REITOR CANCELLIER: 11 meses de prisão abusiva e impunidade

Zé Hamilton Ribeiro, repórter mais premiado do século, retorna à UFSC depois da morte do reitor: "Esta universidade deve ser trincheira de luta contra abusos de poder"

Hoje faz 11 meses da prisão abusiva do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Professor, jurista e jornalista, que nunca sofreu um processo administrativo sequer, Cancellier foi surpreendido na manhã de uma quinta-feira, dia 14 de setembro, em casa, enrolado numa toalha de banho, por uma operação com mais de cem policiais escalados de diversas partes do Brasil. Portando um mandado de prisão impetrado pela delegada da Polícia Federal Érika Marena e avalizado pela juíza federal Janaína Cassol, com base em denúncias nunca comprovadas, os homens o levaram algemado nas mãos e acorrentados nos pés. O reitor  foi detido em um presídio de segurança máxima, humilhado nu e achincalhado na grande mídia e nas redes sociais como “chefe de uma quadrilha”.

Afastado do cargo e excluído da instituição, só retornou a ela morto, no dia 2 de outubro, depois de se jogar do alto do Shopping Center Beira-mar, com o famoso bilhete no bolso, no qual atribuía sua morte ao banimento da universidade. O jornalista Zé Hamilton Ribeiro, que foi atropelado pela tragédia quando chegou à UFSC para uma aula magna do Curso de Jornalismo, retorna à universidade quase um ano depois e novamente repercute o abuso de poder que vitimou o reitor. Repórter mais premiado do século, autor de 15 livros, Zé conclama a comunidade a não aceitar novos abusos contra a dignidade de qualquer cidadão e se diz muito emocionado: “Hoje esta casa é uma trincheira contra o abuso de poder”.

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Na manhã do dia 2 de outubro de 2017, a Universidade Federal de Santa Catarina recebia horrorizada as primeiras notícias sobre a morte do reitor. O épico jornalista José Hamilton Ribeiro chegava de São Paulo para proferir a Aula Magna do Curso de Jornalismo da UFSC quando encontrou a comunidade atônita entre a dor e a revolta. O chamado “repórter do Século”, que testemunhou tragédias como a Guerra do Vietnã e o Golpe de 64, fora surpreendido pelo velório do primeiro cadáver do Lava-Jatismo e do golpe de 2016.

Contrariando a postura da própria Rede Globo, que anunciou a prisão do reitor sem nenhum cuidado, como se ele fosse responsável pelo roubo de R$ 80 milhões em verbas públicas, o repórter gravou para os Jornalistas Livres, na época, um contundente desabafo. No vídeo, ele reclama da espetacularização da justiça e alerta para os riscos de um Estado policialesco que toma suspeitas como provas, terminando por arruinar a reputação e a vida de cidadãos inocentes.

“Investigações prematuras da PF são vazadas e espetacularizadas pela grande mídia. Essa atitude alimenta o escracho público e pode levar à morte”, afirmou o repórter da Globo em 2017

Ao abrir na sexta-feira (10/8) a Aula Magna do Curso de Jornalismo da UFSC deste semestre, as primeiras palavras de Zé Hamilton lembraram o horror que ele testemunhou:

– Estou muito emocionado de estar aqui. Da última vez que estive, na sala ao lado era velado o reitor Cancellier. A universidade, a cidade, estava estarrecida diante da brutalidade, do abuso de força da intrepidez desmedida de um órgão da República que transformou um cientista, um homem de estudo, um homem da academia, de um dia para outro, numa coisa inimaginável, e de tal maneira constrangedora e absurda que o levou ao martírio, ao sacrifício.

Entrevista de Zé Hamilton à TV UFSC ao chegar ao aeroporto de Florianópolis pouco antes da morte do reitor

– Eu volto com muito prazer aqui porque hoje essa casa é uma trincheira da dignidade e uma trincheira contra o abuso de qualquer tipo que se faça com um cidadão. Exerça sua função dentro da lei, mas leve em conta sempre que o cidadão tem o direito à presunção de inocência e tem que ser tratado com dignidade sempre. Seja um reitor da universidade ou um boia fria”.

No dia 2 de outubro de 2017, o repórter já se colocava na contramão do discurso da mídia servil ao Estado policialesco ao declarar que “Pessoas inocentes têm suas reputações destruídas por processos judiciais que deveriam correr em sigilo”. Na UFSC para abertura da Semana Acadêmica do Curso de Jornalismo, afirmou em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres que talvez tenha vivido tempo demais para ver as pessoas pedirem um estado policialesco e a volta da ditadura militar. Aos 83 anos, o jornalista que cobriu a Guerra do Vietnã pela Revista Realidade em 1967, onde perdeu uma perna na explosão de uma mina, disse que investigações prematuras da Polícia Federal, sem comprovações, são vazadas e espetacularizadas pela grande mídia e acabam destruindo a reputação de pessoas. Essa atitude alimenta o escracho público e pode levar à morte inocentes, como no caso do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancelier”.


Assista  no link abaixo ao depoimento do jornalista José Hamilton Ribeiro, comentando, um ano atrás, o sequestro dos direitos jurídicos que levaram ao suicídio do reitor da UFSC: 

https://m.facebook.com/jornalistaslivres/posts/610515879072293

 

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