“Prouni fantasma”: Cebas Educação, um grande esquema de corrupção em bolsas de estudo

A política Cebas Educação, que deveria ofertar bolsas aos mais pobres, tornou-se parte de um esquema de corrupção
Foto/Reprodução
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Em junho deste ano, o estudante de Administração Pública da FGV, Gabriel Nascimento, compartilhou um texto em sua página no Instagram um tanto quanto intrigante. Nele, era citada uma lei que ele e seus colegas descobriram, uma espécie de “Prouni secreto”, a Cebas Educação. 

A CEBAS Educação (Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social) é um programa do MEC (Ministério da Educação) que garante às instituições consideradas filantrópicas isenção de impostos e de contribuições sociais. Em contrapartida, tais instituições deveriam oferecer 20% de suas vagas a estudantes de baixa renda por meio de bolsas de estudo. 

Quase três vezes maior que seu irmão gêmeo Prouni, a CEBAS é uma política cara. Seu orçamento em 2022 representa cinco vezes todo o orçamento do governo para o meio ambiente e cerca de 26 vezes o orçamento para saneamento básico em 2020. Em números absolutos, 8,5 bilhões de reais, segundo o DGT (Demonstrativo de Gastos Tributários) de 2022, e sua vaga custa em média R $25.311,96 reais. 

Gabriel e seus colegas foram verificar se essa lei estava em vigor e o que descobriram foi muito além do que esperavam: inúmeras escolas e faculdades particulares registradas no programa estavam em situação irregular, ou seja, não ofertavam todas as bolsas que deveriam e não eram fiscalizadas. Além disso, suspeitaram da existência de um esquema de corrupção generalizado. 

Resolveram criar uma ONG, a Ponteduca, para denunciar e cobrar das instituições certificadas pela CEBAS e o Ministério da Educação essas bolsas que deveriam ser garantidas. Nos primeiros estudos do grupo, Gabriel entrou como espião na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), uma das universidades mais elitistas de São Paulo e também irregular na CEBAS. Com o único objetivo, de buscar provas e criar relacionamentos com os professores, ficou um semestre como estudante de Ciências Sociais para entender quais meios seriam melhores para denunciar as irregularidades e resolver o problema. 

Ato convocado pela UNE e Ponteduca em frente à ESPM cobrando pelas bolsas da Cebas. Foto/Reprodução: Poteduca

Uma das maneiras que as escolas e faculdades particulares utilizam parade driblar a fiscalização é não divulgar as demonstrações financeiras e a quantidade de bolsas ofertadas, práticas adotadas pela ESPM. Ainda, há instituições que se aproveitam de uma brecha na legislação para se cadastrar e obter o investimento das duas políticas de acesso à educação (Prouni e CEBAS), mas na hora de registrarem os bolsistas, utilizam a mesma pessoa para prestar conta nos dois sistemas do governo. Há também documentos institucionais de muitas escolas que mostram que utilizam esse dinheiro público, que deveria ser destinado aos mais pobres, para dar descontos na mensalidade dos alunos pagantes.

Para chegar nessas conclusões, fizeram alguns cálculos. As instituições que possuem o certificado CEBAS e aderem à política do Prouni, garantem as isenções das duas políticas. O retorno dessa conta resultaria quase o dobro de bolsas que são ofertadas hoje. Ou seja, universidades como a PUC-SP por exemplo, que, mesmo ofertando regularmente 20% como está previsto, deveria ofertar mais de 30%. Mesmo seguindo o protocolo, a porcentagem de bolsas ofertadas deveria ser muito maior por causa dessas duas isenções tributárias. Eles recebem e não ofertam todo o orçamento que deveria ser destinado à bolsas de estudo; esse é um dos exemplos das inúmeras contrariedades desse sistema.

Segundo o relatório da Controladoria Geral União (CGU) de 2019, órgão responsável pelo controle interno do Governo Federal para realizar e analisar atividades de qualquer patrimônio público, 92% dessas vagas CEBAS estão irregulares. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) indicou que ao menos 462 dos bolsistas contemplados pela política pública são sócios de empresas, 49 são donos de embarcações, 65 donos de carros de luxo e 3 bolsistas donos de aeronaves. 

Uma bolsa CEBAS custa quase 10 vezes um aluno da educação básica na rede pública. Mas isso não quer dizer que é porque a educação privada é mais cara – visto que o aluno CEBAS custa cerca de 2 vezes o aluno Prouni. Nesse mesmo relatório da CGU, constatou-se que o custo médio da CEBAS Educação é quase 3 vezes o valor de mercado dessas vagas.

As análises do CGU concluem que é possível acontecer um desvirtuamento das bolsas destinado a fins alheios aos da política pública; o MEC não dispõe de informações suficientes para o controle e o para acompanhamento da efetiva oferta de bolsas. Não existe nenhuma transparência quanto à oferta de bolsas e à seleção de bolsistas feita pelas instituições de ensino no sistema. Ademais, o custo estimado da CEBASEducação supera o seu retorno, assim como se mostrou mais custoso do que qualquer outra política de financiamento da educação.

Os sites do governo com informações sobre a CEBAS também são esquisitos. Primeiro que supostamente deveria existir um mapa do Brasil indicando todas as instituições brasileiras que possuem o certificado, porém, esse mapa nunca sequer existiu

O estudante e integrante da Ponteduca, Marcos Gonzalo, resolveu então criar esse mapa. Ele comparou duas bases de dados, a lista das instituições cadastradas nao CEBAS pelo país inteiro e o E-MEC, outra lista onde teoricamente teriam todas as instituições privadas sem fins lucrativos. Ele percebeu que havia um problema: apenas 10% da base CEBAS estava registrada na do E-MEC, ao invés de todas elas. Assim, das mais de 4.000 instituições cadastradas na CEBAS, somente 425 estavam compatíveis.

Ato convocado pela UNE e Ponteduca em frente à ESPM cobrando pelas bolsas da Cebas. Foto/Reprodução: Poteduca

Depois de quase um ano do Gabriel prestar o vestibular da ESPM, construindo relações com professores da faculdade, gravando vídeos e encontrando documentos evidenciando irregularidades, a ESPM ofertou 19 bolsas de estudo integrais a mais, em comparação ao vestibular no mesmo período em 2021. 
Mesmo a faculdade negando que faz parte da política, dizendo que: “não recebe e nunca recebeu qualquer benefício relacionado à CEBAS  concedido pelo Ministério da Educação e que todas as bolsas concedidas a estudantes da ESPM contam com recursos próprios”, a Ponteduca nos faz repensar sobre esse pronunciamento. Segundo a organização e de acordo com a lei, ao darem entrada com o pedido da certificação, as instituição de ensino devem apresentar documentos que comprovem que os requisitos da CEBAS já estão sendo cumpridos, como a oferta de 20% de suas vagas em bolsas de estudo socioeconômicas, a publicação dos demonstrativos financeiros, dentre outros requisitos. Desta forma, se no site oficial da CEBAS consta que a ESPM entrou com pedido da certificação, os requisitos já deveriam ser cumpridos. Além disso, a organização constatou que a imunidade tributária é concedida pela Receita Federal 6 meses após o pedido do certificado, mesmo sem a aprovação do MEC. Tendo em vista que o MEC demora cerca de 5 anos para analisar os pedidos, como apontado pelo TCU, as escolas e faculdades estão sempre em “situação de análise”.

Ainda segundo o relatório, a instituição que é beneficiada deve “assumir a divulgação dos dados sobre a política pública, em transparência ativa, especialmente os relativos às entidades beneficentes, às bolsas de estudo, à seleção de bolsistas e aos pedidos de reconhecimento à imunidade”. 

A nova Lei que rege a CEBAS Educação (LCP 187/2021), assim como a sua antiga versão (Lei 12.101/2009) persistiu com o elevado custo da política ao estender os benefícios tributários a todas as filiais de uma entidade beneficente, independente do CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) vinculado a essa filial, o que resulta nesse esquema de ações alheias às da política pública. A Lei foi escrita pensando no benefício às entidades, não aos estudantes. Não existe correspondência entre o valor pago pelo Estado e o valor das bolsas concedidas. 

E não para por aí. O Ministério da Economia, após a aprovação da LCP 187 em novembro de 2021, tentou barrar a medida. Entretanto, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional, fortemente pressionado pela Elizabeth Guedes, irmã do ministro da economia, Paulo Guedes, e presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) e da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN).

A intenção é que a CEBAS nunca seja reconhecida como um política de bolsas de estudo e sim um política para não pagar imposto. Em uma entrevista para o jornal da Alesp, Elizabeth começa dizendo que o Prouni é a única política que oferta bolsas de estudo no ensino superior privado. “Como pode ser a única existente se ela está lutando ferreamente para que a outra não exista?”, questiona Gabriel.  

A CEBAS deveria ser um instrumento de transformação social. O governo Bolsonaro sustenta um desvio de mais de 700 mil bolsas de estudo que deveriam ser destinadas a estudantes de baixa renda. Com a regularidade e funcionamento pleno desse programa, poderia ser uma verdadeira democratização do ensino privado brasileiro.  

A ONG tem um trabalho prático para viabilizar essas bolsas, desenvolvendo parcerias de apoiadores para denunciar junto ao Ministério Público e principalmente, na comunicação, informando as pessoas sobre essa política pública tão desconhecida. 

No dia 1 de setembro deste ano, organizou junto com a UNE (União Nacional dos Estudantes) um ato em frente à ESPM pelos direitos da educação de baixa renda na educação particular, cobrando respostas da universidade e fazendo a principal pergunta: cadê as bolsas da CEBAS?

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