Pedro Cardoso ensina a profissionais da comunicação o que é consciência de classe

Pedro Cardoso: taí um cara legal

O vídeo que mostra o ator Pedro Cardoso se recusando a participar de entrevista do programa “Sem censura”, da EBC, imediatamente se converteu no top of mind do momento. Também pudera. Em tempos sombrios, habitados por discursos conservadores, que destilam ódio e outros que tais, a posição de Cardoso é um oásis em meio a um cenário de terra arrasada. Nesta quadra terrível da nossa história, as declarações do ator foram vistas como uma voz fresca tal como o orvalho primaveril. Serviu de alento e esperança.

Pedro Cardoso nos ensina que nem tudo está “dominado” pela ignorância agressiva, expressão do escritor Salman Rushdie, e que a insurreição pode surgir de diferentes focos. A decisão do ator é ainda mais instrutiva para os profissionais da comunicação: muitos dos nossos colegas, principalmente os que atuam na TV, não se sentem integrantes de uma categoria profissional, mas sócios fundadores das empresas em que trabalham. Alçados à condição de celebridades/personalidades públicas, consideram que questões “comezinhas” como reivindicação por melhores condições de trabalho e de salário não é com eles, já que (alguns) ostentam remuneração astronômica. Para estes poucos, a posição do empregador/patrão é inafrontável.

Sabemos o quanto o espaço televisivo, e, por extensão, todos os suportes visuais, conferem uma aura estelar aos que nele operam. No Brasil, onde a TV se impôs como a grande máquina de produção dos discursos públicos, como o meio de comunicação de maior alcance, dar visibilidade às tensões internas do veículo tornou-se um interdito.

Ao desertar do estúdio da EBC e, ato contínuo, se perfilar aos grevistas no Rio de Janeiro, Pedro Cardoso pôs em cena os problemas de uma categoria profissional, solidarizando-se com aqueles que suspenderam suas atividades em protesto à proposta da empresa de congelamento dos salários, retirada de direitos e corte de benefícios do Acordo Coletivo de Trabalho 2017/2018 (jornalistas e radialistas retornam ao trabalho nesta segunda, 27). De lambuja, o ator fez duras críticas aos comentários racistas do diretor Laerte Rimoli, diretor presidente da EBC, direcionados à atriz Taís Araújo.

Este episódio nos leva a pensar nas rotinas de produção de trabalho jornalístico, nos bastidores da produção da notícia, ofuscados pelo glamour da cena do visível que tenta apagar a precarização que atinge todos os setores da profissão. A insurgência de Cardoso reclama para o o universo da comunicação e suas habilidades profissionais que conservem algumas de suas vértebras.

Numa fase de turbo capitalismo em que a imprensa como negócio (configuração que ganhou contornos definitivos desde 1875) abriu mão de se dirigir ao público e preferiu as audiências, é preciso lembrar que jornalismo na TV não é feito apenas por apresentadores sorridentes, carismáticos e atraentes que esculpem a vida cotidiana com tintas suaves, nos alimentando com doses suportáveis de realidade. Por trás e além deles, há dezenas e até centenas de pessoas laborando pelo trabalho informativo, expostas a toda sorte de exploração.

 

*Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. O tempo sombrio que eu vejo é o habitado por discursos de minoria que naufragaram o pais distorcem o valor da família e dos hábitos saudáveis. O Brasil de esquerda não deu certo.

    1. Explica-se facilmente. Voce nao tem capacidade intelectual pra compreender a estupidez do que diz.

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