Polícia mata quatro Chiquitanos na fronteira com a Bolívia

Indígenas que estavam caçando teriam sido “confundidos” com traficantes. Há sinais de tortura em pelo menos dois deles

A violência policial explodiu em todos os estados a partir do início do governo Bolsonaro. Na divisa entre Mato Grosso e a Bolívia, que recentemente passou por um golpe de estado anti-indígena, isso não é diferente e tem atingido principalmente os indígenas da etnia Chiquitano, que vivem num território com partes nos dois países. Depois de três indígenas mortos em circunstâncias ainda nebulosas no início do mês passado, no dia 11 de agosto outros quatro foram mortos por policiais do Gefron, o grupo especial de proteção da fronteira baseado em Cáceres, Brasil.

Segundo as informações colhidas até agora, os indígenas Arcindo Sumbre García, Paulo Pedraza Chore, Yonas Pedraza Tosube e Ezequiel Pedraza Tosube Lopez estavam retornando de uma caçada perto da cidade boliviana de San Martias, levando inclusive as carnes já secas de porcos do mato nas mochilas, quando foram cercados por policiais e se assustaram. Os indígenas teriam sido baleados e levados ainda vivos para o hospital em Cáceres, onde gritaram que eram inocentes para os médicos e enfermeiros, mas não resistiram aos ferimentos. Os relatos em vídeo e áudio aos quais essa reportagem teve acesso são terríveis. O canal Pantanal Comunicación tem uma matéria em espanhol sobre o acontecido no Facebook (https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=3566329250078615&id=100001047241695&sfnsn=wiwspwa&extid=0RwknczLGNjPIjDF&d=w&vh=i)

Até o momento não há notícia de qualquer apreensão de entorpecentes pelo Gefron, o suposto motivo do conflito, e pelo menos dois indígenas têm claras indicações de tortura como orelha cortada e dentes quebrados. Assim, entidades ligadas aos Direitos Humanos e aos Povos Indígenas estão se organizando no Brasil para dar assistência às famílias afetadas pela tragédia. Elas buscam, além de justiça, uma reparação do Estado brasileiro que retirou da comunidade quatro adultos que eram fundamentais no sustento das famílias e de toda a aldeia localizada no município boliviano de San José de la Frontera.

Na manhã desta quarta-feira 2 de setembro, o padre Aloir Pacini, membro do CIMI Conselho Indigenista Missionário e antropólogo da Universidade Federal de Mato Grosso, irá com um grupo de quatro pessoas da UFMT, Fepoimt, Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade e Ouvidoria das Polícias, se encontrar em Cáceres com Dom Máximo Bienès, Dom Jaci e o casal Chiquitano Melania e João Camilo, primos dos que foram brutalmente assassinados na fronteira do Brasil. Juntos, eles visitarão outros parentes dos falecidos, todos deixaram esposa e filhos, para levar apoio espiritual e jurídico. O bispo de San Ignácio com os padres da Bolívia já se mobilizaram para celebrar uma missa na aldeia.

“Queremos prestar solidariedade aos familiares e à comunidade, por isso vamos com 20 cestas básicas e com desejo de mostrar que a sociedade brasileira não está de acordo com essa forma truculenta como a polícia brasileira, não toda, mas nesse caso, atuou na fronteira”, explica padre Pacini. “As notícias são divulgadas aos poucos, mas as pessoas de lá pedem justiça e ressarcimento pelas perdas irrecuperáveis.”

Apesar da quarentena, os Jornalistas Livres estão acompanhando essa história e traremos mais informações e relatos assim que o grupo retornar a Cuiabá. Nesse momento em que o estado de Mato Grosso é um dos piores na infecção por coronavírus entre indígenas (veja matéria aqui: http://grislab.com.br/pandemia-acelera-processo-de-genocidio-dos-povos-originarios/), quanto menos brancos tiverem contato direto com esses povos, melhor.

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