Por que orelhas brancas não ouvem os povos?

Povos, imagem do acervo Museu Ferroviário Regional de Bauru
Fotografia em preto e branco revelada em papel fotográfico com brilho, com imagem de um homem indígena Kaingang com vestes típicas de homem branco ( calças compridas, camisa e cinto) ainda que descalço, segurando uma flecha e posando para o registro fotográfico / acervo Museu Ferroviário Regional de Bauru

Tudo maltrata o coração nesse momento, os povos que pulsam. Nem mesmo o ar mais limpo, sem carros nas vias ou aviões no céu, me anima a crer que chegou um tempo de razão, o tempo da educação . Tudo carrega um pouco do pecado, digitais ou não, de mãos alheias ou incongruências tão íntimas. De repente ouço palavra estranha, esquisita mesmo, Weintraub, ecoar em todas frequências.

 

A dúvida infame que reverbera agora, entre o ódio , revela o manto da  insciência sobre o povos em nós, sua incidência no DNA brasileiro, pois não somos mesmo uma mistura, metamorfose, mutação, fusão e tolerância de tantos que em nós habitam?  Esses povos pretos, esses povos indígenas, esses povos ciganos que juntos comigo, com você, ele, convivem, não existem povos na Terra plana?  A dúvida infame que ocorre na cabeça do ministro e soberba de presidente, avilta. Revela o manto da ausência, do poder absurdo sobre nós, dos brasileiros que vivem na redonda Terra azul. 

 

Quando nasci, recordo, já estava tudo dominado em meu estado, São Paulo, pois entre os rios do Peixe e Aguapeí ou Feio, os indígenas perderam as últimas terras indígenas para os imigrantes, contavam minhas avós italianas misturadas  com meus avôs caboclos. Na imensidão das terras do interior do estado sobrou só um pouquinho para os indígenas, bem próximo de minha cidade natal.

Cresci ouvindo comentários de índios entre os descendentes das famílias que ocuparam as florestas de minha terra; via seus troncos retorcidos, antigos, tão velhos, entre os cafezais e as lavouras de amora para o bicho da seda, no horizonte de minha infância. No oeste paulista, a linha da  Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, hoje sem grande importância, é o traço de sangue imposto aos povos massacrados na história de São Paulo, os índios Kaingang e Coroados, que no século XIX eram conhecidos também como índios Bauruz. Dos Oti nenhum sobrou.

A peste desse momento de pandemia, seus escárnios ministeriais e as dívidas impagáveis de nossas volúpias, os desaforamentos monstruosos desses governantes, apenas persistem. Após mais de cem anos, insistem, atuais, trechos de uma carta enviada ao Marechal Cândido Rondon, militar indigenista, em 1910: … as relações entre o civilizado usurpador e o índio espoliado, caracterizam-se, da parte daquele, por uma longa série de abusos e de crimes, carregados aqui e ali de cenas tais de revoltante ferocidade e da mais repugnante vileza, que a pena mal se atreve a relatá-las com todas as negruras do quadro retraçado ao pensamento pela narrativa. 

O índio, na legítima e heróica defesa de seu patrimônio, dia a dia mais desfalcado pela insaciável cobiça do civilizado, apertado dentro de um círculo de ferro e fogo que se estreita progressivamente de todos os lados, da ‘Noroeste’ à Campos Novos do Paranapanema, dispondo-se, em desespero de causa, a vender caro a vida …

Povos, imagem do acervo Museu Índia Vanuíre
Acervo Museu Índia Vanuíre – Tupã, SP

Saiba mais em : https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/145521/000022454.pdf?sequence=1

Anexo 2 – Relato de um massacre de indígenas em São Paulo, por um bugreiro (dentre outras informações úteis). Pesquisado e transcrito (primeiro manuscrito, depois datilografado e posteriormente digitado)por Niminon Suzel Pinheiro do Filme 379. RELATÓRIO ENVIADO A RONDON SOBRE O HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DA EFNB, EM TERRAS DOS ÍNDIOS KAINGANG (22/11/1910) Filme 379 Fotograma 1854-1892 Doc 00 Terra, EFNB, SPI

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