O tal presidente quer vender as águas que em rios se fazem e nos aquíferos se escondem. Fico soturno no imaginário e grandes tatus vejo nos sonhos, estrangeiros, tatus de olhos rasgados e pelos loiros, ruivos, tão lisos. Na terra incidem tantos tatus, comem nossos tabus e outros bosteiam nossas joias.

Quando acordo recordo.

Quando acordo recordo: o céu na  Amazônia vinga e reboliça tudo, todo dia no horizonte me lembro. Não sei se Temer e sua turma irão inventar uma maneira de monetizar a liberdade das nuvens, seus ventos e umidades, mas a capetas tudo pode virar bons negócios, aprendi bem cedo em certos centros, é bom desconfiar.

De repente, vejo tudo santo, os pequenos gestos que recolho me furtam, apesar de toda violência possível no uso do instrumento, pois tudo sei, depende da atitude. Enxada fere terra ou pele, a intenção é coisa como semente, solo ou chuva.

O homem santo que percorre minha rua em dias de feira, o Dito louco em sua cadeira de rodas, sempre grita: é hora de vigiar, guardar.  O Dito sempre inventa palavras. É tempo de organizamente, diz ele sempre, minha frase preferida. Dito é palmeirense, homem verde nos entendemos assim, entre comentários de parceria no time amado.

Palavras, nossas armas, nossas asas. Metamorfose ambulante, já é sabido e cantado, segue o mundo toda quinta-feira em minha rua de trabalho.

Recordo-me que, certa feita, vi uma criança de terra das entranhas, infante indígena brincando com um facão de sua estatura, e num brincar fazia o trabalho do alimento em jovem aprendizado. Assim como crianças do ocidente a desenhar em papel branco uma aritmética ou rima de linguagem, no movimento, essa menina do Xingu desenhava sua lógica de bem prover.

Se o algoritmo divisa agora e se a mariola e a canalha ruge nesse momento de venda das águas e furos no solo, ah, o céu se revolta e entre cores diversas insiste minha onírica questão. Será que haverão de vender as nuvens?

Temer não é próprio de gente firme, mas como dói.

 

*Texto e Imagens por Helio Carlos Mello©.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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