Paraguai enfrenta crise envolvendo Itaipu e interesses de grupos brasileiros

 

Por Murilo Mathias

Em 24 de maio no início de seus mandatos os presidentes Jair Bolsonaro do Brasil e Mario Abdo Benitez do Paraguai encontravam-se na fronteira de Itaipu, segunda maior hidrelétrica do mundo situada no território de ambos os países. Enquanto a mídia concentrava-se em repercutir a declaração de Bolsonaro que na ocasião elogiou o ditador Alfredo Strossner, acusado de crimes contra a humanidade durante os 35 anos de seu regime, autoridades públicas assinavam um acordo secreto relativo ao tema energético.

O documento permaneceu sigiloso até a última semana quando o ex-presidente da Administração Nacional de Eletricidade (ANDE), Pedro Ferreira, divulgou cláusulas cujo conteúdo prejudicariam a soberania e os interesses paraguaios essencialmente em relação ao excedente energético produzido e não utilizado pelo país. O episódio gerou uma grave crise para o governo do conservador Abdo provocando o afastamento de nomes primeiro escalão, incluindo o embaixador paraguaio no Brasil e o diretor paraguaio de Itaipu Binacional, afora a possibilidade de que a gestão seja alvo de pedido de afastamento, conforme já mencionaram os partidos Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) e Frente Guasú.

Na manhã desta quarta-feira reportagem do ABC Color, jornal de maior circulação no país, aumentou a pressão sobre o oficialismo ao trazer revelações do advogado Rodríguez González, que diz ter representado o vice-presidente Hugo Velázquez como assessor jurídico nas negociações entre a ANDE e o grupo Leros, empresa situada em São Paulo. “Na Cidade del Este apareceram vários executivos para negociar, dois brasileiros, um dos quais mostrou credencial do Senado”, afirmou o advogado. González é filho da até então titular da  Secretaria de Prevenção de Lavagem de Dinheiro ou Bens, que pediu demissão nesta quarta-feira em virtude dos acontecimentos.

Conforme González, a instrução vinda do governo paraguaio  era no sentido de favorecer a empresa brasileira, a qual seria ligada inclusive a família do presidente Bolsonaro segundo o que diziam a ele, sem apresentar nomes. “Não conheço essa empresa e não posso dizer se está ou não vinculada a Bolsonaro”, disse hoje o vice-presidente em sessão na Câmara de Deputados, além de não reconhecer Rodriguez como seu assessor. A empresa não está listada na relação patrimonial do mandatário brasileiro.

O epicentro da discussão refere-se à retirada da chamado ponto 6 do novo contrato de Itaipu, que permitiria ao Paraguai comercializar o excedente de energia de maneira autônoma e por preço de mercado – historicamente os paraguaios repassam integralmente ao Brasil o que não utilizam em consumo próprio. “Deram via livre a uma empresa para a qual se destinaria entre 84% e 89% da energia barata de Itaipu entre 2019 e 2022, de acordo com o que estabelece a ata Abdo-Bolsonaro”, comenta o deputado da Frente Guasú, Ricardo Canese.

As modificações fizeram com que Pedro Ferreira classificasse de extorsão financeira a postura dos brasileiros em razão dos prejuízos potenciais  para os paraguaios, que inclusive poderiam pagar a mais em suas tarifas internas, além de mencionar dívida que a Eletrobrás teria em débito com Itaipu na ordem de mais de 50 milhões de reais. Atualmente os cidadãos pagam tarifas menores se comparadas às cobradas ante a população brasileira. Em uma casa com quatro pessoas na capital Assunção, por exemplo, os moradores pagam em torno de R$ 70, de acordo com o consumo médio das famílias.

Os valores menores favoreceriam também a instalação de indústrias no Paraguai, uma vez que o custo rebaixado tem potencial para atrair investidores. Por outro lado, esses seriam contrapontos a fim de balancear a relação, dado que o Brasil é o maior beneficiado pela obra. Diante dos fatos, reuniões estão programadas para os próximos dias entre os dois governos, apesar de o Itamaraty e o Ministério de Minas e Energia sinalizarem que não pretendem alterar o acordo.

“Estamos falando de um governo cujas principais figuras estão em um situação de baixíssima credibilidade . A se confirmarem as notícias de hoje está se configurando uma alta traição e possíveis delitos de tráfico de influência. A atual negociação atenta contra nossa soberania. Há dez anos em um acordo entre Fernando Lugo e Lula (então presidentes) pela primeira vez o Brasil reconhecia os direitos paraguaios, isso significou o pagamento de 360 milhões de dólares anuais antes 120 milhões que eram pagos”, relembra a senadora Esperanza Martinez, do bloco de esquerda.

Ontem em comissão especial realizada no senado paraguaio um dos inscritos, o general retirado Juan Antonio Pozzo Moreno afirmou “esses brasileiros são uns bárbaros” em referência aos negociadores. “A história tem muito peso nesse assunto, devemos reclamar nossos direitos conforme o tratado,  isso significa que 50% da energia adicional pertence ao Paraguai”, finalizou.

O grupo Leros, que atua no setor de energia, mineração e mercado financeiro, não respondeu aos contatos da reportagem.

foto; norberto duarte

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