Organizações defendem proibição de publicidade voltada a crianças e adolescentes e apontam a responsabilidade de programas policialescos para apoio da redução da maioridade penal
No momento em que o Congresso Nacional discute proposta de redução da maioridade penal, entidades que atuam na luta pelos direitos humanos e, especialmente, pelo direito à comunicação realizaram debate sobre a relação entre os meios de comunicação e a garantia da proteção integral às crianças e aos adolescentes, conforme determina a Constituição Federal.
Promovido pelo Instituto Alana e pela Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc), o debate ressaltou a presença de lógicas de produção de conteúdos midiáticos que infringem direitos. “É um espaço diário de propaganda da redução da maioridade penal que a gente tem no Brasil inteiro e em diversos horários e canais”, afirmou a integrante da coordenação do coletivo Intervozes, Bia Barbosa, sobre os programas de cunho policialesco.
“Esses programas deixaram de ser algo esporádico e característico de algumas regiões do país. Hoje, a gente se encontra esse tipo de programação do Brasil”, pontuou a jornalista.
Bia acrescentou que esse modelo “é extremamente rentável para as empresas, pois combinam exploração da dignidade humana, sensacionalismo e um merchandising forte, além de ter uma audiência forte”.
Segundo a jornalista, nos programas policialescos são encontradas práticas como negação da presunção da inocência, exposição das famílias, calúnias e difamações. Essas e outras violações estão sendo constatadas em monitoramento que o Intervozes está realizando com a Andi — Comunicação e Direitos, trabalho que resultará em publicação sobre o tema e também em ações judiciais.
Outra violação aos direitos de crianças e adolescentes comum nos meios de comunicação é a prática da publicidade voltada a esse público. Representante do Instituto Alana, Renato Godoy destacou que a prática atenta contra a resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que considera abusivo o direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente.
“Essa luta para que a resolução Conanda seja protegida, seja respeitada, é porque ela detalha de que forma a publicidade é abusiva”, explicou Desirée Ruas, da Rebrinc, que destacou que a comunicação incide na formação de valores e visões de mundo das crianças.
“Essas comunicações mercadológicas têm que ser dirigidas para quem vai comprar produtos, não para convencer as crianças de que elas têm que ter aquilo para serem aceitas”, completou Desirée.
O ataque aos mecanismos de proteção desses direitos também foi destacado por Veet Vivarta, da Andi, que tratou das tentativas de fragilização da Classificação Indicativa. O mecanismo foi considerado pelo então relator da Organização das Nações Unidas pela liberdade de expressão, Frank La Rue, como importante para a harmonização dos direitos à liberdade de expressão e à proteção da infância. Não obstante, ele está sendo questionado na Justiça.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e que segue em debate no Supremo Tribunal Federal (STF) defende mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O partido quer retirar a possibilidade de emissoras que descumprirem a classificação possam ser punidas.
Na prática, isso faria com que o mecanismo protetivo não tivesse efetividade, já que as empresas poderiam violá-lo sem consequências. Ficaria, assim, nas mãos da própria empresa de comunicação a escolha entre respeitar ou não a proteção às crianças e adolescentes.
“Não interessa às empresas algo diferente que nenhuma regulação. Por isso a luta de setores da sociedade que querem minimamente organizar esse campo extremamente poderoso enfrenta aqueles que não querem regulamentação alguma”, destacou.
Para enfrentar essa luta, vários participantes ressaltaram a necessidade de discutir o tema das comunicações com toda a sociedade, por exemplo, em escolas e outros espaços de produção de leituras críticas da mídia. Além disso, os presentes defenderam o estabelecimento de ações conjuntas com outros movimentos sociais, a fim de ampliar o debate e a luta por mudanças na comunicação, para que esta promova e não viole direitos.