Pesquisa demonstra a influência da mídia na percepção do público sobre questões geopolíticas

O estudo foi realizado entre os dias 27 de fevereiro e 1º de março de 2022 e entrevistou três mil pessoas.

por Francisco Fernandes Ladeira , ilustração Marta Moura

Aproveitando o (raro) momento em que a geopolítica global é a principal temática dos noticiários, o instituto PoderData realizou, recentemente, uma oportuna pesquisa sobre a percepção dos brasileiros em relação à Rússia, China, Estados Unidos e Europa.

O estudo, que entrevistou três mil pessoas, entre os dias 27 de fevereiro e 1º de março, constatou que há uma forte influência dos discursos geopolíticos da grande mídia na maneira como o público percebe um país ou um continente.

Geralmente, nos noticiários internacionais, Estados Unidos e seus aliados na Europa Ocidental são noticiados de maneira positiva; enquanto, por outro lado, “rivais”” geopolíticos do Ocidente – como China e Rússia – são alvos de matérias, reportagens e editoriais negativos.

há uma forte influência dos discursos geopolíticos da grande mídia na maneira como o público percebe um país ou um continente.

Números da pesquisa

Nesse sentido, não foi por acaso que, entre os entrevistados pela pesquisa em questão, 56% afirmaram ter uma imagem negativa sobre a Rússia, contra apenas 6% que disseram ver o país de forma positiva. Sobre a China, 35 % veem o gigante asiático de maneira negativa, ante 14 % de avaliações positivas.

Em contrapartida, em relação aos Estados Unidos e à Europa, a percepção dos entrevistados é diferente: são 33% e 37%, respectivamente, que olham bem para o país e o continente, contra 15% e 11% com uma avaliação negativa.

No entanto, mais do que mencionar os números da pesquisa do PoderData, é preciso avaliá-los. Ou seja, compreender seus “porquês”. Não se trata de um resultado surpreendente. Estudos anteriores já chegaram a conclusões similares.

Estudos Anteriores

Na década de 80, no seminal livro Muito Além do Jardim Botânico, Carlos Eduardo Lins da Silva apresentou um rigoroso estudo sobre a audiência do Jornal Nacional entre indivíduos da classe trabalhadora.

Ao contrário do que possa supor o senso comum, o trabalho de Lins da Silva apontou que as mensagens difundidas pelo principal noticiário do país não manipulam incondicionalmente a audiência. Em outros termos, podemos dizer que as pessoas, em geral, não são meras marionetes nas mãos dos proprietários dos grandes veículos de comunicação.

No entanto, Carlos Eduardo Lins da Silva também constatou que, sobre questões internacionais, as manipulações do noticiário eram mais aceitas pelo público, pois, em relação à essa temática, a maioria das pessoas possuía pouquíssimas fontes de informação além da grande mídia.

Mais recentemente, em 2017, durante a realização da pesquisa em campo de minha dissertação de mestrado, percebi que os imaginários geopolíticos dos estudantes secundaristas brasileiros são permeados pelas representações midiáticas.

De maneira geral, países, personalidades políticas e sistemas econômicos representados de maneira positiva nos noticiários, como os Estados Unidos e o capitalismo, foram mencionados também de maneira positiva pelos estudantes que participaram de meu estudo.

Em contrapartida, povos, nações, crenças, ideologias e políticos estigmatizados pelos principais veículos de comunicação de massa, como o comunismo, a Venezuela, Donald Trump e a religião islâmica, foram representados negativamente.

Já as temáticas relevantes da geopolítica contemporânea – como o terrorismo internacional e os confrontos entre oposição e governo na Venezuela – não eram compreendidas pelos estudantes de maneira contextualizada, em suas causas e consequências, mas percebidas a partir das simplificações presentes nos noticiários.

Além dos dois trabalhos citados anteriormente, a obra da professora Alessandra Aldé também nos ajuda a compreender os resultados da pesquisa do PoderData.

No livro A construção da política: democracia, cidadania e meios de comunicação de massa, a docente argumenta que a mídia é apenas um, entre vários “quadros ou grupos de referência”, ao qual um indivíduo recorre como argumento para formular suas opiniões.

Concorrem com os veículos de comunicação, como “quadros ou grupos de referência”, fatores subjetivo-psicológicos (história familiar, trajetória pessoal, predisposição intelectual), o contexto social (renda, sexo, idade, grau de instrução, etnia, religião) e o ambiente informacional (associação comunitária, trabalho, igreja).

É possível inferir

Assim, é possível inferir que, quanto mais distante espacialmente estou de um acontecimento (ou seja, quanto menos “quadros ou grupos de referência” tenho) maior a tendência em aderir e concordar com o discurso midiático.

Felizmente, ao contrário da época de lançamento do livro Muito Além do Jardim Botânico, atualmente, temos veículos de imprensa alternativos – Diário do Centro do Mundo, Observatório da Imprensa, Meteoro Brasil e Jornalistas Livres, entre outros – que buscam abordar a geopolítica global a partir de suas complexidades e amplitudes, não se limitando às análises rasas, tendenciosas, unilaterais e pró-imperialistas da grande mídia.

No entanto, os resultados presentes no estudo do PoderData e em minha dissertação indicam que “desintoxicar” as pessoas das ideologias propagadas pelos noticiários internacionais da imprensa hegemônica ainda é um processo árduo e demorado.


Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor de dez livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV)

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

Olhe para a China!

“O mundo está voltando seus olhos para a China, e a China está pronta”