No último domingo, 11 de julho de 2021, Natália Epifânia de Oliveira, 23 anos, foi assassinada em São José do Jacuri (MG). O suspeito é o ex-namorado Anderson Christian de Oliveira. Em circunstâncias muito parecidas, outras mulheres foram assassinadas. Vera Bonfim, Mauriceia Estraich, Nadia Vilela, Paloma Oliveira, Ana Julia dos Santos Floriano, Fabiana, Fernanda Landin, Tatiana Santana, Ingrid Silva, Melissa Mazzarello, Ana Campestrini e Liliane Batis de Souza. Todas elas nos primeiros seis meses desse ano.
Por Glaucia Fraccaro*, especial para os Jornalistas Livres
Essas mulheres foram assassinadas por homens muito próximos, a maioria ex-companheiros. Muito mais da metade desses casos aconteceram dentro de casa. Elas são apenas uma pequena parte das vítimas de feminicídio que se tornam casos conhecidos. O poder público do Distrito Federal calcula que mais de 70% das ocorrências são registradas como crimes comuns. Dados colhidos pelas Secretarias de Segurança Pública apontam 1.338 casos de feminicídios ocorridos na pandemia. Com a morte da Natalia, são 1.339, pelo menos.
É frequente que o assassinato de mulheres, motivados apenas por serem mulheres, seja encaminhado pelo Poder Judiciário como causado pela própria vítima, como se cada uma delas tivesse apresentado algum bom motivo para ser assassinada. Para nenhum outro crime temos conhecimento de que a culpa da vítima seja incorporada ao processo.
Por detrás da culpabilização da vítima existe a ideia de que as mulheres enlouquecem os homens com suas “artes mágicas”. Isso apareceu, talvez pela primeira vez, no livro Malleus Maleficarum (Martelo das Feiticeiras), que foi escrito em 1486 por padres dominicanos e era um manual de caçar bruxas.
Por que matam e agridem as mulheres? A raiva que se sente das mulheres, tornada em ação, é também chamado de misoginia. Essa raiva não vem do nada. Ela tem raízes na necessidade que atravessa o tempo desde o século XV: manter as mulheres confinadas na reprodução da vida, sem o devido valor.
Apontar a permanência das coisas não é o mesmo que dizer que nada mudou na nossa vida. Reunimos conquistadas na luta por direitos, a maioria delas, resultado da atuação do movimento feminista. Retomar o passado remoto faz sentido porque continuamos matando e agredindo as mulheres que se recusam a ser domesticadas ou a exercer suas tarefas. Como Pamella Holanda, que em pleno puerpério, se viu sem saída.
Sem condições básicas de sustentar a própria vida, fica mais fácil confinar mulheres no trabalho de reprodução da vida. A saída é tratar mulheres como seres humanos, com direito a uma vida sem ameaças e com acesso ao próprio sustento. Essas são as reivindicações fundamentais, e muito antigas, do feminismo como campo político. Por isso é fundamental tratar o feminismo como política.
Juntas e organizadas conseguiremos lutar igualdade de direitos, por creches, escolas, hospitais. Todas essas coisas estão fora dos planos do governo militarizado, corrupto e que quer economizar usando o trabalho gratuito de mulheres e que incita o ódio contra nós. Em caso de recusa, o mesmo governo garante a impunidade de quem nos penalizar por isso. Lutar por nossas vidas tem uma questão imediata e urgente: esse governo tem que acabar. A morte de mulheres é um grave problema que precisa de organização política para ser extinta.
*Glaucia Fraccaro é professora de História da UFSC e militante feminista