Os jovens e a atração por candidatos radicais nas eleições municipais

Em capitais como Belo Horizonte, Fortaleza e São Paulo, a faixa etária preferiu nomes da extrema direita
Foto de Paulo Pinto/Agência Brasil

Por HELCIMARA TELLES, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel), doutora em Ciência Política (USP) e professora da UFMG

O Barômetro das Américas mede o apoio à democracia através da pergunta até que ponto os indivíduos concordam ou discordam da afirmação “democracy may have its problems, but it is better than any other form of government”. No último relatório do projeto em 2023, a resposta dos latino-americanos mostra que o suporte à democracia é hoje menor do que foi há duas décadas e sofreu erosão em quase todos os países da região. Ao mesmo tempo, a confiança nos tribunais superiores, nas legislaturas e nos executivos permaneceu em níveis baixos, ao passo que a confiança nas Forças Armadas e nas Igrejas conserva-se alta. Contudo, observa-se que o apoio de algumas confessionalidades ao regime democrático e a determinadas pautas dos direitos humanos tem decrescido na América Latina. A combinação de baixa adesão ao sistema e a baixa tolerância tem polarizado a região e põe em risco a democracia.

Ainda que tal tema aparentemente possa parecer desconectado dos resultados das eleições municipais brasileiras, ele nos diz muito sobre um fenômeno ainda pouco analisado: o atual comportamento político do jovem eleitor brasileiro, situado na faixa dos 24 aos 35 anos. Ainda em 2010, coordenei através do grupo Opinião Pública (UFMG) e com o apoio do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), pesquisa em Belo Horizonte. Os resultados demonstraram indícios do que viria ser a atitude quase que generalizada da juventude: uma enorme aversão à política, a valorização da vida privada sobre a esfera pública, a participação em associações religiosas, o apoio à obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas, o afastamento dos partidos, a valorização da família, a descrença e desencanto com as instituições democráticas em geral.

Passados 14 anos dessa pesquisa, a literatura tenta entender o porquê de o eleitor mais jovem se sentir atraído por grupos de extrema direita, como no caso do Chega, legenda portuguesa. As eleições em capitais como Belo Horizonte, Fortaleza e São Paulo ilustram o que já havia sido indicado desde a citada pesquisa: se a eleição para prefeito ocorresse apenas no segmento “jovem”, candidatos mais radicais, antissistema e com base religiosa seriam eleitos. Os resultados da Quaest, divulgadas às vésperas do 2º turno, comprovaram que os jovens votariam em perfis mais radicais. Em Belo Horizonte, elegeriam o bolsonarista-raiz Bruno Engler (PL), que foi apoiado pelo jovem parlamentar do PL (Nikolas Ferreira), pelos evangélicos e pelo ex presidente Bolsonaro; em Fortaleza, optariam por André Fernandes (PL), um influencer com recente participação na política e forjado nas redes sociais com discursos antidemocráticos e altamente perigosos, inclusive desdenhando do feminicídio. E, em São Paulo, a juventude se encontrou com o coaching Pablo Marçal (PRTB), um candidato antipolítica que contava com base evangélica e que apostava propriamente no milagre da “prosperidade” e do mérito para a mobilidade social.

Em direção oposta a essa, eleitores com mais de 60 anos dessas capitais, ainda segundo pesquisas de intenção de voto da Quaest, tiveram comportamento antagônico, pois, indicaram majoritariamente candidatos mais moderados ou se orientaram por seus partidos preferidos. Eleitores mais maduros têm memória dos tempos de autoritarismo e, ademais, contrariando o senso comum, embora uma (já) pequena parte deles tenha sido socializada nos anos da Ditadura Militar e seja anti-partidário, grande parcela dessa geração foi exposta aos partidos políticos que emergiram após os anos de chumbo, e valorizam mais essas instituições. Os jovens da “geração crítica”, nascidos no século XXI, estão cada vez mais distantes das instituições representativas – como partidos, governo e Congresso – e vice-versa, desencantados com a democracia e são presas fáceis de interpretações simplificadoras sobre o mundo, como proposto pela extrema direita, que divide a política entre o bem e o mal.

Por outro lado, o da oferta, o que se nota é que os três candidatos preferidos pelos jovens nas capitais citadas são igualmente “jovens” e representam a renovação dos quadros da extrema-direita. Tanto Engler, quanto Fernandes e Marçal são neófitos na política e com idade média inferior ao da média dos parlamentares e prefeitos eleitos . Ao contrário, a esquerda apresentou, com raras exceções, pouca renovação de candidatos. A maioria deles, mesmo sendo técnicos e políticos experientes e de grande envergadura, vem há anos repetindo seus nomes nas urnas, especialmente no caso do PT. A baixa renovação torna a esquerda bastante dependente do presidente Lula. Desse modo, ainda que o PT tenha crescido um pouco em 2024 em relação à 2020 nas eleições municipais, seus números estão ainda longe de se aproximar dos anos de ouro do partido e a esquerda foi derrotada nessas eleições, quando comparada aos robustos números dos prefeitos eleitos por siglas de direita.

O conflito geracional entre eleitores mais maduros e os mais jovens ultrapassa a questão local e tem sido objeto de inúmeros estudos da ciência política. O fato é que as mídias sociais são veículos fundamentais para a comunicação dos Alt-Rigths (Direita Alternativa), que através de memes e propagação do “ódio ao sistema” tem fascinado os jovens com suas ideias simplistas. Se um dia “ser jovem” significou rebeldia crítica, as três capitais elencadas parecem nos dizer que não é mais assim. A esquerda ou se renova, abrindo espaços para a entrada da geração do futuro, ou morrerá na praia, tão logo Lula saia de cena. Tudo que parecia sólido se desmanchou no ar.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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