Precisamos falar sobre Dilma

(Foto: Reprodução Internet)

Publicado originalmente por Alexandre Santini* na ANF – Agência de Notícias das Favelas

Nesta semana, a Câmara dos Deputados deve rejeitar a denúncia e o pedido de investigação contra Michel Temer. Apesar das evidências explícitas, do flagrante delito, da conversa indecorosa com um empresário corrupto na calada da noite em sua residência oficial, do seu assessor Rodrigo Rocha Loures correndo pelas ruas de São Paulo com uma mala de dinheiro, a denúncia contra Temer provavelmente será arquivada. Mesmo com as provas e a desaprovação massiva ao seu governo, Temer se agarra ao cargo, e vai se arrastando no poder enquanto o país é tragado pelo abismo de uma crise institucional sem precedentes.

Vamos lembrar que em abril de 2016, num dia de domingo, até o Campeonato Brasileiro de Futebol foi interrompido para que o Brasil acompanhasse ao vivo a sessão presidida pelo então poderoso chefão da Câmara dos Deputados, o hoje detento Eduardo Cunha. Cunha autorizou o início do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, que culminou em seu afastamento da presidência da República. O espetáculo grotesco dos parlamentares votando em nome de Deus, das mulheres, dos filhos, enrolados na bandeira do Brasil ou de seus estados, falando em ética, moral e bons costumes para justificar a cassação de Dilma é algo que não deve ser esquecido, a figurar como um dos episódios de hipocrisia explícita mais eloquente da história recente do país. É preciso conferir como será a sessão que vai votar a denúncia contra Temer, caso ela ocorra, e qual será a postura dos mesmos parlamentares. Um dos mais enfáticos algozes de Dilma, o obscuro deputado Wladimir Mota, do Pará, é o mesmo que esta semana eternizou o nome de Temer em seu corpo, feito tatuagem.

E qual é a acusação que pesava sobre Dilma? As chamadas “pedaladas fiscais”, expediente de ajuste nas contas do orçamento da União, utilizado por todos os governos nos últimos 20 anos, inclusive pelo atual. Ainda que seja um erro de improbidade administrativa, tal decisão de governo, em circunstâncias normais, jamais justificaria uma acusação de crime de responsabilidade. O julgamento definitivo, presidido pelo juiz Ricardo Levandowski no plenário do STF, proferiu uma sentença esdrúxula, que deixou clara a fragilidade do julgamento, e dos fatos apresentados como prova: Dilma teve seu mandato cassado, mas não teve os direitos políticos suspensos, conforme determina a lei do impeachment. Seus acusadores não tiveram esta coragem, diante dos argumentos apresentados pela defesa de Dilma nas brilhantes exposições do advogado José Eduardo Cardozo, que deixavam claro o caráter de exceção do processo acusatório.

 

Não cabe aqui uma defesa do governo de Dilma. As dificuldades eram muitas, e diversas medidas tomadas, em especial na área econômica, são passíveis de grande questionamento. É possível que, neste momento, seu governo estivesse se arrastando e amargando baixos índices de popularidade. No entanto, a forma como foi conduzido o seu processo de afastamento, numa conspiração explícita, foi uma aventura irresponsável que lançou o país em uma crise institucional de graves consequências. Há certamente um forte componente de misoginia e machismo no cerco político e midiático construído para derrubar a primeira mulher eleita presidente da república em nosso país. A sociedade brasileira é machista, e a conspiração contra Dilma revelou que o machismo não é um componente menor ou irrelevante na condução dos processos políticos e no jogo do poder no país.

Alguns episódios são eloquentes e falam por si. Dilma desceu a rampa do Planalto abraçada, recebida pelo povo e, em especial, por muitas mulheres que lhe traziam flores, presentes, cartazes e muitas demonstrações públicas de apoio e solidariedade. Do outro lado, viu-se a imagem da “posse” de Temer, cercado de homens brancos e ricos, e a composição de uma equipe ministerial formada somente por homens. A ex-guerrilheira, presa e torturada pela ditadura militar o julgamento no Senado Federal de forma lúcida, altiva e bem-humorada (Como esquecer que “A vida é dura, senador”?) mais de 12 horas de uma sessão histórica.

Arrisco prever que o tempo e o circo de horrores que o Brasil passou a viver vão, progressivamente, reposicionar a imagem e o papel político de Dilma. Sem desconhecer os seus erros e equívocos, é impossível não se impressionar com sua dignidade e altivez, demonstradas em diversas ocasiões. Recentemente, Dilma foi novamente inocentada no julgamento de sua chapa no TSE. Não será surpresa se, nos próximos anos, Dilma Rousseff venha a ter um papel muito importante na cena política brasileira. O julgamento da história não deve tardar e, certamente, não há de falhar. A história lhe absolverá.

*Alexandre Santini é gestor cultural, dramaturgo, diretor teatral, bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO e mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF. Integrou por 10 anos o Grupo de Teatro Tá Na Rua, atua na rede dos Pontos de Cultura desde 2004 e participou da criação do Fórum e da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura. Em 2012, criou o Lab de Políticas Culturais e, através deste projeto, conheceu e percorreu experiências relacionadas ao Cultura Viva em países como Argentina, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Guatemala e Costa Rica. Atuou na Organização do I Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária (2013) e no processo de aprovação e regulamentação da Lei Cultura Viva no Brasil (2014). Foi diretor de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura entre 2015 e 2016. Atualmente, é diretor do Teatro Popular Oscar Niemeyer, em Niterói (RJ).

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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