Petrobras privilegia acionistas

Por Kelly Lima – Estratégia ESG*

Capitalismo de stakeholder, termo muito usado para embasar o tripé ESG no mundo corporativo é uma forma de capitalismo em que as empresas buscam criar valor a longo prazo, levando em consideração as necessidades de todas as partes interessadas e da sociedade em geral. A Petrobras não pensa assim. Stakeholder para a empresa é acionista e o lucro é imediato, sejam quais forem os custos e os impactos negativos para as demais tais “partes interessadas”.

Na escalada de uma guerra internacional e do galope inflacionário nacional, a empresa divulgou ontem à noite um superlucro de R$ 44,56 bilhões no primeiro trimestre deste ano, 38 vezes maior, ou 3.000% a mais do que o mesmo período no ano de 2021. O lucro recorde bate o de gigantes do petróleo como Exxon e Chevron, e demonstra um crescimento bem maior do que o registrado pela Shell ou pela Sinopec entre 30% e até 100% sobre o mesmo período no ano passado. Traz também a marca da inflação recorde dos combustíveis que assola o país, e dos dividendos, também recordes que serão pagos aos acionistas, no total de R$ 48,5 bilhões.

Entre os acionistas, sempre bom lembrar, a maior parcela está nas mãos do governo brasileiro, ainda que outra parte bastante representativa, esteja nos tão propalados fundos de pensão americanos. Por isso, descaracteriza-se por completo a fala do presidente em live na noite de ontem chamando o lucro de “estupro”. ” Isso é um crime, é inadmissível (…) Petrobras, não aumente mais o preço dos combustíveis. O lucro de vocês é um estupro, é um absurdo. Vocês não podem mais aumentar mais os preços dos combustíveis”, disse, ignorando a caneta que tem nas mãos para poder mudar o cenário ou minimamente usar os dividendos a favor da criação de um subsídio.

Os preços ditados pela Petrobras subiram de janeiro de 2019 a maio de 2022, entre 155% (gasolina) e 165% (diesel) dentro da Política de Paridade de Preços Internacionais (PPI), criada em 2016 por Pedro Parente, então presidente da companhia. Não é uma lei. É uma referência de preços que, portanto, pode ser suspensa.

Aos acionistas que arrepiam os cabelos à mínima intervenção do governo na política de preços da empresa, vale lembrar uma fala de Bill Gates no livro “Como evitar um desastre climático”, comentando porque desinvestiu de todas as empresas de combustíveis fósseis: “Não quero lucrar se as ações valorizarem pela falta de alternativas de carbono zero. Eu me sentiria mal se me beneficiasse de um adiamento de meta zero”. Se aqui, ele tratava apenas do aspecto ambiental do ESG, o que diria do âmbito social? O que diria ao saber dos impactos aviltantes de tal política sobre o alargamento da desigualdade no país?

Além de promover a escalada de preços dos combustíveis no Brasil, o que impacta diretamente na inflação de alimentos por exemplo, a paridade tem uma perversão a mais. Só vale quando é para cima. O repasse de oscilações do barril do petróleo para baixo nunca chegam de fato e na mesma proporção aos consumidores. Há inclusive um estudo que demonstra que a paridade do dólar, no uma depreciação do Real de 10% resulta em um repasse de 0,66 ponto porcentual, ao passo que o inverso traz um alívio de apenas 0,16 ponto.

Outro estudo demonstra que a paridade de preços internacional do petróleo impacta mais diretamente no preço do etanol, do que a variação do açúcar, que também é uma commodity negociada no mercado internacional. Ou seja, até a alternativa ao combustível fóssil é inviabilizada por essa política de preços praticada pelo atual governo na gestão da Petrobras desde 2016.

Como já disse Tom Zé, revertendo uma máxima das bulas de remédio: “persistindo os médicos, consulte os sintomas”.

*Kelly Lima é diretora da Alter, jornalista com mais de duas décadas de experiência em redações, e atuação à frente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado do Rio, BNDES e CEBDS. É integrante do Comitê de Comunicação e Estratégia em ESG 2021 da Aberje.

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