Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Em 16 de fevereiro de 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, decretou a prisão do deputado federal Daniel da Silveira (PSL/RJ) por ataques às instituições da democracia. Silveira chegou a ameaçar de morte os membros da Suprema Corte. De lá para cá, o parlamentar foi preso, foi solto, foi obrigado a usar tornozeleira eletrônica. Desobedeceu diversas ordens judiciais.
Em 20 de abril de 2022, o colegiado do STF condenou Silveira a 8 anos de prisão. Nas primeiras horas, Bolsonaro ficou calado. No mesmo 20 de abril, o pastor evangélico Silas Malafaia publicou vídeo em suas redes sociais mobilizando seus seguidores para a defesa de Silveira, dizendo que “se o presidente for macho, dará indulto a Daniel Silveira”. Horas depois, Bolsonaro decretou o perdão ao deputado, acionando o preceito constitucional da graça.
Meu objetivo aqui não é discutir a legitimidade jurídica do ato presidencial, até porque a OAB já se manifestou em parecer técnico, afirmando que Bolsonaro está desviando a finalidade da graça, incorrendo, portanto, em ilegalidade.
Desejo mesmo é discutir os motivos políticos que levaram Bolsonaro a confrontar o STF para defender Daniel Silveira.
Seria lealdade com o aliado?
A crônica política está repleta de exemplos que mostram o pouco apreço com que Bolsonaro costuma tratar seus aliados.
General Santos Cruz, Gustavo Bebiano, Sérgio Moro, general Joaquim Silva e Luna e tantos outros aliados foram humilhados publicamente. A lealdade de Bolsonaro é restrita à sua família, bem na lógica da máfia.
Não, definitivamente, Bolsonaro não está decretando guerra contra o STF por causa de Daniel Silveira. Digo mais: Silveira não passa de pretexto para o aprofundamento do processo golpista que está em curso desde 1 de janeiro de 2019, quando Bolsonaro subiu a rampa do planalto para assumir a Presidência da República.
O golpe contra a democracia sempre foi o principal objetivo de Jair Bolsonaro. Em momentos de maior confiança, ele foi mais ousado . Em outros, de fragilidade, dissimulou os reais interesses, aparentando moderação.
Sem dúvida, o dia 7 de setembro de 2021 foi o momento de maior ousadia, com a tentativa de golpe que foi frustrada por motivos ainda não muito claros. Com o perdão do trocadilho, Bolsonaro sentiu o golpe e desde então se esforçou por aparentar moderação, sugerindo estar disposto a jogar dentro das regras estabelecidas pela República.
Estabeleceu vínculos fisiológicos com o Centrão. Viajou pelo país para entregar obras e habitações populares. Contrariou as diretrizes de Paulo Guedes para forçar a concessão do Auxílio Brasil aos pobres e de reajuste aos servidores públicos, em movimentação típica de um político convencional que no exercício do cargo tenta a reeleição.
Mas a realidade não colaborou com essa versão aparentemente moderada de Jair Bolsonaro. A seis meses das eleições, todos os institutos de pesquisa apontam para o amplo favoritismo de Lula. Recentemente, o Vox Populi reuniu dados de pesquisas desenvolvidas por nove institutos. A média dos resultados mostra que Lula está muito perto de vencer a eleição ainda no primeiro turno.
Bolsonaro e seus aliados dizem não acreditar nas pesquisas. Mentira! Acreditam sim! Sabem perfeitamente que é muito difícil virar o jogo. A vantagem de Lula é grande demais para ser revertida em tão pouco tempo. A única saída passa a ser a agitação golpista. Tá aí o significado político da graça concedida a Daniel Silveira. Se Bolsonaro liderasse as pesquisas, não mexeria sequer um dedo para livrar Silveira da cadeia.
Há quem diga que o STF, por cálculo político, optará por não tensionar ainda mais o ambiente institucional e manterá o decreto da graça, em mais um gesto de contemporização com o golpismo. Se fizer isso, teremos a curiosa situação em que pra evitar o golpe, a Corte Suprema do país acaba aceitando o avanço golpista.
Que tipo de cálculo seria esse?
Não importa quantas concessões sejam feitas. Bolsonaro não irá parar. Mais do que nunca, ele precisa do golpe. Só lhe restou o golpe. É questão de sobrevivência.
Até aqui as instituições da República foram lenientes e permitiram a escalada golpista, sempre apostando na possibilidade da contenção institucional do criminoso que ocupa o Palácio do Planalto.
Mas e quando Bolsonaro se recusar a aceitar o resultado das eleições e colocar seus homens armados nas ruas pra dizer que não entregará a faixa? Nesse momento, não será mais possível conversar, não haverá mais o que conciliar. Resta saber se ainda será possível reagir.
Talvez essa será a hora em que perceberemos que enquanto discutíamos se haveria ou não golpe, o golpe já estava acontecendo. Golpe não é evento. Golpe é processo.