Pai de santo denuncia racismo religioso na caçada a Lázaro Barbosa

Racismo religioso em Brasília leva à perseguição de terreiros, enquanto o principal suspeito, Lázaro Barbosa, permanece solto.
Foto por: Ogan Luis Alves/Projeto Oníbodê

No interior de Goiás, próximo a Brasília, uma série de assassinatos está ocorrendo, e até agora o principal suspeito é Lázaro Barbosa, homem negro de 32 anos. Assim, temos visto muitas demonstrações de racismo religioso, diversas mídias divulgaram que ele pratica candomblé, e postaram fotos de terreiros que a polícia tirou depois de invadi-los. Um desses terreiros pertence ao pai de santo André Vicente, com quem conversamos.   

“No meu tempo de criança, com uns 7 anos, a gente falava que era benzedor, não pai de santo, por mais que soubesse da religião… Não poderia falar que era pai de santo.” André Vicente de Souza, ou pai André, é um senhor de 81 anos que veio para Brasília há 61 anos:

“Cheguei no fim de 59 e fui trabalhar na construção do Congresso, ajudei a construir as vigas, as colunas daquele lugar”.

A perseguição religiosa é tão antiga quanto a escravidão, e em Brasília é tão antiga quanto a cidade: “Nos anos 60 não tinha direitos humanos. Os policiais arrombaram a casa de um amigo meu, no Bandeirantes, e ele tinha uma mesa com várias imagens de santos. Eles o fizeram carregar a mesa nas costas, e cada vez que um santo caía, ele apanhava. São muitos os pais de santo que foram presos nesta cidade.” (Veja outro caso de racismo religioso AQUI)

Na chácara onde vive também funciona um terreiro. É o pai André que administra as atividades do lugar. Desde a semana retrasada, ele tem tido a casa invadida por policiais. Dizem que ele, esse senhor de  81 anos, que ajudou a construir Brasília, está escondendo Lázaro Barbosa, acusado como autor de diversas mortes nas redondezas. 

Na primeira vez que arrombaram a casa, no domingo retrasado (dia 13), pai André não estava, tinha vindo a Brasília para tratar de um problema de saúde. Estava na casa da irmã. Arrombaram as portas, quebraram tudo e torturaram o caseiro Antônio, de 43 anos, que é gago e não conseguia pedir ajuda. Não conseguia explicar que não é o assassino.  

Pai André chegou apenas na terça-feira, e um dia depois, à meia-noite, teve a propriedade novamente invadida por cerca de 20 policiais. O caseiro, que dorme na sala da residência, gritou por ele, mas mesmo assim ele não conseguiu ajudar: “Mão na cabeça, se ficar com muita folga vai arrumar pra barriga.” 

Não perguntaram nada. Simplesmente apontaram a arma para ele e levaram Antônio, o caseiro, que novamente apanhou de cassetete. Já em pai André, “foi uma surra de palavras. Se não tivesse dito que tinha 81 anos, também teria apanhado. O duro é que não ouço direito, e eles me fizeram ficar na frente deles, então gritaram mais ainda, como se eu não quisesse obedecer. Cansei de ficar com as mãos pra cima, e eles não queriam me deixar abaixar a mão. Eu capino, podo árvore, estou sempre me movimentando, então em um horário desses estaria descansando.” 

Fotografaram tudo o que seu André intitula de ferramentas sagradas: “Nós trabalhamos com a natureza no candomblé, com os santos, não tem nada de magia. Não tinha motivo pra fotografar.” 

Solidariedade dos pais de santo

No sábado passado (dia 19), invadiram novamente, mas dessa vez de manhã, e os policiais se ficaram revezando até cerca de 13h, como se o Lázaro fosse aparecer ali, de repente. No começo da manhã trataram pai André e Antônio, seu caseiro, da mesma forma agressiva.

Na tarde do mesmo sábado, cerca de 20 pais de santo se reuniram na casa de seu André para discutir o que fazer, junto a um advogado, e depois foram à polícia fazer um boletim de ocorrência.  

Apesar de toda intolerância que passou na vida e que viu seus antepassados passarem, pai André tem fé nas pessoas e na comunidade, a qual ele diz ser muito unida, e mesmo entre as diferentes religiões: “Muitos pastores vão em casa, padres, os franciscanos também, pedem pra gente orar pra eles, e eu peço pra eles orarem pela gente também. É um caminho só, cada um trabalhando do seu jeito. Por exemplo: quando eu era criança, os protestantes eram quietinhos, não faziam dança e canto como a gente do candomblé, e agora fazem. Agora também tem seus tambores.” 

Leia abaixo a nota de repúdio à atuação racista da polícia, lançada pelo Ògan Luiz Alves/DEFENSORES DO AXÉ:

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Para encobrir a sua incompetência na resolução do problema, agora estão tentando linkar o assassino às religiões não cristãs. Desde o primeiro momento da divulgação dessas reportagens ainda na semana passada me causou nojo e preocupação. Muitos bandidos tem em sua casa, gabinetes e escritórios, crucifixos e bíblias e ninguém os linka com as Religiões Cristãs. Deixo bem público que não é nossa prática religiosa tal atitude. Não procurem disfarçar a incompetência dos órgãos de segurança na resolução do problema querendo linkar o assassino às Religiões de Matriz Africana. Tal prática é perversa e põe em risco a segurança toda Comunidade Afro Religiosa de Brasília e Entorno, quiçá em todo o Brasil, já que somos vítimas das mais variadas formas de Racismo. Os culpados são a Justiça, que não o manteve preso, o Sistema Penal que permitiu sua fuga, e a Polícia em sua incapacidade de prendê-lo. Resolvam o B.O. de vocês, sejam responsáveis e assumam Vossos erros e não nos responsabilizem por suas falhas. Em tempo informo que essas imagens não condizem com nossa prática e que Nosso Sagrado não coaduna com o errado e muito menos com criminosos. PAGUE QUEM DEVE, RECEBA QUEM MERECE! É uma prática criminosa sempre quererem nos linkar com esses feitos. Nos respeitem. Não nos culpem por sua incapacidade. Ògan Luiz Alves/DEFENSORES DO AXÉ.

Aqui, outra nota de repúdio do Pai Adriano Neres, presidente da Federação Educafro

A Federação de Umbanda e Candomblé Educafro, através desta vem a público demonstrar que repudia veementemente os atos de intolerância e de discriminação religiosa vistos nos últimos dias. Estamos vendo e acompanhando as manifestações sobre esse serial killer Lazaro Barbosa e os atos de magia negra por ele praticados sendo associados à religião afro. Venho esclarecer que isso tem gerado uma grande distorção no que se refere as Religiões de Matriz Africana. Quero deixar claro que a Umbanda e o Candomblé não praticam rituais macabros como estão noticiando. É estarrecedor como as pessoas intolerantes, sem conhecimento algum, se aproveitam da primeira oportunidade para atacar as religiões africanas com discursos de ódio. Lázaro Barbosa é um estuprador, criminoso psicopata, que age por vontade própria e tem a maldade e monstruosidade intrínsecas em seu ser. A entidade Exu está longe de ter relação com ritual satânico macabro que essa pessoa tem demonstrado praticar. AFIRMO que tanto o Candomblé quanto a Umbanda NÃO PRATICAM RITUAIS MACABROS.
Estamos vivendo tempos difíceis temos que ter empatia com o próximo e não sair julgando, sem conhecimento de causa como muitos fazem. Deixo as portas abertas para todos os que se sentirem incomodados, alarmados ou vitimados por qualquer conduta discriminatória. A Federação de Umbanda e Candomblé Educafro não compactua com práticas discriminatórias, nem com ofensas, seja em relação a gênero, orientação sexual, etnia, religião, ou de qualquer outro tipo. Pai Adriano Neres, Presidente da Federação Educafro #federaçãoeducafro

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