Polícia Militar é denunciada por transfobia no caso Laura Vermont

 

“A transfobia não pode ir para a rua de farda” — Rildo Marques de Oliveira


Em reunião com a sociedade civil, o Condepe, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, inaugurou nesta quarta-feira (08) uma parceria com o Ministério Público assinada no dia 29 de junho, chamada de “Via Rápida”, que visa apurar violações de direitos humanos, execuções sumárias e violência letal por parte dos agentes de segurança do Estado. O primeiro caso investigado é o da transexual Laura Vermont, de apenas 18 anos, que sofreu atos de violência e veio a falecer, ao que tudo indica, em decorrência dos maus tratos e omissão de socorro por parte dos policiais militares que foram chamados para socorrê-la, no dia 20 de junho.

Zilda Laurentino, a mãe de Laura, presente na reunião, conta que ela e o marido, informados por um vizinho sobre as condições de sua filha, encontrou-a agonizante, jogada na rua, próximo de sua casa. “Os policiais não sabiam que minha filha estava tão perto de casa, dois quarteirões de casa. Nós chegamos de imediato. Quando socorri a minha filha e passamos por eles eu disse: ‘Vocês a mataram!’”

Segundo a mãe, os policiais responderam-lhe: “Nós jogamos um frasco de pimenta pra segurar ela”.

“Porque fazer isso com uma pessoa machucada? Minha filha foi jogada no meio de um monte de lixo, onde não se joga nem um animal”, disse dona Zilda, indignada.

A família levou Laura ainda viva para o Hospital Municipal Prof. Dr. Waldomiro de Paula, conhecido como Hospital Planalto, onde foram atendidos por um médico muito rude. Eis o relato da mãe: “Parecia um cavalo. Mandou que eu fizesse a ficha e ainda reclamou porque mandaram minha filha para a emergência, quando ele estava descansando. Depois veio e disse: ‘Ele morreu. Já chegou morto’.”

Denise Pinho, prima de Laura, também presente na reunião, contou que perguntou na delegacia porque os policiais não socorreram sua prima. Responderam que não estavam com luvas protetoras e tiveram medo de serem contaminados pelo vírus da Aids, que eles supunham que Laura tivesse. Um deles falou: “Olha a minha farda. Está respingada de sangue.”

Laura, de acordo com a Polícia Civil, que está investigando o caso, foi agredida três vezes: a primeira supostamente durante uma briga com uma colega travesti chamada Amanda, que já prestou depoimento. Elas se desentenderam numa parte da avenida Nordestina, na Zona Leste. Depois disso, Laura teria descido a avenida e parado numa padaria de onde foi expulsa. Por fim, teria se desentendido com cinco homens que a agrediram com golpes na cabeça.

Pelo que já foi apurado, todos os agressores são parentes e três deles foram presos depois de serem identificados por imagens de câmeras de segurança próximas ao local.

Toda ensanguentada, Laura continuou caminhando no sentido da sua casa, pedindo socorro e não sendo atendida por nenhum transeunte. Um deles, em vez de socorrê-la, preferiu filmar seu desespero e postar nas redes sociais. Um dos frentistas de um posto vizinho chamou a polícia.

Imagens resgatadas de câmeras de segurança instaladas em prédios da avenida mostram os policiais chegando e abordando Laura. De repente, Laura entrou na viatura pelo lado do carona e saiu dirigindo.

Um policial se pendurou na janela do veículo, tentando tirar a chave da ignição, mas não conseguiu. A viatura bateu no muro de um condomínio.

Laura saiu da viatura e os policiais foram atrás dela. A partir desse ponto, não existem mais câmeras de segurança nem imagens.

Laura foi encontrada em seguida com um tiro no braço, e um buraco na axila perto do pulmão.Segundo Jackson de Araújo, o pai de Laura, também presente na reunião, “jorrava sangue”. Esse buraco não aparece no laudo da perícia do Instituto Médico Legal.

Segundo os policiais, o que ocorreu foi um “disparo acidental”.

Mesmo que o laudo pericial aponte que Laura Vermont sofreu “traumatismo craniano”, não se pode afirmar que foi essa a causa mortis, pois, embora muito machucada, Laura estava bem viva e caminhando quando foi abordada pelos policiais militares.

Com muitas lacunas, que só uma apurada investigação pode esclarecer, a morte de Laura Vermont evidencia uma sequência de agressões e violações de direitos cometidas por representantes do Estado que teriam a função de proteger cidadãos e cidadãs: fraude processual ao mentirem e forjarem uma testemunha para se protegerem do envolvimento no assassinato de Laura, omissão de socorro, tortura e violência letal contra uma pessoa desarmada e fisicamente fragilizada.

Conforme informou o presidente do Condepe, Rildo Marques de Oliveira, a entidade expressou sua posição de que o assassinato de Laura Vermont não foi decorrente de um crime comum e sim motivado por transfobia e tirou os seguintes encaminhamentos:

1. realizar uma conversa técnica com o promotor para mapear as lacunas, contradições e definir ações imediatas; o representante do Condepe, com a família e representantes do movimento LGBT atuarão, na prática, no papel de “assistentes de acusação”;

2. fazer uma reunião com o delegado responsável pelas investigações;

3. solicitar todo o processo para que tenhamos acesso ao laudo, imagens e demais dados coletados;

4. sugerir à família que solicite a ficha/registro do atendimento realizado no Hospital Planalto;

5. reforçar a ação da Ouvidoria da Polícia, presente na reunião, que também acompanhará.

Ficou também acordada a realização de uma Audiência Pública com a presença da Defensoria Pública, do Ministério Público e da sociedade civil, que vai pautar os casos Verônica Bolina e Laura Vermont. O objetivo é debater formas de prevenção da violência transfóbica contra travestis e transexuais por parte dos agentes de Estado.

Mãe de Laura Vermont participa de protesto contra a transfobia

Com muita coragem e determinação, a família de Laura está disposta a transformar todo o sofrimento numa bandeira de luta que possa ajudar a mudar a forma com que a sociedade e o estado tem tratado até hoje pessoas transexuais e travestis. “E vamos continuar lutando pra que não aconteça com outras Lauras o que aconteceu com a minha filha”, declarou dona Zilda.

“Que este caso tão triste não seja nunca esquecido. E que ele sirva para mudar os procedimentos da polícia, sua formação, para que seja combatida essa violência de Estado contra os direitos das pessoas trans”, disse Julian Rodrigues, do MNDH/SP — Movimento Nacional dos Direitos Humanos.

Também participaram da reunião Paulo Iotti e Luis Arruda representantes do GADVS — Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Dimitri Sales do Instituto Latino Americano de Direitos Humanos, Iara Matos do Centro de Cidadania LGBT da Coordenação de Políticas LGBT da cidade de São Paulo, a família de Laura Vermont e @s militantes pelos direitos das pessoas Ts : Aline Freitas e Leo Moreira Sá.

 

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