Por J. Renato Peneluppi Jr e Douglas Meira Ferreira
No dia 9 de dezembro de 2021, teve início a cúpula pela democracia. O evento contou com a participação de cerca de 110 países de diversas áreas do mundo sob a liderança do governo estadunidense de Joseph Biden. A presença polêmica de países e regiões como Brasil, Ucrânia, Polônia e Taiwan que contam com diversas acusações de execuções extrajudiciais, violações dos direitos humanos e corrupção generalizada suscitam o debate: Que tipo de democracia será discutida?
O convite feito ao governo Bolsonaro, inimigo das instituições democráticas brasileiras, mostra o não-comprometimento democrático da iniciativa. O convite mais generalizado para participação de países aliados ao governo dos EUA mostra o caráter fragmentador do debate sobre democracia. Com poucas exceções, a maioria dos países que contam com bases militares do governo norte-americano foram incluídos. Outros países que ficaram de fora da cúpula questionam a real intenção na criação deste espaço.
Foi o caso dos países socialistas como China, Cuba e Vietnã. No caso da Cuba, dissidentes opositores da ilha foram convidados a participar. Taiwan, outra convidada, teve como objetivo afrontar a soberania nacional do território chinês, contestado desde 1949.
A presença militar norte-americana provocando conflitos em nome da democracia e direitos humanos em guerras infindáveis como no Afeganistão em 2001, Iraque em 2003, além do notável apoio à ditadura brasileira, são exemplos que nos mostram como a democracia é um status atribuído somente aos regimes que se submetem aos interesses dos EUA. A democracia não é Coca-Cola, bebida inventada e exportada pelos EUA ao resto do mundo. Cada país deve ter o direito de escolher qual sistema político melhor se adapta ao seu povo.
Infelizmente, a cúpula pela democracia de 2021 já nasce de forma errônea. As experiências socialistas, primeiras responsáveis pela implementação do voto feminino em 1917, por exemplo, foram deixadas de fora por conta do seu não-alinhamento com os interesses norte-americanos. Contudo, alguns avanços democráticos socialistas contemporâneos do contexto chinês necessitam ser sublinhados para um aprofundamento no debate.
A China vem, através dos últimos anos, aprimorando a participação política generalizada da população. O maior destes exemplos é a erradicação da pobreza extrema no país, feita em 2020, garantindo o acesso democrático à vida digna para milhões de pessoas. Com relação à satisfação da população, os representantes do governo central chinês têm atingido as maiores taxas em todo o mundo. Segundo pesquisa de Oxford realizada em 2016 entrevistando 31 mil pessoas, estimou que cerca de 95,5% da população chinesa considera-se satisfeita ou altamente satisfeita com o governo do país. Em contraponto, nos EUA a taxa de satisfação com o governo era de 38%, no Brasil a taxa de aprovação com o governo federal não passou de 10% neste mesmo ano.
O sistema democrático chinês é composto oito partidos políticos (Frente Patriótica) sob a liderança do Partido Comunista da China (PCCh). Essa “Frente Patriótica” tem longa história que se inicia em 1926, mas na sua forma atual foi estabelecida em 1946. No passado, a Frente atuou na Guerra de Libertação chinesa, liderada pelo PCCh, e foi considerada uma das “três armas magicas” para derrotar o Kuomintang. Consolidada em 1949 com a fundação da República Popular da China, todos os partidos que compõe a Frente têm milhões de filiados e filiadas. Todos os partidos atuam como parte da administração publica do país, mas nenhum se assemelha ao tamanho do partido comunista que conta com 95 milhões de membros.
O governo chinês organiza as sessões plenárias anuais que tomam as decisões políticas, essas sessões são conhecidas como Lianghui (两会) ou Duas Sessões, CNP (Assembleia Nacional Popular) e a CCPPC (Conferência Consultiva Política do Povo Chinês) que são organizados em todas as esferas, da nacional até a local. O CNP (全国人民代表大会) é o órgão mais elevado do poder estatal e legislativo contendo 2980 membros. Sob a maioria do PCCh, todos os partidos da frente estão representados, incluindo representantes independentes.
Com mandato de cinco anos, os eleitos se reúnem apenas uma vez por ano em Pequim para duas semanas de sessão plenária, e votar as pautas do ano, e depois retornam para suas localidades de mandato. Nas últimas eleições, houve 40% de renovação. Atualmente, 24,9% dos deputados são mulheres e 14,7% proveniente de minorias étnicas. Minorias étnicas são como indígenas, na China, representação desta população é garantida para 56 diferentes grupos étnicos.
Com 22 Províncias, as 5 Regiões Autônomas funcionam como áreas políticas administrativas para responder questões similares à reserva do Xingu, porém com mais autonomia administrativa para gestão do povo local. Também 4 municipalidades, 2 regiões administrativas especiais. Hierarquia estrutural das divisões administrativas e autonomias de nível básico nível provincial, nível de prefeitura, nível de país, município e autonomia de nível básico.
A Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC – 中国人民政治协商会议) funciona como organismo consultivo político, com 2200 representantes, é o único lugar onde todos os atores relevantes dentro e fora do partido comunista se reúnem: anciãos do partido, oficiais de inteligência, diplomatas, propagandistas, soldados e comissários políticos, trabalhadores da frente única, acadêmicos, empresários, atletas e artistas de destaque, além de supervisionar relatórios sobre o trabalho do governo, da suprema corte e a receita nacional. Ambas as estruturas buscam empoderar o povo, garantindo que as demandas sejam ouvidas. A CCPPC é o principal canal para participar das tomadas de decisão.
Em 2022, na China, assim como no Brasil, haverá novas eleições para membros do governo Chines. Atenção especial para o Congresso Nacional, Comitê Central, Bureau Político, Comitê Permanente do Bureau Político e o Presidente da República Popular da China (Secretario Geral do Partido Comunista da China) podendo o atual ser reeleito pela terceira vez, fato que nunca ocorreu nos últimos 70 anos de China.
O processo eleitoral que definiu o mandato do atual presidente chinês, Xi Jinping, começou em 2012. Funcionando como uma espécie de funil político, instâncias locais elegem representantes para níveis superiores de organização do país.
Em 2012, por exemplo, a população de Jiangsu (província do nordeste chinês) votou e elegeu 71.916 deputados de nível dos povoados e 28.260 deputados de nível distrital para o congresso popular. Esses dois grupos juntos elegeram 6.216 deputados municipais que, por sua vez, elegeram outros 803 deputados a nível provincial. Seguindo para eleição de 183 candidatos que apontaram 150 deputados para o CNP.
Lembrando que a Provincia de Jiangsu tem cerca de cinquenta milhões de votantes, e uma população de oitenta milhões de pessoas. Com uma população similar ao estado de São Paulo e Minas Gerais juntos, a província de Jiangsu elegeu, em 2012, mais representantes a nível local que o total de vereadores do Brasil (58.208).
O sistema democrático chinês, contudo, está em constante aperfeiçoamento e os experimentos que buscam uma maior democracia não tem fim. O povo se engrandece nas trocas e aprendizados mútuos. O povo chinês, ciente dessa premissa, sinaliza com a chamada “Nova Rota da Seda” ou “Cinturão e Rota” para possibilidades de trabalha conjunto com todos os outros povos ao redor do mundo, levando adiante os valores comuns da humanidade – paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade.
“Em um espírito de respeito mútuo e seguindo o princípio de busca de um terreno comum, deixando de lado as diferenças, adicionaremos novos elementos à estrutura política mundial e avançaremos em direção a uma comunidade global de futuro compartilhado juntos” – mensagem do governo Chines em recente “White Paper” sobre democracia.
A democracia tem sido foco de debate por gerações, um instrumento para a sociedade resolver o problema das pessoas, construindo a pluralidade e valorizar as diferenças de forma harmônica evitando conflitos. Um país é democrático quando seu povo é realmente o senhor do país. Em alguns casos, isso pode ser traduzido no direito de votar. Mesmo votando, o sistema eleitoral não garante a democracia. O que garante a democracia é o respeito à soberania do povo. Se promessas eleitorais não são cumpridas, se não há representatividade ampla da população e se não há controle popular da política, dificilmente podemos falar de democracia.
O modelo de governança política deve sempre ser uma escolha da própria população de cada país. A democracia chinesa, assim como outras, foi construída a partir da sua própria trajetória. Por isso, devemos respeitar essa história buscando melhor entender o que diferentes modelos de democracia e de representação popular podem nos ensinar.
No passado, o Brasil foi vítima de uma imposição de regime político quando, em 1964, um grupo de militares brasileiros apoiados pelo governo norte-americano resolveram depor o presidente João Goulart, eleito democraticamente, para “acabar com o comunismo” e promover “eleições livres”. O golpe militar dado em nome de uma falsa democracia é mais um exemplo de como os Estados Unidos têm historicamente usado a ideia de democracia para dobrar interesses de determinados países à sua própria vontade.
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