Pela 1ª vez no Rio Grande do Norte, plano de saúde terá que custear cirurgia de readequação de sexo

O plano terá que cobrir cirurgia de readequação sexual de mulher trans. Ela também vai receber indenização por danos morais por recusa do plano em fazer a cirurgia.

Por Mirella Lopes, da agência Saiba Mais

Pela primeira vez no Rio Grande do Norte, um plano de saúde terá que autorizar e custear todas as despesas de uma cirurgia de readequação de sexo. O processo foi iniciado há quase dois anos quando Y, que é como nós vamos chamar nossa entrevistada, entrou com uma ação na Justiça solicitando que o plano de saúde autorizasse a realização de uma cirurgia de readequação ou redesignção de sexo, termo que também é utilizado para nomear o que ficou conhecido popularmente como cirurgia de mudança de sexo.

A decisão final foi proferida em setembro, mas Y, que é uma mulher trans, ainda não conseguiu marcar o procedimento por questões burocráticas do plano de saúde. Por isso pediu que o nome do plano fosse omitido na reportagem:

Entrei com o processo em dezembro de 2018, mas apesar dele já ter passado pela 1ª e 2ª instâncias, ainda não consegui marcar a cirurgia. O pessoal do plano não respondeu meus e-mails, mas quando fui pessoalmente disseram que o processo estava andando. Acredito que deva acontecer entre janeiro e fevereiro, mas como demorou muito, será preciso refazer todos os exames”, lamenta Y.

O plano ainda poderia recorrer ao Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, mas acabou não o fazendo, provavelmente, diante das negativas na Justiça local e a jurisprudência de casos anteriores favoráveis às pacientes. Além disso, quem perde acaba tendo que pagar as custas do processo.

Y tem 26 anos e desde pequena sempre se sentiu uma menina. Nas memórias que tem da infância, ela conta que já se enxergava como menina, o que contava aos pais com a maior naturalidade.

“Quando eu tinha 3 ou 4 anos eu já externalizava muito, queria brinquedos de menina, dizia que era uma menina, o que deixava meus pais muito confusos. A gente já nasce assim, é uma questão de auto aceitação. Como eu comecei esse processo muito cedo, meus pais não sabiam como lidar com isso e me levaram ao psicólogo. Eu cresci com esse acompanhamento, meus pais sempre tiveram uma certa orientação, então, sempre foi muito tranquilo”, conta Y, que já tem aparência feminina e para quem a realização da cirurgia será apenas a conclusão desse processo iniciado ainda na infância.

“Eu não consigo não pensar sobre isso desde muito nova. Desde que me comecei a me entender por gente, queria tirar aquele negócio dali”, conta em referência ao órgão sexual masculino.

A cirurgia de redesignação ou adequação do sexo até é realizada pelo SUS desde 2008, mas o tempo médio de espera é de 13 anos. Na rede privada, o procedimento pode custar até R$ 45 mil.

“As pessoas que a gente conhece passaram a vida inteira juntando dinheiro pra isso. É tudo uma questão de liberdade, de poder expressar a pessoa que você quer ser. Estou fazendo isso para que outras pessoas saibam que é possível, não há qualquer ganho pessoal com essa divulgação. Quando eu tive essa ideia, não consegui achar nenhuma notícia relacionada ao tema, sempre encontrava matérias de homens trans que tinham feito a retirada dos seios. As pessoas não entendem o quanto isso é importante, na verdade nunca conseguimos realmente entender como o outro se sente. É uma coisa que, de fato, faz mal a você, não importa se as outras pessoas conseguem entender ou não”, desabafa Y.

Além da cirurgia, o processo também garantiu uma indenização de R$ 5mil por danos morais contra o plano, que chegou a negar a cirurgia e a recorrer da decisão inicial.

Para realizar esse tipo de procedimento, além da própria convicção, é preciso passar por um criterioso e longo processo de exames. Y está em acompanhamento psicológico há dois anos exclusivamente para a realização da cirurgia e uma das etapas mais difíceis foi, justamente, conseguir um psiquiatra que aceitasse o caso.

“Passei por uns quatro ou cinco psiquiatras. Já cheguei a ser expulsa de um consultório porque o psiquiatra não aceitava minha vontade de fazer a cirurgia. Quando eu entrei, ele não percebeu que eu era trans e me tratou muito bem. Mas, quando disse do que se tratava o caso, ele me botou pra fora”, critica Y.

O advogado de Y explica que um dos principais argumentos que deram ganho de causa foram os laudos médicos que explicavam a necessidade de cirurgia por uma questão de saúde mental da paciente.

“Eram laudos que diziam que a paciente precisava da cirurgia porque estava sofrendo de depressão, crise de disforia de gênero, que é quando a pessoa não se identifica com o próprio corpo, e tentativas prévias de suicídio. Eles fizeram toda uma análise e falaram: enquanto médico, digo que essa cirurgia é necessária pra saúde e vida de Y’. Com esse laudo, o plano não poderia justificar que não cobre cirurgias de redesignação sexual porque não é um tratamento incluso no plano. Eles não podem escolher qual tratamento cobrem ou não, eles podem cobrir a doença ou não. Então, argumentamos que a paciente tem uma doença, há um tratamento recomendado pelo médico e o STJ tem uma jurisprudência de que cabe ao médico e não ao plano de saúde escolher o tratamento”, explica Giovanni Begossi, advogado de Y.

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