Não há lugar mais triste e mais esquecido globalmente do que a Palestina na atualidade. Afirmo aqui que este breve texto tem como propósito trazer o incômodo sobre um tipo comum de esquecimento entre nossos diálogos e posicionamentos. Algo que vai além do que se refere aos acordos assinados e não cumpridos por países signatários das nações unidas por intermédio da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Fato é que alguns países, por mais que pontualmente se manifestem, os acordos em papel são insuficientes para que tal posição seja decisória frente às medidas que necessariamente precisam ser tomadas para que o povo palestino pare de ser assassinado por Israel, Estados Unidos entre outros atores globais que tem interesses econômicos frente ao genocídio de um povo que resiste, quase que sozinho. Não há ingenuidade nas posições!
O silenciamento dessa condição política global ocorre no rigor da mudança de narrativas midiáticas, em especial, televisionada nos países cuja doutrina se acomoda pela moral cristão ocidental. Silêncio este paralelo ao financiamento multi bilionário que garante inclusive o acobertamento via aparelhos ideológicos das mídias empresariais que apresentam o genocídio como guerra; a morte diária de crianças como efeito colateral de mísseis guiados por precisão; o reposicionamento imperialista como mero reordenamento social frente a falsa guerra ao terror entre outras formas como justificativa moral de algo que é desumano.
A pretensão disposta neste breve texto ao dialogar sobre os efeitos do imperialismo a partir da causa palestina, pretende conversar a partir “dos de baixo” deste “Sul que é o Norte”. O diálogo tem como pretensão refletir a partir das posições das organizações políticas da esquerda e de pessoas que intelectualmente contribuem no movimento cotidiano da luta de classes cuja posição enquanto coletividade é sentida enquanto pele, suor e sangue. Da lucidez de quem tem como propósito político organizativo denunciar a exploração que sustenta os grandes conglomerados, daqueles que comem a melhor refeição todos os dias, custeadas por nós, as trabalhadoras e trabalhadores.
Para nós, enquanto classe que somos, o que representa o número já superior às 45 mil pessoas assassinadas e de mais de 110 mil pessoas feridas na Palestina desde outubro de 2023, dados de um genocídio que atravessa quase 8 décadas. Os números ultrapassam mais de 18 mil crianças assassinadas, calculado pelo absurdo estatístico de 104 pessoas em média por dia nos 380 km² entre Gaza e Cisjordânia. A destruição acumula destroços que eram moradias, hospitais, escolas que estão completamente devastadas. Uma limpeza étnica em curso.
Para nós, classe trabalhadora, não se trata apenas de números ou da metragem territorial. Estamos emergidos em um contexto de violências que também são provocadas pelas chacinas nas favelas, pelos massacres no campo, pela perseguição às lideranças em terras indígenas e comunidades quilombolas. Cada número tem um pouco de nós e cada metro quadrado é a retirada do espaço que também vivemos. Porque o efeito concreto dessa realidade é a constatação de um projeto que nos exclui enquanto vidas. Projeto este que criou um “Estado” para ser base militar estadunidense nas disputas geopolíticas desde 1948 entre “guerras frias e quentes”. Um “Estado” constituído pelo falso discurso do reconhecimento e que sequer tem algum lastro histórico para sustentar sua própria justificativa.
É inevitável afirmar que a distância dos nossos mares e a nossa diversidade humana, enquanto classe que somos nos aproximam ainda mais da causa do povo palestino. Hoje o nosso pequeno levante enquanto classe, sob a causa Palestina, precisa ser refletido e provocado. Realmente lutamos por essa causa?
Precisamos de que os nossos (não) discursos não sejam também o produto do silenciamento global. A compreensão internacionalista deve nos permitir engajar ações que denunciem o genocídio, mas também a resistência deste povo que está sendo assistida ao vivo nas redes de comunicação, como se toda luta ali presente se tratasse de algo pontual ou episódico.
A mudança geopolítica proporcionada pelo imperialismo, tem no apoio deste silêncio derrubado não apenas as lutas do chão no Oriente Médio, mas atravessado lastros expansivos no laboratório do capital a cada momento. Esta avalanche tem estado mais perto de toda a humanidade e subsidiada a partir do financiamento público estadunidense como também do engajamento de parte da Europa Ocidental naquilo que proporcionará a estética da barbárie em futuras questões latinoamericanas, africanas e em outros espaços do globo.
O que cabe aos movimentos sociais, sindicais e populares no Brasil? Qual conteúdo estamos construindo a partir da denuncia do genocídio, mas também como apresentamos a resistência vivenciada pelo povo palestino? Cabe todo esforço coletivo propor enquanto solidariedade de classe hastear as bandeiras que estão vivas por lá? Evidenciar nossa contribuição à causa palestina é também retirar de nós, por vezes mergulhados em pautas corporativas ou conciliatórias, e trazer ao diálogo público a unidade do que realmente se aproxima enquanto projeto revolucionário de sociedade. A construção de uma outra ordem possível não pode negligenciar a atualidade dos povos que lutam, resistem e sofrem pela violência do imperialismo em expansão.
Aos nossos intelectuais que procuram construir laços orgânicos com a base social do trabalho, dizer não ao genocídio e apresentar a resistência palestina é fortalecer os princípios presentes a partir das lutas cujo propósito precisam ser emancipatórias. Articular mediações reflexivas entre o que vive o povo palestino com a violência que nós sofremos nos grandes centros urbanos a partir da expansão imobiliária; sobre a perseguição das elites fundiárias à resistência dos movimentos camponeses; o massacre realizado nos territórios de povos originários que lutam contra a expropriação dos recursos naturais; dos que dizem não ao sequestro do fundo público frente ao financiamento dos projetos das elites. Todo este contexto pode ser articulado para trazer de forma didática à coletividade a grave condição vivida pelo povo palestino em Gaza e na Cisjordânia.
Como dialogar sobre os monopólios, o agronegócio, a produção de tecnologias e a Inteligência Artificial e como tem constituído as bases que tem como propósito silenciar a resistência de quem educa através da luta. Porque quem luta, educa!
Como trataremos, enquanto coletividade, o papel do imperialismo frente nossas lutas pela sobrevivência diária? Como a expansão global dessa fase do capital tem atravessado as nossas vidas? Como os efeitos do capitalismo afetam as mudanças climáticas e ampliam o racismo ambiental ao reconfigurar os projetos da burguesia como se o planeta fosse um grande tabuleiro?
Questões para além deste texto estão para serem apresentadas a partir da causa Palestina que hoje sofre como via de um grande laboratório de testes bélicos, químicos, imobiliários, industrial e expansionista. Cabe a nós, classe trabalhadora, as condições de mudança do tempo em que vivemos. Somos constituídos por estas violências e desigualdades, assim como também somos responsáveis por uma outra história que não caberá aos que exploram. Essa outra história não caberá mais fronteiras que limitam o nosso tempo de ser e estar. Um projeto revolucionário precisa voltar a inspirar nossas análises, corações e posições.
Leonardo Koury Martins, especial para os jornalistas livres.