Países europeus sinalizam que não pretendem ratificar acordo UE-Mercosul em razão da política ambiental do Brasil

A França e outros países não devem ratificar, por enquanto, o acordo da União Europeia com o Mercosul por causa da pressão de agricultores mas também em razão da política ambiental desastrosa de Bolsonaro.

A França – maior produtor agrícola da UE e entre os países europeus, o mais reticente ao acordo – vem dando sinais de que pretende manter a decisão de não ratificar o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, quarto maior bloco comercial do mundo. É o que afirmam autoridades do palácio presidencial a jornalistas.

Segundo o governo francês, nesse momento não há possibilidade do país “sequer pensar no assunto”, já que as condições para a realização do acordo – que levou mais de 20 anos para ser negociado – são “numerosas e drásticas”, não havendo possibilidade “de serem cumpridas por países envolvidos”.

O acordo da UE com países sul-americanos que compõem o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) foi fechado em 2019 – e anunciado durante a cúpula do G20 em Osaka, no Japão – mas ainda não foi ratificado.

Encerramento da Cúpula do G20 em Osaka. Da esquerda para a direita: o ex-presidente da Argentina, Maurício Macri, o presidente francês Emmanuel Macron, a primeira-ministra alemã Ângela Merkel e Bolsonaro.

Respeito a compromissos ambientais

A França tem sido um dos adversários mais duros da versão atual do texto e cita preocupações com efeitos negativos em seu setor agrícola, com o possível aumento das exportações da América do Sul para o mercado europeu, mas também o impacto do acordo sobre as florestas e o clima.

O ministro francês do Meio Ambiente, François de Rugy chegou a dizer, após a reunião do G20, que o tratado só seria ratificado “se o Brasil respeitar seus compromissos” ambientais. Ele ressaltou que após a assinatura do Acordo Climático de Paris, foi colocada em prática uma política que permite aos países atingirem objetivos de redução de emissão de gases de efeito estufa e isso inclui a “proteção da Floresta Amazônica”. A UE considera ainda impor tarifas sobre produtos de países que não cumprirem compromissos firmados no acordo do clima de Paris, o que também poderia atingir as exportações brasileiras.

No início deste mês, uma carta assinada por 65 eurodeputados e enviada ao primeiro-ministro português, António Costa, também fez pressão para que o acordo comercial seja suspenso pela União Europeia. A iniciativa liderada pelo eurodeputado português Francisco Guerreiro, lembrou que preocupações sobre o pacto foram levantadas não somente por especialistas, povos indígenas e organizações ambientais, mas também por chefes de Estado e parlamentos europeus. Os signatários alegam que o acordo vai provocar o aumento do desmatamento devido à política ambiental do governo brasileiro.

Uma nova pesquisa realizada este mês em 12 países europeus mostrou que 75% das pessoas consultadas concordam que seus governos não deveriam ratificar o acordo de livre comércio União Europeia-Mercosul, pelo menos “até que o desmatamento da Amazônia seja freado”.

Diversas entidades brasileiras também se posicionam contrárias, alegando que o acordo vai “encurralar a Amazônia e o Cerrado” e que os impactos serão devastadores para as pessoas que habitam esses territórios, para a biodiversidade e para o clima do mundo, como detalha a publicação das entidades Amigos da Terra Internacional (ATI) e Amigos da Terra Brasil (ATBr), lançada em setembro do ano passado e onde são apresentadas reflexões sobre o contexto amazônico e os incêndios ocorridos em 2019, com alertas para as possíveis consequências da implementação do Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia e Mercosul.

Segundo a publicação, “os incêndios atingiram todos os biomas do Brasil em 2019, mas a Amazônia foi o mais atacado. Do total de 56.867 alertas de incêndio identificados em todo o país (ou 12.187 km² de desmatamento), 83% desses alertas ocorreram no bioma Amazônia, sendo 63% da área com focos de incêndio. Estes alertas representam uma área total de 770 mil hectares apenas em 2019”

Amazônia em chamas

Incêndio na floresta amazônica em 2019 – Foto: Projeto Solos/AFP

Em dezembro, o embaixador da União Europeia no Brasil, o espanhol Ignácio Ybáñez, confirmou em entrevista ao Valor Econômico que a ratificação do acordo, negociado ao longo de duas décadas, dependia de decisões do governo brasileiro. Ybáñez, que assumiu a direção da delegação da UE no Brasil em julho de 2019, destacou que questionamentos sobre a política ambiental de Bolsonaro pelos governos de alguns países geraram um clima de “desconfiança” e atrasaram o processo de aprovação.

Anteriormente, em agosto de 2019, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, já havia dito que seria “difícil imaginar” um acordo entre a UE e o Mercosul enquanto a Amazônia continuasse queimando. Ele ainda indicou que o bloco europeu estaria “disposto a ajudar financeiramente o Brasil a lidar com a situação na Amazônia”.

O presidente francês, Emmanuel Macron, também se manifestou na ocasião dizendo que poderia rever o apoio de Paris em relação ao Mercosul em razão das politicas ambientais do governo brasileiro. O mesmo fez a Irlanda. Ambos os países foram acusados por membros da diplomacia brasileira de estarem buscando argumentos para justificar um “protecionismo agrícola”.

Negacionismo como política

O governo brasileiro, por sua vez, sempre rejeitou as críticas de que não estivesse fazendo o suficiente para conter o desmatamento na Amazônia. Além disso, a gestão do chanceler Ernesto Araújo fazia pressões sobre o bloco sul-americano para atender a interesses de sua política externa “anti-globalista” e, até há pouco, submissa às orientações do Departamento de Estado dos EUA, durante a gestão do ex-presidente Donald Trump.

Em julho do ano passado, Araújo chegou a cobrar durante a abertura da Cúpula do Mercosul, que os demais sócios fizessem avanços  em uma posição conjunta pelo restabelecimento da “democracia na Venezuela”. Na ocasião, a declaração foi um recado para o governo do argentino Alberto Fernández, que se afastou do chamado “Grupo de Lima”, países que se reuniram para apoiar a posição dos EUA em relação à Venezuela, inclusive reconhecendo o presidente “interino” Juan Guaidó. O chanceler brasileiro disse ainda que essa questão [Venezuela] o “impedia de enxergar o Mercosul como um bloco”.

Para entrar em vigor, o acordo UE-Mercosul precisa ser ratificado por todos os parlamentos europeus mas diversas fontes indicam que seriam muito poucos os parlamentares dispostos a irritar seus eleitores na defesa de um acordo com o Brasil, país com imagem hoje profundamente desgastada. Impressão que apenas se agravou com a gestão errática do governo brasileiro no combate à pandemia de Covid-19.

*com informações do Valor e Agências ANSA e Reuters

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