Há 108 anos, no dia 23 de setembro de 1909, era assinado, pelo então presidente Nilo Peçanha (1909-1910), documento de criação da experiência escolar atualmente denominada Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT). Batizada naquele momento pela alcunha de Escola de Aprendizes e Artífices, a RFEPCT assistiu, nesses mais de 100 anos, expressivas transformações que podem ser percebidas pelas mudanças na sua designação: Liceu Industrial, Escola Industrial, Escola Técnica Federal, Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) e finalmente Institutos Federais.
A partir de 2008, com a lei 11.892, a RFEPCT viveu uma verdadeira revolução, expandindo-se para centenas de cidades brasileiras (principalmente nos municípios do interior), chegando a atender, em 2016, quase 1 milhão de estudantes. Atualmente a Rede é composta por 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (644 unidades), CEFET’s, Colégio Pedro II, Escolas Técnicas vinculadas a Universidades Federais e Universidade Federal Tecnológica do Paraná.
Dos diversos estabelecimentos da Rede, aqueles que recebem a denominação de Institutos Federais (IF’s) passaram, nos últimos anos, por profundas transformações, principalmente no número de campus. Em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, a RFEPCT limitava-se a 140 campi, hoje são 644 unidades organizadas em 38 Institutos Federais.
Fonte: MEC/2016
Uma das particularidades dos IF’s é a verticalidade de ensino, ou seja, uma mesma unidade oferta cursos técnicos de nível médio (Educação básica), cursos superiores (Tecnólogo, Bacharelado e Licenciatura) e pós-graduação. Assim, os estudantes de diferentes faixas etárias utilizam-se da mesma estrutura educacional para o desenvolvimento do seu processo de ensino aprendizagem. Além disso, o corpo docente se vê diante do desafio pedagógico de trabalhar com distintas modalidades de ensino. Os diversos estudantes também compartilham as salas de aula, biblioteca, auditório, laboratórios, etc.
Portanto, num ambiente escolar inovador, o discente da Educação básica assiste aula com o mesmo docente que se responsabiliza por componentes curriculares nos cursos de graduação e pós-graduação. Pretende-se, assim, que a comunidade interna não se limite a solicitar dos IF’s apenas o ensino aprendizagem, mas, encorajados pelos diferentes cursos do ensino superior e a verticalidade, todos os discentes interessados, independente da modalidade, desenvolvam pesquisa e extensão.
Para organizar a quantidade de alunos em cada nível de ensino, na lei de criação dos Institutos Federais adotou-se a regra que ficou conhecida como 50/20/30: 50% das vagas destinadas aos cursos técnicos de nível médio, preferencialmente para os cursos integrados; 20% das vagas para as licenciaturas e/ou formação de professores; e 30% para outros. Além disso, os IF’s deverão ofertar vagas para a modalidade PROEJA. Também preocupado com a política de acesso aos seus bancos escolares e seguindo a legislação de inclusão educacional, os Institutos Federais adotaram o sistema de cotas (racial e social), destinando 50% das suas vagas para os egressos da rede pública de ensino, negros e indígenas.
Os primeiros frutos dessa inovadora experiência educacional iniciada em 2008, mas alicerçada nos antigos estabelecimentos de Educação Profissional e Tecnológica (EPT) desenvolvidos no país, já podem ser mensurados a partir dos resultados dos sistemas massivos de avaliação. O PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) aponta que os estudantes dos Institutos Federais têm índices acima da média nacional em Ciências, Leitura e Matemática.
Comparação das notas da Rede Federal com as de países avaliados no teste. Arte: CONIF
No ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), as escolas da Rede Federal figuram entre as melhores do país, ranqueadas em relação àqueles estabelecimentos privados de ensino que cobram mensalidades inacessíveis a 97% da população brasileira. Portanto, os IF’s constituem-se em uma rede de Educação pública e de qualidade.
Fonte: MEC/INEP. ENEM 2014*
Mesmo diante de números expressivos, a existência dos Institutos Federais não é consensual no Ministério da Educação (MEC) e frequentemente autoridades esbravejam frases contra os antigos CEFET’s. A principal acusação é que os IF’s seriam caros e ineficientes. Essa queixa é proliferada principalmente pela secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães de Castro. “Aliás, nem sei ainda que países têm universidades públicas plenamente gratuitas para todos, independente da situação socioeconômica. O Brasil não pode ficar fora do mundo real”, disse Castro em fevereiro do ano corrente em reunião com a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (PROIFES).
Além de ouvir a acusação, em alguns momentos com dedo em riste, de que são caros e ineficientes, os Institutos Federais correm o risco de assistir a deformação do seu projeto pedagógico. Um dos pressupostos educacionais dos IF’s é a formação integral do educando e, para isso, compreende-se o trabalho como princípio educativo e a multilateralidade como condição para se alcançar um processo de ensino aprendizagem global. Dessa maneira, a partir da categoria trabalho e desenvolvendo-se de forma interdisciplinar as dimensões técnica, científica, cultural e política, busca-se um egresso formado/formando para o mundo do trabalho e não apenas para determinado emprego.
No entanto, a reforma do denominado “Novo Ensino Médio” e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) colocam, no limite, a proposta pedagógica dos Institutos Federais em suspenso, isto é, no campo da incerteza. Com a imposição para que todos os secundarias brasileiros recebam 1.800 horas de formação comum (atualmente são 2.400) e que após esse período “escolham” um dos cinco itinerários formativos (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais e Formação Técnica e Profissional), os IF’s e/ou todos os estabelecimentos da RFEPCT podem ser impelidos a ofertar cursos técnicos concomitantes para as escolas públicas que não apresentarem condições para isso.
Diante dessas incertezas, ventilou-se a transferência dos Institutos Federais para a alçada do Sistema S, mais especificamente o SESI/SENAI, ou a transformações dos IF’s em estabelecimentos que ofertariam exclusivamente cursos de graduação e pós-graduação, descaracterizando o projeto inicial de verticalidade e cursos técnicos integrados. “Os dirigentes indicaram que as entidades [Confederação Nacional da Indústria, Confederação Nacional do Comércio, Senai e SESC] podem bancar os cursos e toda a estrutura dos Institutos Federais de Ensino, os chamados IFs, e ajudar o Governo a construir as creches em parcerias com prefeituras” (encontro em 2015 entre dirigentes do Sistema S e o governo federal).
Paralelamente a essa discussão de fora para dentro, os Institutos Federais, como quaisquer outros estabelecimentos de ensino, enfrentam questões locais: estrutura física aquém da necessária, diminuição dos recursos destinados à sua manutenção, dificuldade para cumprir a regra 50/20/30, problemas para ofertar cursos na modalidade PROEJA, discussão sobre a duração dos cursos técnicos integrados ao ensino médio (4 ou 3 anos) e dificuldade para definir a sua identidade.
Instituto Federal de São Paulo
No Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) encontramos muitos dos problemas apontados acima, com alguns agravantes. Em meados da década passada, o IFSP limitava-se a 3 campi e atualmente são 36 unidades espalhadas pelo Estado. Assim, num período curto, o antigo CEFET-SP tornou-se o maior Instituto Federal do país com mais de 40 mil estudantes. Diante disso, adensa-se a tese que esse IF precisa se dividir para melhorar a sua capacidade gerencial. No final de 2015 e início de 2016, antes do processo de impeachment, a reitoria divulgou um documento que solicitava, junto à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), a divisão. Como este processo é moroso, envolve significativa quantia de dinheiro (criação de inúmeros cargos) e o atual governo congelou os gastos e investimentos na esfera pública, a partilha do IFSP é incerta.
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Uma instituição centenária que desenvolve uma Educação básica de qualidade e pública, como todos os índices revelam, encontra-se hoje na berlinda e corre o risco de naufragar próximo à praia. Espera-se, todavia, que o governo federal siga a legislação e respeite a autonomia dos estabelecimentos vinculados a RFEPCT e não interrompa projeto em pleno desenvolvimento.
Diante de tantas incertezas, teme-se que a experiência dos Institutos Federais sofra consequências, apesar do caminho certeiro e resultados inquestionável. Dessa forma, urge a mobilização e, no limite, a resistência daqueles envolvidos diretamente e/ou atendidos em algum momento pela Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
- O desempenho dos Institutos Federais no ENEM/2015 não foi divulgado inicialmente pelo MEC/INEP, dificultando uma comparação com as demais escolas.