Quem é Vanda Pignato, brasileira, referência dos direitos das mulheres em El Salvador, e por que ela foi presa.

 

POR MURILO MATIAS

Existe um motivo pelo qual a brasileira Vanda Pignato é conhecida em todo El Salvador, o projeto Ciudad Mujer. Referência internacional no combate à violência contra a mulher e na capacitação do segmento feminino para o campo profissional, dos direitos humanos e da educação, os espaços públicos concebidos pela iniciativa funcionam somente com a atuação de mulheres e são responsáveis pela tentativa de mudança da cultura machista que naturaliza o alto número de feminicídios e a discriminação corrente do dia a dia.

“As mulheres passam por mais obstáculos que os homens. Ciudad Mujer é um modelo de igualdade e paz que deveria ser aplicado regionalmente como política de Estado”, defendeu Vanda em entrevista concedida em 2017, na sede de Santa Ana.

O judiciário salvadorenho, formado basicamente por homens brancos ricos do país como quase em toda América Latina, representa exatamente um dos setores mais enfrentados por Vanda e pelas operadoras do direito capacitadas nas Ciudad Mujer.

A elite judicial determinou nesta terça-feira a prisão da ex-primeira dama e atual Secretária de Inclusão Social – pasta com status ministerial – pelo risco iminente de fuga por supostos desvios de dinheiro público à época em que Maurício Funes, ex-presidente e seu ex-marido, esteve à frente do governo.

Vanda, recuperada, mas em tratamento permanente contra um câncer possui uma larga trajetória na luta pelos direitos sociais desde a época que militou no Partido dos Trabalhadores, no Brasil, foi levada pela polícia quando estava no Hospital da Mulher, na capital San Salvador.

foto: FMLN

Na América Central desde a década de 1990, continuou seu trabalho no campo dos direitos humanos, apoiada por parcela significativa do população, sobretudo após os resultados obtidos por Ciudad Mujer, que já chegou à metade das mulheres no país, algo como um milhão e meio de cidadãs.

Não é o que retrata a imprensa local, opositora ferrenha dos governos populares da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), vencedora das últimas duas eleições para o executivo nacional e entusiasta do afastamento de secretária da arena política.

“Doutora Vanda fez pela dignidade das mulheres o que jamais faria a direita. Ensinar a defender, a exigir respeito. Agora é vítima de um atropelo. Alcemos a voz por seu direito a não ser injustamente perseguida”, expressou Norma Guevara, figura histórica da esquerda salvadorenha.

“É incrível que estão violentando os direitos da única mulher que veio a transformar e dignificar a vida das mulheres de nosso país. Vanda não está só”, complementou Jessenia Molina, em referência ao movimento criado no país em defesa da brasileira naturalizada.

Funes também é acusado em processos que alegam corrupção, inclusive na arrecadação de recursos para sua campanha presidencial que teve o brasileiro João Santana como marqueteiro. O ex-presidente que chegou a ter índices de 80% de aprovação e ajudou a eleger o sucessor da FMLN, Salvador Sanchez Ceren, denuncia ser vítima de mais um episódio de Lawfare na região, situação que o levou a buscar asilo político na vizinha Nicarágua, onde hoje encontra-se ameaçado por um mandado que o coloca como foragido internacional.

Estudiosos do tema da atuação do judiciário nos golpes modernos realizados em países como Honduras, Paraguai e Brasil apontam existir em El Salvador uma das mais sofisticadas escolas de Lawfare.

Enquanto aguardam-se as possíveis declarações de Vanda Pignato e, por outro lado, a apresentação de provas por parte dos acusadores, a FMLN reforça sua história no combate à corrupção e defesa do interesse público.

foto: Secretaria de Inclusão Social de El Salvador

“FMLN nunca tolerou e não tolera a apropriação indevida por particulares de bens pertencentes aos fundos públicos (…). Quanto ao funcionamento do sistema judicial, esperamos que a justiça atue no estrito marco do direito, com provas contundentes e sem basear-se em indícios ou especulações e muito menos juízos midiáticos ou políticos”, afirmou o partido em comunicado oficial.

Publicado originalmente no Diário do Centro do Mundo

 

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