A vida das crianças e adolescentes órfãos e a Pandemia no Brasil

A realidade de crianças e adolescentes órfãos de mãe, pai e avós chegam a aproximadamente 12 milhões no Brasil. As novas famílias vivem o luto, a pobreza e a fome. O silêncio e a ausência de políticas públicas apenas agravam com a Pandemia, uma situação que ainda continua crescente no país.
Criador: Damian Ryszawy Crédito: dr322

Por Nilma da Silva e Leonardo Koury Martins

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 12 milhões de mães criam seus filhos sozinhas, sendo mais de 64% as que vivem abaixo da linha da pobreza, aqui no Brasil. São as famílias monoparentais e, na maioria desses casos, as mães são as únicas referências e provedoras dessas crianças. Em caso de perda das mães, quem irá acolher, educar ou mesmo instruir essas crianças, para viverem em sociedade? 

Há casos em que as crianças perderam tanto mãe, pais e avós. Em algumas dessas famílias, a renda dos avós aposentados era a única garantia da sobrevivência de todos. Portanto, além da crise sanitária enfrentamos também um problema socioeconômico. Podemos observar o empobrecimento das famílias, advindo da perda de empregos e renda.

O negacionismo de Bolsonaro em relação à ciência se agravou nestes últimos anos a partir da Pandemia Covid-19. A falha na aquisição de imunizantes em tempo oportuno, resulta em um verdadeiro caos. O Brasil é apontado como o epicentro da Pandemia no mundo e teria todas as condições para não ser percebido assim. Acompanhamos, atônitos, momentos trágicos no estado do Amazonas, Rio de Janeiro, Minas Gerais, onde faltam insumos importantes para salvar vidas. Por exemplo, faltam insumos básicos como o oxigênio para garantir que as pessoas pudessem respirar. Em muitas cidades brasileiras, houveram casos de pessoas perdendo os seus entes queridos asfixiados pela falta de oxigênio. 

Alguns familiares desesperados, compraram insumos por conta própria na esperança de preservar a vida de quem se ama. Outras pessoas infelizmente não tiveram condições financeiras ou ao mesmo tempo, pois já estavam próximos do óbito antes que o recurso chegasse até eles. 

No presente momento, de acordo com especialistas, não há dados suficientes sobre os órfãos que perderam seus pais e avós pela Covid-19. Isso seria de suma importância para validar a implementação de políticas públicas que garantam o mínimo em relação à subsistência dessas crianças e adolescentes. 

Dessa forma, recursos do Estado ainda não tem previsão de chegar a esses órfãos, ainda que a garantia à alimentação seja uma demanda constitucional, de acordo com o art, 5º da Constituição e segundo o (ECA) Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a proteção destes. Certamente, teremos uma geração inteira que vai necessitar de auxílio não só financeiro, mas, principalmente, psicológico para lidar com a questão da orfandade.

Na contemporaneidade novos arranjos familiares, em algumas residências têm os avós como responsáveis pela criação dos netos e o falecimento de familiares agravou este número. O direito à renda como aposentadoria e/ou Benefício de Prestação Continuada (BPC), em muitos dos casos é a única fonte de renda daquela família. 

De acordo com a pesquisadora Ana Amélia Camarano, os idosos são vítimas duas vezes, pois além de ser os que mais morrem devido contágio com a Covid 19, também são os primeiros a serem dispensados pelas empresas, ficando sem renda, em segunda colocação no rol de desemprego estão muitas mulheres, boa parte dessas são chefes de famílias, denominadas monoparentais, o que acaba comprometendo a qualidade de vida dos jovens e crianças, dependentes. (CAMARANO, 2020, p. 14) 

Além disso, outros fatores contribuem negativamente para essa situação de agravamento da pobreza. Por exemplo, a falta de saneamento básico para atender a essas famílias e até mesmo as condições de vida precárias que as pessoas nas comunidades em decorrência da má distribuição de renda e desigualdade de nosso país. Luis Nassif, em seu artigo Covid-19 e Desigualdade no Brasil (2020), defende que os mais pobres têm maior chance de serem afetados pela Covid-19 devido às dificuldades de “manter o isolamento social, o emprego e a renda”. 

Diante dos níveis abissais de desigualdade de renda e de acesso a serviços no Brasil, não faltam motivos para esperar um efeito desproporcional do Covid-19 entre os mais vulneráveis no país. O estudo de Filho et al. (2017) sugere, por exemplo, que a carência de infraestrutura domiciliar, principalmente nas periferias, oferece um maior risco de contágio e propagação de infecções respiratórias. 

O trabalho de Souza (2016) mostrou ainda que a mortalidade por doenças do aparelho respiratório aumentou de forma preocupante em todas as regiões do Brasil entre os anos 2000 e 2013. Ou seja, as famílias que têm suas moradias em favelas, quando foram orientadas a ficar em casa, com isolamento social, não tiveram essa possibilidade. Como se isolar em barracos sem as mínimas condições de distanciamento, lazer e/ou até trabalho remoto? Alguns desses imóveis abrigam até dez pessoas em dois ou três cômodos. 

Como manter o isolamento sem ao menos espaço adequado para viver com um pouco de dignidade e provisões básicas dentro dos lares para oferecer aos filhos demais moradores? Essa é uma triste realidade enfrentada pelos moradores das regiões mais pobres, que sempre contam apenas com o mínimo para subsistência devido à vulnerabilidade social, nesse contexto pessoas com  insegurança alimentar tem procurado o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), onde os profissionais como Assistentes Sociais, inserem essas famílias nos programas de alta complexidade na busca de minimizar as mazelas sociais provocadas pela ausência do Estado.

A situação econômica é drástica, e agravada pela crise sanitária que estamos enfrentando. Várias vagas de emprego foram perdidas e muitos estabelecimentos fecharam definitivamente suas portas na pandemia. Os pequenos comércios viram sonhos de anos de trabalho se desfazer em meio à crise. As pessoas mais atingidas em meio a essas condições são os trabalhadores e trabalhadoras domésticas, as diaristas, as prestadoras de serviço e outros públicos de forma geral. 

No mês de junho de 2021, o presidente em exercício Jair Messias Bolsonaro realizou um passeio de moto em São Paulo que custou de acordo com as informações da mídia um milhão e duzentos mil reais. A atividade contava com motos e carreatas com a presença de Bolsonaro e seus apoiadores. O ato ao ignorar o maior pico de mortes em 2021 trouxe aglomerações e o risco de contágio com a doença é iminente. O que contribui com mais óbitos e evidentemente aumenta o número de órfãos. 

As pessoas vulnerabilizadas, devida classe social e lugar onde estão inseridas, deveriam ser prioridade no gasto público, mas não é assim, pois têm maior risco de se contaminarem pela Covid-19, o que já foi cientificamente comprovado e ao mesmo tempo a menor priorização na agenda da presidência. As mortes aconteceram ao longo do mesmo período de motos comemorativas. 

Não se pode ignorar que o país é dotado pela conquista histórica de um amplo mecanismo de saúde pública que é referência para muitos países, o Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de amparado na Constituição Federal, o SUS tem como pressuposto a garantia da saúde pública para toda pessoa que dela necessitarem, mas em especial na pandemia o descaso ainda é eminente, nos hospitais faltam insumos, remédios e profissionais para o trabalho diário. Em decorrência da pandemia os trabalhadores estão sobrecarregados, o déficit de trabalhadores da saúde chega a 60% em Minas Gerais. 

A palavra de figuras públicas, principalmente quando se trata de um chefe de Estado, tem “peso” e de certa forma influencia a vida das pessoas, inclusive nas decisões pessoais. Portanto, boa parte desses óbitos seriam evitados caso o discurso do presidente fosse outro. Segundo o pesquisador, Hallal, em cidades nas quais Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, por exemplo, foram registradas 70 mortes por 100 mil habitantes. Nas regiões em que o presidente recebeu mais de 90% dos votos, as mortes chegam a 313 a cada 100 mil habitantes. (EPIDEMIOLOGISTA, Terceira Via, 24/06/2021)

Desde o início da pandemia, as pessoas mais atingidas foram os idosos e os adultos. Notavelmente, esses grupos tiveram maior atenção, pois tinham iminência de risco. Entretanto, ao passo que os adultos e idosos chegavam a óbito, consequentemente, as crianças e adolescentes se encontram como atingidas. De forma que os familiares que ficavam responsáveis pela guarda desses menores, tinham pouco tempo para lidar com a questão da perda, e preparar os órfãos para nova realidade.

Entre outras fontes de dados, as estimativas de levantamento apontam que mais de 113 mil crianças ficaram parcialmente órfãs em consequência da Covid-19 no Brasil, sendo que 25,6 mil perderam a mãe, mais de 87,5 mil perderam o pai, e 13 crianças perderam tanto o pai quanto a mãe para a doença. Além disso, 17 mil perderam um dos avós que cuidavam delas, e 69 perderam os dois de acordo com o Brasil de Fato no caderno Pandemia, de julho de 2021.

Essa informação foi possível pela contribuição dos Cartórios através do seu banco de dados, e cruzamentos desses dados entre registros de nascimentos e óbitos, da população. Ressaltando que no momento não há dados oficiais referentes a esses números, por parte do governo federal. Ao menos 12.211 crianças de até seis anos de idade no Brasil ficaram órfãs de um dos pais vítimas da covid-19 entre 16 de março de 2020 e 24 de setembro deste ano. Segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), 25,6% das crianças de até seis anos que perderam um dos pais na pandemia não tinham completado um ano. 

Já 18,2% tinham um ano de idade; 18,2%, dois anos de idade; 14,5%, três anos; 11,4%, quatro anos; 7,8% tinham cinco anos e 2,5%, seis anos. São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro, Ceará e Paraná foram os estados que mais registraram óbitos de pais com filhos nesta faixa etária.  

Historicamente, condições sanitárias contribuem com o aumento de órfãos, com a expansão nos grandes centros urbanos, cresce também a vulnerabilidade das famílias. A propagação de doenças, aliada à precariedade e vulnerabilidade, eleva o número de crianças que perdem seus progenitores.

Ainda não temos aqui no Brasil um número oficial de órfãos, mas sabemos que esse número aumentou consideravelmente em detrimento da Covid-19 considerando os novos casos de 2022. 

Não podemos acompanhar o drama dessas crianças e adolescentes pela perda de seus entes, com normalidade. É comum o aumento da pobreza e a vida de crianças e adolescentes na desproteção do trabalho infantil entre os sinais, em situação de rua, no agravo da fome e sem a menor dignidade constitucional. 

É inadmissível acharmos isso natural. As propagandas, campanhas publicitárias vendem o Brasil da normalidade e as crianças e adolescentes como o futuro de nosso país, “e de fato são”. Portanto, mais do que medidas paliativas, precisamos de forma urgente de dialogar sobre as ausências, de pessoas, de vidas, de brasileiras e brasileiros e o impacto desta realidade no país.

Nilma da Silva e Leonardo Koury Martins, especial para os Jornalistas Livres

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

3 respostas

  1. Há um erro gravissimo nessa reportagem, anunciam 12 MILHOES quando a estimativa é de 12 mil?

  2. Uma leitura p reflexao p que possamos pensar tambem sobre nossas açoes sobre a questao

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