Reforma da Previdência afetará mais regiões Norte e Nordeste do país

Esther Bemerguy de Albuquerque*

O projeto da coalizão de forças reacionárias, no governo desde o golpe contra a presidenta Dilma Roussef, em 2016, é antidemocrático e já demonstrou em abundância que os seus interesses não são nacionais, e nem se alinham aos anseios da classe trabalhadora. Esse programa se revela nos elevados índices de desemprego, no aumento da violência, na perda de soberania e na desconstrução das políticas sociais definidas na Constituição Federal, de 1988, fortalecidas e ampliadas durante os governos Lula e Dilma.

A destruição da seguridade social, já em curso, afetará de forma profunda e desigual a população brasileira, pois essa política tem papel destacado na distribuição de renda entre pessoas e entre regiões, como se poderá perceber em algumas das graves consequências da Reforma da Previdência para o Norte (NO) e o Nordeste (NE) que serão aqui abordadas.

As razões apresentadas para a reforma do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), entre elas as mudanças demográficas e o suposto déficit previdenciário, não justificam a sua aprovação sem um amplo debate nacional, pois a esses regimes vincula-se a proteção de cerca de 60 milhões de trabalhadores.

Medidas como as mudanças nas regras de aposentadoria do RPPS, em 2003, a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP), em 2013, aliadas às novas regras do RGPS, aprovadas em 2015 – soma da idade mais o tempo de contribuição, com pontuações escalonadas até 2026 – dão fôlego a esses Regimes.

O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Previdência, aprovado por unanimidade, em 2017, compreende a Previdência como parte da Seguridade Social e demonstra que esse sistema foi superavitário sempre que a economia cresceu e gerou emprego, especialmente entre 2004 e 2013. Apenas as visões ultraliberais, que valorizam o ajuste fiscal acima dos preceitos constitucionais que regem a seguridade, isolam a Previdência do leito natural das proteções sociais para justificar a sua narrativa.

Se já não havia razões para a aprovação da proposta encaminhada por Temer, muito menos há para a aceitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, enviada por Bolsonaro, que radicaliza ao desconstitucionalizar a Previdência, incluir a capitalização, alterar as regras das aposentadorias rurais, desvincular o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, entre outras medidas desfavoráveis para a proteção social dos brasileiros.

A proposta de capitalização incluída nessa PEC rompe com o princípio da solidariedade, com o pacto social expresso na contribuição tripartite (Estado, empresa e trabalhador) e também com o pacto federativo implícito na previdência pública. Dados, de 2016, mostram que os benefícios sociais recebidos pela população, no NO e no NE, são, respectivamente, três e quatro vezes o valor arrecadado pelo INSS nessas regiões.

Durante reunião que aconteceu em março, governadores do Nordeste criticaram a reforma da Previdência

A diferença entre os benefícios emitidos e os valores arrecadados é de R$13,9 bilhões anuais (NO), e de R$82,84 bilhões (NE). Esse fluxo de rendas, em comparação com o PIB regional, corresponde a 4% no NO e a 9% no NE, em alguns estados é igual ou supera 10% do PIB como no Piauí (14%), Maranhão e Paraíba (11%) e Alagoas (10%). Os benefícios previdenciários não ultrapassam um salário mínimo em 84% dos casos, no NO, e em 85%, no NE, porém, apesar disso, são portadores de dinâmica econômica expressiva no contexto regional.

Cerca de 64% dos municípios do NO e do NE arrecadam, em termos proporcionais, entre 0 e 1% do valor total dos benefícios emitidos pelo INSS. A arrecadação previdenciária desses municípios foi, em 2016, de R$64 milhões e o valor dos benefícios pagos pelo INSS foi de R$27 bilhões, sendo que 72% referiam-se a aposentadorias rurais.

A capitalização promete um prêmio futuro, determinado por variáveis de risco que afetarão o mercado financeiro no período de capitalização da contribuição individual realizada no presente. Em 2017, apenas 7,8% (NE) e 7,7% (NO) da população possuia rendimento mensal superior a dois salários mínimos, o que deve levar à inviabilidade de uma aposentadoria futura da maioria da população pelo sistema de capitalização, condenando-os, no máximo, à percepção de um benefício básico, como o BPC, já bastante precarizado pelas novas condições propostas por Bolsonaro.

Além da inescapável crise social, as economias do NO e do NE perderão recursos importantes, pois com o sistema de capitalização cessarão as transferências interregionais na medida que os contribuintes deixarem o fundo público e migrarem ao novo sistema. O resultado será o aprofundamento das disparidades regionais no Brasil, uma das maiores do mundo, onde a região NO participa com 5,4% do PIB nacional e o NE com 14,3%, enquanto o sudeste fica com 53,2%.

As desigualdades também se manifestam no diferencial entre as expectativas de vida, a maior está em Santa Catarina (79,4) e a menor no Maranhão (70,9), todos os estados do NO e do NE possuem indicadores inferiores à média nacional (76) e é nesses estados, proporcionalmente, onde ocorrem a maioria das aposentadorias por idade. Essa assimetria leva a diferenças no tempo de usufruto da aposentadoria, pois a idade mínima é a mesma em todo o Brasil. Assim como, as novas regras propostas para o BPC levarão a grandes iniquidades, por exemplo, em média, um idoso pobre no Maranhão gozaria o benefício de um salário mínimo por apenas 9 meses, enquanto um idoso nas mesmas condições, em Santa Catarina, receberia esse valor por 9 anos e quatro meses.

 

Para a massa de trabalhadores que ficará fora do sistema assim desenhado, já foram criados os instrumentos de regulação social que visam conter a organização sindical e a livre reivindicação dos direitos trabalhistas. Instrumentos como a Lei da Terceirização (13.429/17); a nova Lei Trabalhista (13.467/17); o impedimento ao desconto sindical em folha pelas empresas (DEC 9.735/19) e a carteira de trabalho verde e amarela que torna opcional o respeito à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Esse ciclo se fecha com a criminalização dos sindicatos e dos movimentos sociais e na ampliação da isenção de responsabilidade policial na morte de civis quando movidos por medo, surpresa ou violenta emoção, propostas do pacote apresentado por Moro.

À esse programa de precarização de direitos, hostil a tudo que constitui o estatuto do trabalho, destituído das proteções sociais, só resta a desumanização dos excluídos, decifrada nos oitenta tiros que ainda ressoam anunciando a nova política.

* É economista e especialista em teoria econômica. Membro da Coordenação Nacional Provisória da Associação Brasileiras de Economistas pela Democracia (ABED). Foi Secretária da Secretaria Nacional de Planejamento e Investimentos Estratégicos/MPOG, entre 2012 e 2014; Secretária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social /PR, entre 2004 e 2011; Secretária de Finanças da Prefeitura Municipal de Belém (PA), entre 1996 a 2002.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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