantes à sua? Já parou pra pensar que apenas 13% dos representes políticos no Brasil são mulheres, em uma sociedade majoritariamente composta por mulheres? Contradições à parte, novos modelos de participação crescem no cenário eleitoral.

Segundo o Inter-Parliamentary Union, o Brasil é um dos piores países em termos de representatividade política feminina, ocupando o terceiro lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres. No ranking, taxa é de aproximadamente 10 pontos percentuais a menos que a média global e está praticamente estabilizada desde a década de 1940. Isso indica que além do Brasil se encontrar atrás de muitos países em relação à representatividade feminina, poucos avanços têm se apresentado nas últimas décadas.

O que essa sub-representação, representa? Representa que muitas pautas e políticas públicas, como: assédio, aborto, maternidade e carreira, continuam sendo pensadas somente por homens e, por isso, muitas vezes ficando à margem da necessária discussão e construção de políticas públicas que deveria ser feitas para combater, definitivamente as violências. Representatividade é um caminho, mas imagine se ela for complementada por coletividade?

As candidaturas coletivas são isso, a junção de uma maior representatividade com um compartilhamento de tarefas entre os candidatos\as, uma outra forma de fazer política. Os mandatos coletivos e compartilhados não são previstos na lei e envolvem um acordo informal entre os candidatos\as e um grupo de pessoas que vão ajudar a definir os votos e posicionamentos de forma compartilhada.

Segundo o Centro  Política e Economia do Setor Público (Cepesp) da FGV a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), totalizou 257 registros desse tipo de candidaturas, comparado à 2016, com apenas 16 registros de mandatos coletivos no Brasil, o crescimento foi superior a 150%. 

Conheça a história das quatro candidatas da bancada coletiva que nasce à partir da Amazônia, no Oeste do Pará:

Claudiana Lírio: “A Luta é algo potente que constrói os sonhos”

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

Não é somente sobre votos, é sobre corpos que se dispõem à luta. Claudiana de Souza Lírio, militante quilombola (36 anos) pertence ao Quilombo Bom Jardim, localizado em  Santarém (PA), ela é a cabeça de chapa da Bancada Coletiva da Amazônia, que disputa uma vaga para vereança no município de Santarém.Dizem que quando o sangue do militante corre nas veias, não se foge à luta. Para Claudiana foi assim. Seu pai à introduziu na militância aos 8 anos e, desde então, ela não abandonou a missão de construir melhores condições e diretos à comunidade que cerca – o quilombo e sua terra nativa: a Amazônia.

Se o Quilombo paraense foi o ponto de partida, ela pretende agora assumir o compromisso de criar políticas públicas de uma forma mais geral para a comunidade santarena. Quando as pessoas perguntam: “O que vc vai me dar?”, eu digo que estou disponibilizando o meu corpo e o meu tempo para cobrar e fiscalizar o prefeito e secretários, e para propor políticas que representam nossas bandeiras…esse é o papel do vereador”, explica.

Claudiana afirma que a tarefa mais revolucionária de sua vida foi criar sozinha seu filho. “Todo dia é dia de trabalho, de reconstrução de muita coisa…eu assumi essa responsabilidade de ser mãe, então eu tenho q fazer bem feito. O pai dele sempre foi muito ausente depois de nossa separação…aí eu tentei meio que  substituir (a ausência do pai) um pouco desse vazio”, conta. 

Agora, com o filho já crescido, o seu sonho é seguir construindo uma cidade mais justa para o povo que foi historicamente oprimido na Amazônia. “Os indígenas e os quilombolas têm condição de barrar muita coisa. A Amazônia está sendo vista como um negócio….está sendo negociada pelos nossos representantes, do governo federal ao municipal.”

“As pessoas precisam fazer uma avaliação: uma pessoa que está há 12 anos no mandato, que nunca fez nada (se referindo a vereadores que tentam a reeleição) por que você acha que nesse próximo ano ela vai fazer alguma diferente por você?…pense na possibilidade de mudar a composição da câmara de vereadores e que tenha mais mulheres participando desse processo (vereança), finaliza Claudiana. 

Tatiana Picanço: “A gente quer fazer uma fissura nas estruturas”

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

Vida, Valentina e Rosa: Não são somente os nomes das filhas da candidata Tati Picanço, 34 anos, são os sentidos que recriaram sua vida e significam o que a aterra na luta. Como Doula, criar filhos, parir crianças, é uma atividade coletiva e, portanto, deveria ser assumida com mais responsabilidade pela sociedade, afinal, é do futuro de uma nação que esse trabalho se trata, certo? 

Qual é o lugar das mães? Onde elas quiserem! Tati coloca isso à prova. Foi no momento de pós-parto que ela aceitou o desafio de disputar uma vaga- coletivamente- à vereança. 

“Eu estava com um bebê pequeno, dona de casa e tentando me formar (na universidade)…as meninas do partido conversaram comigo, vieram aqui, a gente tem uma trajetória política…me convenceram! A gente encara como uma tarefa (de militância)…mas eu disse que era uma candidatura de mãe, que minha prioridade é o bem estar das minhas filhas. Isso é revolucionário para mim, uma questão pessoal, de resgate da minha história. O sistema de poder tem que se preparar para receber mães….a gente tem que estar nesses espaços.”, diz sobre o que a motiva seguir.

Contar e (re)contar as próprias histórias, para Tati, é reparação histórica. Mas, fazer história política é reimaginar um futuro para gerações de mulheres marginalizadas na Amazônia. 

“As mulheres foram extremamente silenciadas nas cozinhas dos brancos. Poder contar nossa história é revolucionário! As pessoas têm que escutar o que as mulheres amazônidas têm pra contar. Nossas ancestrais resistiram e, hoje, estamos aqui falando sobre a força da bancada”.

Agora, como candidata, além de ecoar as vozes ancestrais que habitam seu corpo Kumaruara, ela pretende romper com estruturas que seguem ferindo e destruindo com a identidade cultural da sua gente.

“A gente quer fazer uma fissura nas estruturas, nas oligarquias, nesse patriarcado. A gente tá mexendo com gente muito poderosa e violenta.” 

Para Tati, por trás de todo medo, existe o parir de forma valente: a vida. A luta é, por fim, um semear de rosas.

Alessandra Caripuna: “Temos que caminhar coletivamente”

Do  Quilombo Pacoval é que Alessandra Caripuna (39 anos) fincou seus primeiros passos de luta. Para ela, que nasceu em um sistema de coletividade, uma bancada coletiva é uma forma de fazer com que outras vozes ecoem na Câmara de Vereadores do município de Santarém (PA).

“Essa experiência do mandato coletivo, tudo que a gente fizer, nós que somos povo da Amazônia, a gente não pode mais caminhar individualmente, temos que caminhar coletivamente, respeitosamente, são lugares possíveis da gente chegar….é possível! é um trabalho que dá frutos coletivos”

Formada em Administração, ela nunca pensou que concorreria ao cargo político no seu município, porém, a falta de representatividade fez com que à militância entrasse na sua vida desde 2002 (quando tomou consciência de que era militante ,mas já militava sem saber). 

“Nosso corpo fala, quem chega primeiro é o teu corpo, é uma forma também de gritar contra o racismo, quando a gente usa o turbante, usa tranças, quando você coloca a força do black power, eu me sinto protegida. É com essa mesma forma, com esse mesmo ânimo, com essa vontade combativa, que a gente vai encarar o desafio da vereança”, diz, caso seja eleita no próximo dia 15.

Alessandra criou uma grife de roupas, Negrices Caripuna, para ressignificar o mercado da beleza em Santarém. Ela acredita que a amazônia tem muita potencialidade nas pessoas que fazem parte e assumem a defesa desse lugar.

“Nós precisamos parar para refletir sobre isso, de alguma forma tentar parar esses grandes empreendimentos que vêm para aqui, que tiram nossa essência (a natureza, o modo tradicional). Vamos lutar contra isso!”, enfatiza.

Luana Kumaruara: “A gente está super preparada, fomos preparadas pela vida”

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

Luana Kumaruara, 34 anos, mãe de 2 filhos pertence à Aldeia Solimões, da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns. Como liderança indígena da região, atuou por quase quatro anos no Conselho Distrital Indígena e, desde cedo, teve que ocupar espaços para fazer com que a voz dos seus parentes, aldeia e comunidade, fossem ecoadas nos espaços ditos “de poder”.

À Universidade pública, talvez, foi à porta de entrada de um sistema de ocupação que conduz sua trajetória.  Formada em antropologia, e agora no mestrado na mesma área pela Universidade Federal do Pará, ela ocupa um espaço de pesquisa e do fazer científico que não foi pensado para a diversidade dos povos originários. Sua principal defesa é, e continuará sendo, pelos povos da floresta, sua cosmovisão e direito de existência.

“Meu compromisso, caso seja eleita, continuará sendo o mesmo, não muda: eu só quero garantir tudo isso que a gente vem reivindicando ao longo dos anos: saúde diferenciada, educação diferenciada, direito ao território, enfatiza.

Para a Kumaruara, o enfrentamento, caso eleitas, não será fácil, uma vez que os cargos políticos do Estado de Santarém são ocupados majoritariamente por homens ruralistas e brancos. 

“A gente já nasce como guardião da floresta, por isso, a gente está super preparada, fomos preparadas pela vida, vamos tentar nos proteger, tanto fisicamente, como emocionalmente, mas a gente não tá só. Não estamos sós e temos nossos ancestrais que nos protegem, eles que nos guiam”, diz.

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

Erramos: originalmente, colocamos no título “Primeira Bancada Coletiva de Mulheres da Amazônia…” . Na verdade, é a segunda bancada coletiva de mulheres da Amazônia. Pedimos desculpas.

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