Por Daniel Bonatti e Flávia Rolim*
Levitsky e Ziblatt, em “Como as democracias morrem”, identificaram transgressões que não apenas contestaram as instituições formais e informais, mas superaram e as venceram de forma a questionar a existência da própria democracia no futuro. Apesar das previsões pessimistas, a sociedade é dinâmica e está sempre em constante movimento para que as democracias não somente não morram, mas possam ser objeto de constante aprimoramento.
Extrapolando a análise dos cientistas políticos norte-americanos, as sociedades têm demonstrado que não serão mais tolerantes com a LGBTfobia, racismo, machismo e toda sorte de preconceitos. Mundo afora governos foram eleitos defendendo a inclusão e o necessário rompimento dos muros que dividem a sociedade, o que tem gerado uma deliberada contraofensiva de grupos que sempre se favoreciam pela opressão a outros, minoritários.
Nesse ínterim, organizações privadas, sociedades de economia mista e o próprio Estado assimilaram as discussões sobre compliance e integridade, aprimorando instrumentos de controle e prevenção e intensificando o debate sobre comportamentos em não conformidade para além das qualificações técnicas profissionais, visando eficiência e eficácia das organizações.
Uma compreensão extensiva ao controle tradicional de empresas e governos, que outrora eram restritos à conformidade dos atos às normas, através da concepção de integridade, ampliou-se à necessidade da empresa e de seus colaboradores refletirem sobre comportamentos e valores que devem ser compartilhados pelas equipes.
A massificação das redes sociais e a intensa exposição da vida pessoal de colaboradores e políticos obrigam as organizações (públicas e privadas) a monitorarem seus comportamentos e servem de indutores na transformação de sociedades que não aceitam mais a discriminação, o preconceito e a opressão. Entretanto, ainda são claras as resistências a tais mudanças, especialmente das elites políticas e econômicas que foram favorecidas historicamente por tanto tempo.
Casos como o do ex-presidente da Caixa Econômica Federal, assim deseja-se acreditar, refletem os últimos suspiros dessas elites oligárquicas que ainda compartilham valores de uma sociedade fundada em privilégios autoritários e que se silenciava diante de comportamentos institucionais e abordagens inapropriadas, com conteúdo de assédio moral e sexual.
O aprofundamento de sistemas de integridade e compliance nas organizações públicas e privadas é de fundamental contribuição para o aprimoramento e avanço da justiça e da ética. São elementos imprescindíveis na consolidação de uma sociedade diversa, isonômica e rica. Não há desenvolvimento econômico e progresso sustentável sem a participação isonômica da sociedade, assim como não há inovação sem a diversidade.
É preciso que as organizações, em seu mais amplo espectro e a partir da alta direção, assumam responsabilidades de difusão e preservação valores de igualdade na convivência e no comportamento, fortalecendo seus órgãos de controle e lhes conferindo autonomia.
Adotar sistema de integridade não se trata de incursão moral às organizações, mas de tornar efetivamente transparentes os valores que desejam agregar e assim apontar novos rumos para a sociedade.
*Daniel Bonatti é cientista político pela UnB e mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV-SP.
Flávia Rolim é cientista social pela Unicamp e mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV-SP.