Pablo Marçal, o bolsonarista atualizado

Por RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

Já há três semanas que o coach goianiense Pablo Marçal é o principal tema do debate político brasileiro. Simplesmente, não se fala em outra coisa, e nem poderia ser diferente. Afinal, Marçal, sem estrutura partidária e sem experiência eleitoral, é um dos favoritos para vencer a eleição para a prefeitura da maior capital da América Latina.

O cenário é semelhante ao que vimos nas eleições presidenciais de 2018. Mas também há diferenças, assim como existem diferenças entre Jair Bolsonaro e Pablo Marçal. Neste texto, quero explorar, exatamente, essas diferenças.

Lá entre 2017 e 2018, quando o bolsonarismo se formou como cultura política, a Operação Lava Jato era sucesso semântico, pois conseguiu impor uma leitura para a realidade brasileira baseada no signo da corrupção total. O principal motivo do atraso nacional seria a corrupção praticada pelos políticos profissionais, entendendo “corrupção” como roubo de dinheiro público.

O PT vivia o pior momento de sua história, juntando os cacos da humilhante derrota de Fernando Haddad nas eleições municipais de São Paulo em 2016. Lula estava preso, incomunicável. Não era absurdo decretar o fim da legenda e a morte política de Lula. Muitos analistas cogitaram essa possibilidade, inclusive esse que vos escreve.

Naquele contexto, Jair Bolsonaro, então deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro, conseguiu se apresentar como o líder outsider capaz de moralizar o sistema político. Não nego que ele teve faro e senso de circunstância, mas a situação lhe era favorável.

O deputado de baixo-clero era tão irrelevante que, de fato, não estava envolvido nos mega esquemas de corrupção que alimentavam a semântica lavajatista. E não porque era honesto, pois bem conhecemos as rachadinhas e o superfaturamento de notas em postos de gasolina. Bolsonaro não estava implicado no petrolão e no mensalão porque não tinha lugar na mesa de negociação. Assim, convenceu parte relevante da população de que era honesto, contando com a habilidade de um dos seus filhos na manipulação da tecnologia digital. Tornou-se, então, memezável, personagem pop, lacrador e fez sucesso entre os jovens.

Jair Bolsonaro, portanto, não é organicamente digital. É um senhor, tiozão analógico, esteticamente repulsivo. Seu encontro com a tecnologia digital foi circunstancial. Ele não é especialista nessa linguagem.

Corta pra São Paulo no segundo semestre de 2024…

O PT governa o país. Lula é o presidente e, apesar das enormes dificuldades, faz um mandato bem-sucedido e relativamente bem avaliado. A Lava Jato foi sepultada e não domina mais a interpretação da realidade nacional. O palco da eleição é a cidade de São Paulo, que costuma ser majoritariamente progressista. O PT já governou a cidade por três vezes, algo impensável no Rio de Janeiro, por exemplo.

Ainda assim, Pablo Marçal, sem contar com o apoio declarado de Jair Bolsonaro, lidera as pesquisas eleitorais, junto com Guilherme Boulos e Ricardo Nunes. Como explicar?

Pablo Marçal tem repertórios que faltam a Jair Bolsonaro. O coach, de fato, é um outsider, nunca ocupou cargos públicos e não tem sobre as costas a obrigação de apresentar resultados de gestões anteriores. É jovem, queixo quadrado e recentemente se aproximou do influenciador fitness Renato Cariani. Depois de dois meses de “treino”, Marçal apareceu sem camisa, ostentando abdômen definido. Domina a linguagem do empreendedorismo, sendo ele mesmo o seu próprio expert no uso das mídias digitais. É mais capaz que Bolsonaro em encantar a juventude. Afinal, nos tempos em que as utopias coletivas não fazem mais sentido, quem não quer ser rico, bonito e ter abdômen rasgado? Marçal promete que isso tudo pode ser alcançado por qualquer um, desde que a pessoa seja bem “mentorada”. O mentor, o coach? O próprio Marçal, é claro! Sim, é sedutor.

Por outro lado, cabe perguntar se Bolsonaro tem repertórios que faltam a Pablo Marçal.

Poderíamos dizer que Bolsonaro é mais popular? Que é mais capaz de afetar um certo perfil social que encontra na imagem do “tiozão do pavê” seu tipo ideal? Talvez sim. Mas será que esse perfil não pode ser capturado por Pablo Marçal?

A resposta passa pela relação entre a linguagem analógica e linguagem digital no processo político.

Se a linguagem analógica ainda é relevante e capaz de sobreviver de forma relativamente autônoma nessa era da internet, Bolsonaro continuará por algum tempo liderando a extrema direita.

Porém, se a linguagem digital já é capaz de configurar a sensibilidade política da totalidade da população, incluindo os tios e as tias, não resta dúvida de que a liderança de Jair Bolsonaro está com os dias contados. Nesse campo, Marçal está mais preparado, é organicamente digital.

De todo modo, é fato que Pablo Marçal é cria do bolsonarismo, algo que ele mesmo reconhece. Mas é um bolsonarista atualizado e potencialmente mais perigoso.

E Jair Bolsonaro? Talvez esteja começando a ficar obsoleto.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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