PMERJ: Um brasão, múltiplos significados

Brasão PMERJ
Brasão PMERJ

PMERJ: Duas armas de fogo entrelaçadas.
Acima, uma coroa.
Abaixo, protegidas, representações da cana de açúcar, à esquerda, e café, à direita.
O ano era 1809.

Por André Carreira

Inspirada na Guarda Real de Polícia de Lisboa, surge, por iniciativa do então príncipe regente D. João, a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro.
A representação do brasão ainda hoje utilizado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro — modelo rapidamente seguido pelas demais polícias militares estaduais brasileiras — não deixa dúvidas: trata-se, desde a sua gênese, de um braço armado em defesa da propriedade e do poder instituído.
Em uma sociedade escravista com uma elite alarmada pelos desdobramentos da revolução haitiana ocorrida poucos anos antes, a criação de forças policiais tinha o tácito objetivo de defesa das camadas dirigentes e proprietárias de possíveis levantes e “insubordinações” da população preta e pobre brasileira do início dos oitocentos.
Existe certo senso comum, um tanto romantizado, sobre o papel das polícias no Brasil. Os epidêmicos casos de violência e letalidade policial — segundo dados do Fórum Nacional de Segurança Pública, 6.357 pessoas foram mortas por policiais militares e civis no Brasil apenas em 2019 — são invariavelmente apresentados como obra de contingentes minoritários das forças policiais. Essa visão, segundo a qual a pura e simples identificação/afastamento de algumas poucas “maçãs podres” seria capaz de devolver as polícias à sua real missão de “proteger e servir” é, no mínimo, ingênua.
Política de segurança pública no Brasil é, historicamente, a forma articulada pelo Estado para manter os pobres sob controle social e, eventualmente, fazer guerra de extermínio quando esse controle se encontra sob ameaça. As polícias militares atendem a uma lógica essencialmente beligerante. Foram criadas e se desenvolveram sob a perspectiva do “matar ou morrer”. São, nesse sentido, extremamente eficientes e bem-sucedidas. Os policiais brasileiros, também pobres e pretos em sua maioria, matam e morrem aos montes em todos os cantos do país.
A mesma polícia que extermina jovens negros diariamente nas favelas é a que não descobriu os mandantes do assassinato de Marielle Franco mais de 1.150 dias depois. A polícia do massacre do Jacarezinho é a mesma instituição conivente com o avanço indiscriminado das milícias.
A discussão sobre o que deu errado na polícia brasileira parte de um pressuposto equivocado: o problema das policias militares não é ter dado errado. É, até hoje, desde a sua remota origem há mais de dois séculos, ter dado muito certo.
Em uma época de recrudescimento de discursos e ações de caráter autoritário e violento, difícil imaginar uma inversão dessa perspectiva. Trata-se de um modelo que certamente não pode ser reformado. Precisa ser extinto e definitivamente refundado em outras bases.
Difícil? Certamente.
Impossível?
Eis a escolha que se impõe.
Vamos insistir no já combalido projeto de nação que naturaliza assassinatos de crianças como Ágatha Félix e João Pedro e jovens como os de Paraisópolis?
Vamos permanecer letárgicos diante de camisas escolares ensangüentadas, mães enlutadas, corpos empilhados, famílias e comunidades destruídas?
Eis, novamente, a escolha que se impõe.
(Texto originalmente escrito em novembro de 2019. Adaptações feitas em maio de 2021 após chacina do Jacarezinho/RJ)

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